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JUSTIÇA

12-12-2014 - Henrique Pratas

Uma outra das grandes áreas de discussão entre as pessoas é a Justiça e a sua eficácia e aplicação à realidade de um País, como forma de contribuir para o esclarecimento do que a mesma deverá ser procedi à elaboração do documento que partilho convosco.

Justiça é um conceito abstracto que se refere a um estado ideal de interacção social em que há um equilíbrio razoável e imparcial entre os interesses , riquezas e oportunidades entre as pessoas envolvidas em determinado grupo social .

Trata-se de um conceito presente no estudo do direito , filosofia , ética , moral e religião . Suas concepções e aplicações práticas variam de acordo com o contexto social e sua perspectiva interpretativa, sendo comumente alvo de controvérsias entre pensadores e estudiosos.

Em um sentido mais amplo, pode ser considerado como um termo abstracto que designa o respeito pelo direito de terceiros, a aplicação ou reposição do seu direito por ser maior em virtude moral ou material. A justiça pode ser reconhecida por mecanismos automáticos ou intuitivos nas relações sociais, ou por mediação através dos tribunais, Poder Judiciário .

Na Roma Antiga , a justiça era representada por uma estátua, com olhos vendados, os seus valores máximos eram "todos são iguais perante a lei" e "todos têm iguais garantias legais", ou ainda, "todos têm direitos iguais". A justiça deve buscar a igualdade entre os cidadãos.

A Justiça também "é uma das quatro virtudes cardinais ", e a mesma, segundo a doutrina da Igreja Católica , consiste "na constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes édevido" ( CCIC , n. 381).

Conceito de Justiça na História

Grécia Antiga

As primeiras concepções a respeito da justiça surgiram na Grécia Antiga , onde se utilizava a expressão Dikaiosyne (Δικαιοσύνη) para representar a personificação de uma integridade moral relacionada ao Estado e aos governos .

Aristóteles definia justiça como sendo uma igualdade proporcional: tratamento igual entre os iguais, e desigual entre os desiguais, na proporção de sua desigualdade. Aristóteles também reconhece que o conceito de justiça é impreciso, sendo muitas vezes definido a contrariu sensu, de acordo com o que entendemos ser injusto – ou seja, reconhecemos com maior facilidade determinada situação como sendo injusta do que uma situação justa .

Platão reconhece a justiça como sinónimo de harmonia social, relacionando também esse conceito à ideia de que o justo é aquele que se comporta de acordo com a lei. Em sua obra A República , Platão defende que o conceito de justiça abrange tanto a dimensão individual quanto colectiva: a justiça é uma relação adequada e harmoniosa entre as partes beligerantes de uma mesma pessoa ou de uma comunidade .

Idade Média

Dentro da teoria do Direito Natural , São Tomás de Aquino conceituou justiça como sendo a disposição constante da vontade em dar a cada um o que é seu - suum cuique tribuere - e classifica-a como comutativa, distributiva e legal, conforme se faça entre iguais, do soberano para os súbditos e destes para com aquele, respectivamente. Tomás de Aquino entende que não há um código incondicionado ou absoluto de uma justiça invariável, tendo em vista que a razão humana é variável – ainda que a vontade de buscar a justiça seja um perpétuo objectivo para o homem. Tomás de Aquino, aproxima, ainda muito ao seu conceito de religião, ao argumentar que, se somente a vontade de Deus é perpétua e se justiça é uma perpétua vontade, então a justiça somente pode estar em Deus .

Jus positivismo moderno

Hans Kelsen apresenta a justiça como sendo uma ideia irracional; por mais indispensável que seja para a acção dos homens, não se trata de um conceito sujeito à cognição. Kelsen enxerga a justiça como sendo um julgamento subjectivo de valor, que não pode ser analisado cientificamente .

Para Hart, a ideia de justiça divide-se em duas partes: um aspecto uniforme ou constante, resumido no preceito de tratar da mesma maneira os casos semelhantes e um critério mutável ou variável usado para determinar quando, para uma dada finalidade, os casos são semelhantes ou diferentes . Assim, desde que todos os seres humanos de uma comunidade estejam ligados entre si por laços de igualdade, tem-se que nenhum deles poderá aproveitar-se de sua superioridade económica ou política para alcançar um fim em detrimento do seu semelhante .

