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Memórias (5)

09-01-2015 - Henrique Pratas

De regresso a Lisboa vaguei com os meus amigos de infância que eram muitos, jogámos à pedrada, à carica, à bola, fugimos à policia pregámos partidas e eu nessa altura, já com a minha personalidade muito bem vincada, quando havia alguma coisa que não concordava, apesar de franzino, era muito resistente e quando as coisas não eram com achava que deviam ser resolvia-as à pancada, entendia na altura que a melhor maneira para resolver qualquer coisa era dar um enxerto de pancada nos meus amigos que não estavam de acordo comigo ou que não alinhavam nas minhas congeminações.

Olhando hoje para trás gostaria de resolver as minhas adversidades e as do País da mesma forma como as resolvia na minha infância, mas lamentavelmente não pode ser, mas também ninguém me explicou até hoje a razão de as coisas serem resolvidas desta forma, está convencionado que esta não é a melhor forma de resolver as coisas e assisto a que elas nem se resolvem assim nem doutra maneira, mas é assim que querem faça-se a vontade.

Mas esta minha rebeldia decorria do facto de o meu sentido justiça, de partilha, de solidariedade para com os outros estar sempre presente, eu era hiperactivo tinha energia para dar e vender e estava sempre para alinhar em tudo o que achasse que devia fazer.

Este meu modo de reagir foi-me incutido pelos amigos, colegas de trabalho de meu pai que acham muita graça ao menino e metiam-se comigo sempre à espera de uma reacção, pis era certo que iria reagir muitos deles levaram pontapés nas canelas que até ferveu, mas como não ficavam contentes, voltavam a meter-se comigo e lá distribuía mais canelada e ao que parece gostavam porque voltavam a meter-se comigo e a reacção era a mesma.

Recordo-me de um amigo do meu pai que morava perto de nós e que quando passava por mim e eu estava a jogar à bola me dizia sempre em alto e bom som, ah estás a jogar à bola vou fazer queixas ao teu pai. Resposta imediata cá do rapaz vais contar ao meu pai levas uma pedrada nos cornos e isto sucedia cada vez que estava a jogar à bola e ele passava dizia sempre a mesma afirmação e levava sempre com a mesma resposta. Era claro que ele nunca fez queixas ao meu pai, mais tarde já adulto quando ele me fez esta conversa rindo-se e perguntando-me se eu me lembrava do que lhe dizia fiquei perfeitamente envergonhado e sem palavra, mas na altura não havia lugar para queixinhas, ora esta a estragar-me a minha boa vida.

A par das brincadeiras que desenvolvia, faziam também os recados que a minha mãe me pedia para fazer, ia à mercearia, à leitaria, à padaria, à drogaria, fazer os recados que a minha mãe me pedia para fazer e neste processo de fazer recados e levar dinheiro comigo, fui alertado para olhar para a balança e comecei a conhecer o dinheiro para que não se enganassem, a minha mãe explicava-me como devia proceder para que não fosse enganado e trouxesse as quantidades, necessárias, com o peso certo e o pagamento justo, foi desta forma que comecei a conhecer os pesos, os dinheiros.

Como naquele tempo as relações eram muito personalizadas e o atendimento era feito por pessoas que se pautavam pela sua honradez e seriedade no negócio que tinham os primeiros contactos foram sempre fáceis e batia tudo certo o pior era quando eu queria ir brincar para a rua, sim porque naquela altura podíamos brincar na rua porque os carros eram poucos e o espaço muito, ou tinha os meus amigos à minha espera e a minha mãe me pedia para ir fazer algum recado, nestas alturas como a atenção estava centrada na brincadeira, esquecia-me de algumas coisas que a minha mãe me tinha pedido para trazer, pior tinha que voltar de novo ao local pretendido e fazer tudo direitinho, perdia mais tempo, mas como andava sempre a correr despacha-me depressa e como subia as escadas de 3 em 3 degraus fazia tudo num instante, até que um dia na mercearia do senhor António fui comprar sabão amarelo e pedi a quantidade que a minha mãe me pediu par ir comprar a quantidade eu vi que ele tinha cortado bem a barra de sabão mas o troco que ele me tinha dado não batia certo, olhei para o dinheiro e como achei que estava certo disse-lhe de imediato isto não está certo, recebi como troca a provocação, estás a dizer-me que te estou enganar, como estava ciente do que dizia, porque naquela altura havia respeito pelas pessoas, de forma delicada voltei-lhe a dizer que o troco não estava certo, faltavam 50 centavos, recebi como toca um sorriso e uma afirmação confirmando a minha certeza, fiquei contente não me deixei enganar, mal sabia eu que o senhor António tinha feito de propósito para saber se eu estava com atenção ao que estava a fazer, estas experimentações foram feitas pelo senhor Silva da drogaria, pelo padeiro e pelo senhor Amaral da pastelaria quando ia comprar o fiambre esse tentava enganar-me no peso eu pedia-lhe 250g ou 500g e ele punha um pouco menos para ver a minha reacção pois tinha os olhos pregados na balança e quando as coisas não batiam certo reclamava, fui muitas vezes experimentado mas nunca levaram a deles avante eu estava certo e os meus pais tinham-me incutido o valor do dinheiro face à dificuldade que existia para que o mesmo fosse ganho e aí eu teria que estar atento. Não me foi transmitido a ganância pelo dinheiro, cedo aprendi que o dinheiro apenas servia para podermos fazer face aos nossos encargos e satisfazermos as nossas necessidades, a felicidade não era obtida através do dinheiro e o mesmo tinha uma importância relativa e não determinante era muito mais importante sermos solidários, termos a nossa opinião, ser honestos, honrar a nossa palavra, os nossos compromissos e não desiludir os outros através da prática de acções que pudessem por em causa a pessoas que éramos, valores que hoje já não estão em uso ou foram banalizados pelo vil metal, cedo aprendi que o dinheiro não era tudo na vida.

Quando era preciso ir ao sapateiro por uns sapatos a arranjar, por meias solas ou solas inteiras, consoante o estado dos sapatos lá ia eu, como o sapateiro era ao lado da minha porta muitas das vezes ficava a ver o trabalho do sapateiro como punha as olas ou meias solas nos sapatos os instrumentos que utilizava e de que forma, foi ai que conheci a sevela, a agulha com que se coziam os sapatos e todo o trabalho que era necessário para desenvolver para o desenvolvimento de tal trabalho. Claro que quando não percebia alguma coisa lá estava eu para perguntar porquê é que se fazia dessa maneira e não de outra, que paciência teve esta gente para me aturar, só parava de fazer perguntas quando já não tinha mais e a eles muito devo o que sou hoje conheço muita coisa que não saberia o que era se eles todos sem excepção me explicassem tudo certinho e direitinho como eu gostava, devo-lhes esta, mas recompenso-os tendo a mesma postura para quando alguém quer saber alguma coisa lhe dou a conhecer tudo o que sei sobre o assunto, não estou a fazer nem mais nem menos do que o que fizeram comigo e faço-o com todo o gosto.

Lisboa, 2 de janeiro de 2015

Henrique Pratas

 

 

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