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MEMÓRIAS (4)

27-12-2014 - Henrique Pratas

Retomando o último texto, vou voltar ao ponto onde fiquei, recordo que quando diz os 5 anos e após os meus avós de incutirem o gosto pela lei e pelo conhecimento das coisas, foram-me ensinando as letras e assim aprendi a ler, porque para eles e estou a recordar-me das suas palavras, filho é muito importante saber ler e ler livros, o saber ler e escrever é muito importante, com os meios escassos de que dispunham lá me foram ensinando conforme sabiam e eu absorvi tudo o que me ensinaram o meu avô materno, quando lá chegava o jornal, sim porque na altura o acesso à leitura não é como hoje, os jornais diários não chegavam como chegam hoje, apesar de estarmos a pouco mais de 100 Kms de Lisboa os jornais não chegavam e poucos eram os que tinham hábitos de leitura, porque a mesma não era fomentada e poder de compra não chagava aos jornais.

Nesse ano de abertura de aulas que ao tempo ocorria em outubro, apesar de ter 5 anos, com o incentivo que os meus avós maternos me davam e porque os meus amigos de brincadeira mais velhos do que eu iam para a escola, decidi também ir. Falei com a minha avó e disse-lhe que queria ir para a escola com os outros meninos, a primeira reação da minha avó foi que não podia ir pois não tinha idade para entrar na escola primária, não entendi e voltei a insistir e disse-lhe avó não é a avó que me diz que é importante sabermos ler e escrever e saber coisas então eu quero ir para a escola para aprender, após uma troca de palavras e a minha insistência a minha mãe e a minha avó foram falar com a professora que me aceitou na escola.

Deste modo reuni tudo o que era necessário para poder entrar na escola como os outros meninos, disso fazia parte uma pasta e recordo-me muito bem como era, cartão castanho-escuro e lá dentro estavam os cadernos o livro da 1ª classe, lápis, borracha e canetas e eu todo “inchado” lá fui para a escola no dia estipulado 6 ou 7 de outubro, não me recordo bem.

A ideia que fazia da escola era muito diferente da realidade, eu que nunca fui de estar muito tempo “preso” e de não me poder mexer, fui confrontado com regras que não estava habituado, que era que havia uma hora para entrar outra para o recreio com tempo diminuto e depois uma outra para sair e ainda por cima tinha que estar sossegado, não me podia mexer. Comecei a ver a minha vida a andar para trás, a professora era muito austera e aí provei o que não devia ser a escola, um local de castigo em vez de um local de prazer e de aprendizagem e de explicação fácil e acessível a todos, nada disto. A professora debitava a matéria nós tínhamos que estar calados e quando éramos questionados tínhamos que responder de imediato, não era isto que eu pensava que era uma escola, pensava que era um local onde os meninos iam aprender a ler e a escrever podiam ter dúvidas, questionar a professora e esclarecer o desconhecimento, nada disto. Era austero conforme já escrevi a professora ensinava, os meninos ouviam o que a professora dizia, não estou a dizer que aprendiam, mas tinha que fazer de conta que aprendiam, não lhes era permitido questionar o que quer que fosse e o ensino era feito desta forma. Eu não estava habituado a nada disto, quando tinha dúvidas perguntava até saber a essência das coisas, senti-me fora do contexto, a acrescer a tudo isto o tempo de recreio era curto e eu que pensava que o recreio era interminável iria ter o tempo que achava necessário e suficiente para brincar com os meus amigos, não era verdade, o recreio demorava o tempo que a professora entendia e se alguém não se comportasse de forma conveniente, nem sequer havia direito a recreio.

Eu que ia cheio de vontade de ir par a escola cedo me apercebi que tinha tomado uma decisão precipitada e tinha que me ver o mais rapidamente possível daquilo.

Como o interesse tinha sido meu, como é que ia dizer aos meus avós que já não queria mais, problema difícil. Naquela altura como começava o frio já a lareira ficava acesa dia e noite e não fui de modas um dia de manhã cedo quando senti que os meus avós apesar de estarem por perto, levantei-me sem ninguém dar por isso, acompanhado pelo termómetro aproximei-o do lume para que o mercúrio subisse e fui-me deitar rapidamente, quando a minha avó chegou ao pé de mim para levantar para ir para a escola disse-lhe de imediato que não me sentia bem e que me parecia que estava com febre e que tinha tomado a iniciativa de ir buscar o termómetro, que o tina colocado debaixo do braço e que me parecia que estava com febre, a minha avó pediu-me o termómetro olhou para ele e verificou que eu estava com 39,5º de febre e disse-me de imediato qua assim não podia ir à escola. Quando ouvi isto fiquei interiormente todo contente mas não o manifestei, este episódio repetiu-se por mais 4 dias e fui dizendo à minha avó que estava com saudades da minha mãe.

Foi assim que me vi livre da minha decisão de livre e espontânea vontade de ir para a escola antes de tempo para aprender, mas como a minha conceção de escola não era nem foi, mais tarde quando atingi a idade obrigatória de ir para a escola, aquela que imaginava ser, borreguei.

Esta experiência foi-me muito útil porque pela primeira vez experimentei o que o imaginávamos não era exatamente aquilo que se praticava, a diferença entre o que imaginávamos e a realidade era substancialmente diferente.

A partir daí comecei a pensar como seria o primeiro dia em que chegasse o tempo da escola obrigatória.

Face à minha insistência os meus pais foram-me de imediato buscar ao Arripiado e regressei a Lisboa para os meus amigos e as minhas brincadeiras sem obrigação de horários e de comportamentos.

Mas como já referi comecei a pensar muito seriamente como seria o meu primeiro dia de escola, quando chegasse a altura obrigatória, como é que iria resolver o problema dada a experiência que tive, cheguei mesmo a ter pesadelos, nada que não se resolvesse com a brincadeira com os meus amigos de Lisboa.

Resolvi por uma pedra no assunto e pensei para comigo, vou esperar pela altura e logo se vê e continuei a minha vida de criança brincando, andando de bicicleta, de trotinete fazendo todas as tropelias que imaginava, sem qualquer tipo de condicionamento.

Lisboa, 23 de dezembro de 2014

Henrique Pratas

 

 

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