Teorias da Justiça

As principais teorias modernas sobre justiça revelam-se em duas grandes categorias: para uma primeira corrente, a ideia de justiça relaciona-se directamente com a ideia de equidade (ou ainda, fairness, utilizando-se da expressão inglesa). Para uma segunda corrente, a ideia de justiça está mais ligada ao conceito de bem-estar (welfare). Cada uma dessas correntes comporta uma série de teorias diferentes, que se utilizam de distintas perspectivas para tratar do tema.

Justiça como equidade

Perspectiva utilitarista

A perspectiva utilitarista do conceito de justiça foi desenvolvida por autores como John Stuart Mill , Henry Sidgwick e Jeremy Bentham , este último sendo um dos principais expoentes desse pensamento. Sendo uma teoria preponderantemente consequencialista, o utilitarismo define a utilidade social em termos de utilidades individuais, ou seja, define a função de utilidade de cada pessoa em termos de suas preferências individuais.

Bentham propunha que o princípio da utilidade (prazer/dor; felicidade/tristeza) deveria ser uma norteadora não só para as acções dos indivíduos, mas do próprio Estado, no tocante à monogénese jurídica. Deste modo, entendendo os interesses da comunidade como as somas dos interesses de seus diversos membros, caberia aos governantes e legisladores propor leis e políticas públicas no sentido de gerar o máximo de felicidade para todos .

A relação da justiça com o utilitarismo reside no fato das regras morais da justiça estarem directamente relacionadas ao que há de essencial na promoção da felicidade humana, sendo valores como a imparcialidade e a igualdade virtudes ou obrigações da justiça.

Perspectiva liberal de John Rawls

John Rawls foi um dos mais influentes teorizadores do conceito de justiça como equidade (fairness), através de sua obra " Uma Teoria da Justiça", publicada em 1971.

Retomando a teoria do contrato social , Rawls propõe-se a imaginar uma situação hipotética e histórica similar ao estado de natureza (chamada de posição original) na qual determinados indivíduos escolheriam princípios de justiça. Tais indivíduos, concebidos como racionais e razoáveis, estariam ainda submetidos a um "véu de ignorância", ou seja, desconheceriam todas aquelas situações que lhe trariam vantagens ou desvantagens na vida social (classe social e status, educação, concepções de bem, características psicológicas, etc.). Desta forma, na posição original todos compartilham de uma situação equitativa: são considerados livres e iguais.

Ao retomar a figura do contrato social como método, Rawls não tem como objectivo fundamentar a obediência ao Estado (como na tradição do contratualismo clássico de Thomas Hobbes , John Locke e Jean-Jacques Rousseau ). Ligando-se a Emmanuel Kant ( construtivismo kantiano), a ideia do contrato é introduzida como recurso para fundamentar um processo de eleição de princípios de justiça, que são assim descritos por ele:

  • Princípio da Liberdade : cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras;
  • Princípio da Igualdade : as desigualdades sociais e económicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo:
    • consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável ( princípio da diferença);
    • vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos ( princípio da igualdade de oportunidades).

Fiel à tradição liberal, Rawls considera o princípio da liberdade anterior e superior ao princípio da igualdade. Também o princípio da igualdade de oportunidades é superior ao princípio da diferença. Em ambos os casos, existe uma ordem lexical. No entanto, ao unir estas duas concepções sob a ideia da justiça, a sua teoria pode ser designada como " liberalismo igualitário", incorporando tanto as contribuições do liberalismo clássico quanto dos ideais igualitários da esquerda.

Tais princípios exercem o papel de critérios de julgamento sobre a justiça das instituições básicas da sociedade, que regulam a distribuição de direitos, deveres e demais bens sociais. Eles podem ser aplicados (em diferentes estádios) para o julgamento da constituição política, das leis ordinárias e das decisões dos tribunais. Rawls também esclareceu que as duas formas clássicas de capitalismo (de livre mercado ou de bem-estar social), bem como o socialismo estatal seriam "injustos". Apenas um " socialismo liberal" ( com propriedade colectiva dos meios de produção) ou mesmo uma " democracia de proprietários" poderia satisfazer, concretamente, os seus ideais de justiça.

Perspectiva libertária (Hayek e Nozick)

Entre os principais críticos da perspectiva liberal adoptada por Rawls, destacam-se as teorias defendidas pelo americano Robert Nozick e o austríaco Friederich Hayek , defensoras de uma perspectiva ainda mais libertária, baseada na ideia de uma liberdade negativa como o princípio básico das ideias liberais, qual seja, a não interferência do Estado na vida privada (em especial, na esfera do mercado).

Hayek afirma que os desejos dos defensores da igualdade são tão irreconciliáveis com a liberdade quanto são as demandas mais estritamente igualitárias. Para Hayek, uma ordem social ideal ("A Grande Sociedade", como ele denomina) é uma ordem formada por homens livres que tem apenas a lei como regra de conduta. Essas regras têm a função de reger a sociedade no seu todo, além de serem também normas geradoras de ordem económica que, por sua vez, serão direccionadas ao bom desempenho do mercado. A justiça, tal como a sociedade, também é um produto da evolução dessas normas que conduzem à formação de normas de conduta justa, e não uma evolução das concepções sociais de uma comunidade. Essa "justiça social", para Hayek, é uma miragem: não se pode acreditar que seja possível descobrir uma norma universal aplicável que possa resolver se uma situação é ou não justa.

Robert Nozick apresenta também uma tese voltada para a exaltação das liberdades de mercado e da limitação do papel do Estado na área social na forma de um Estado mínimo , opondo-se ao modelo redistributivo de Rawls. A sua visão de justiça parte do princípio de que todos os indivíduos têm direitos invioláveis e que o Estado mínimo deve garantir a sua protecção através funções restritas à protecção dos direitos fundamentais dos indivíduos, como a protecção contra a força, roubo, fraude e incumprimento de contractos.

Perspectiva comunitarista

Outra linha crítica da teoria de Rawls foi desenvolvida nos Estados Unidos no início da década de 1980 por académicos como Charles Taylor , Michael Walzer e Alsadair MacIntyre , possuindo, ainda, como um de seus principais expoentes, Michael J. Sandel , professor da Universidade de Harvard .

Esta visão passa a dar mais expressão a conceitos tais como cidadania e comunidade , numa rejeição da prioridade do direito e do justo sobre o bem. Nas suas obras, Sandel rejeita a corrente utilitarista, por entender que esta trata da justiça como uma questão de cálculo, e não de princípio. Ainda que Sandels reconheça que a visão rawliana supera esta visão, o professor reconhece que a visão liberal de Rawls tenta equivocadamente traduzir os bens humanos numa única e uniforme medida de valor, sem considerar diferenças qualitativas entre esses valores. Para Sandel, não se pode alcançar uma sociedade justa simplesmente maximizando a utilidade ou garantindo a liberdade de escolha; dessa forma, procura defender uma ética política voltada a virtudes cívicas de crítica e busca de soluções a dilemas morais.

Justiça como bem-estar

Perspectiva igualitária de Ronald

O jurista Ronald Dworkin também dedicou o seu pensamento a analisar o conceito de justiça e a obra de John Rawls, especialmente nos livros “A Virtude Soberana” e “Justiça para Porcos-Espinhos”.

Duas ideias desempenham um papel vital na teoria desenvolvida por Dworkin: a ideia do " igual cuidado" (equal concern) e a ideia de responsabilidade especial (special responsibility). A primeira significa que a distribuição das riquezas sociais deve reflectir as escolhas das pessoas, de forma que uma distribuição idêntica das riquezas não se traduziria per se em uma distribuição justa. Já a ideia de responsabilidadeimplica que não seriam justificadas as desigualdades materiais que não pudessem ser atribuídas às escolhas das pessoas, assim como não se justificariam aquelas que decorressem de circunstâncias que se encontram fora do controlo das pessoas.

Ao defender uma concepção de igualdade de recursos, Dworkin parte do pressuposto de que as pessoas são responsáveis pelas escolhas que fazem em suas vidas, mas essa premissa não é suficiente para prover a sua concepção de fundamentos sólidos. Por isso, Dworkin pressupõe também que os atributos naturais de inteligência e talento são moralmente arbitrários e, por isso, não devem surtir efeitos sobre a distribuição dos recursos na sociedade.

Uma vez que a igualdade se traduz nos recursos que as pessoas dispõem para realizar as suas escolhas, e não no bem-estar que elas possivelmente poderiam alcançar com esses recursos, os governos devem prover uma igualdade material para todos, tendo a obrigação política de tratar a vida de cada pessoa como tendo uma importância igual. Esta ideia, é denominada por Dworkin por " justiça distributiva".

Perspectiva económica de Richard Posner

No seu livro The Economics of Justice, Richard Posner utiliza o conceito de maximização da riqueza como uma base normativa para o conceito de justiça.

Para Posner, a riqueza seria maximizada no momento em que os bens materiais e outras fontes de satisfação são distribuídas de modo que o seu valor agregado é maximizado. Como caminhos para essa maximização, Posner aponta três categorias de direitos fundamentais que podem servir como facilitadores: segurança pessoal, liberdade pessoal e propriedade privada.

O papel do Estado nesta perspectiva seria não só de distribuir riqueza, mas também criá-la, através da criação de instituições e bens que possam prover benefícios à população. A concepção de justiça que decorre desta abordagem consiste em tomar a maximização da riqueza da sociedade como critério para avaliar a justiça de actos e instituições. Este critério permitiria conciliar, para Posner, as abordagens de utilidade, liberdade e equidade.

Perspectiva capacitária de Amartya Sen

Aluno de John Rawls, Amartya Sen desenvolveu uma extensa crítica e revisão das ideias básicas de Rawls. Para Sen, a justiça não deve ser avaliada em termos binários (existe justiça ou não); Sen não apoia um ideal abstracto plenamente estabelecido de justiça para avaliar a adequação de diferentes instituições – motivo pelo qual Sen busca formular sua teoria tendo a desigualdade e a diversidade como alguns de seus principais pontos de partida.

Na sua teoria, Sen argumenta que a uma igualdade sempre corresponderá uma desigualdade, e essa analogia não pode ser estendida à relação entre igualdade e liberdade. Partindo do estudo do fenómeno da desigualdade, Sen sugere uma perspectiva de análise baseada na "capacidade", cuja abordagem se distinguiria das perspectivas tradicionais de avaliação individual e social, as quais comumente se baseiam em variáveis tais quais " bens primários" (como no caso de Rawls), " recursos" (como no caso de Dworkin) ou " rendimento efectivo" (caso da maioria das análises de cariz económico).

De acordo com Sen, todas essas variáveis tradicionais consistem apenas em instrumentos para a realização do bem-estar e meios para a liberdade.

a capacidade, ao contrário, implica a liberdade para encontrar funcionamentos (parte dos elementos constitutivos do bem-estar e do estado de uma pessoa), além de desempenhar um papel directo no próprio bem-estar. Além disso, a capacidade concentra-se directamente sobre a liberdade, e não sobre os meios para realizá-la: ela é, assim, um "reflexo da liberdade substantiva".

Neste sentido, a capacidade de uma determinada pessoa representa a sua liberdade de realizar bem-estar .

Símbolos da Justiça

Na estátua da justiça, em Berna , onde são visíveis os aspectos que a devem caracterizar: cegueira, pois deve ser isenta e imparcial; balança, pois deve ter discernimento para avaliar as provas apresentadas; espada, para exercer o poder de decisão.

Os símbolos da justiça são imagens alegóricas que são utilizadas e difundidas como a representação da justiça ou da sua manifestação.

São símbolos usuais da justiça: a espada , a balança e a deusa de olhos vendados.

  • Espada - simboliza a força, coragem, ordem, regra e aquilo que a razão dita e a coerção para alcançar tais determinações;
  • Balança - simboliza a equidade, o equilíbrio, a ponderação, a igualdade das decisões aplicadas pela lei;
  • Deusa de olhos vendados - usualmente uma imagem da deusa romana Iustitia , que corresponde à grega Dice , significa o desejo de nivelar o tratamento jurídico de todos por igual, sem nenhuma distinção. Tem o propósito da imparcialidade e da objectividade. É a afirmação de que todos são iguais perante à lei. Portanto, uma vez que seus olhos estão vendados, elucidam o disposto claro e evidentemente. Há que dizer que a imagem original não comportava tal venda, no entanto, com a evolução da humanidade, por obra dos alemães, esta modificou-se até aos dias de hoje.
  • Deusa de olhos abertos e sem venda - pode ser interpretada como a necessidade de não deixar que nenhum pormenor relevante para a aplicação da lei seja desconsiderado e avaliar o julgamento sobre todas as perspectivas.

O direito sem a balança para pesá-lo é força bruta e irracional .

O direito sem a espada para obrigar sua aplicação é fraco .

Da mesma forma que a ausência da venda nos olhos lhe retira a imparcialidade .

Cada uma deve completar a outra para que a justiça seja a mais justa possível.

Concluo este texto solicitando-lhes que confrontem a teoria com a prática e verificarão que algumas práticas de justiça são de facto uma tremenda injustiça ou falta dela.

Lisboa, 05 de dezembro de 2014

Henrique Pratas

 

 

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