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MEMÓRIAS (3)

12-12-2014 - Henrique Pratas

Nestas andanças de Lisboa para o Arripiado enquanto criança fui passando a minha meninice tentando absorver o que me melhor as pessoas tinham para me dar que eram os seu saberes, a suas experiências e as suas histórias.

Em lisboa brincava na rua com os meus amigos como a tecnologia não era desenvolvida na altura e em meu entender bem, éramos nós que pensávamos e imaginávamos a forma de brincar, joguei ao botão, à carica, à pedrada que também fazia parte da brincadeira que era ver quem é que acertava com maior rapidez em algumas lâmpadas que não gostávamos que estivessem a funcionar, jogávamos também à bola, mas aí independentemente de estarmos em lugares públicos que não estorvassem as pessoas que passavam tínhamos de estar com o olho sempre na policia porque nem isso nos deixavam fazer, normalmente éramos 10 e isto naquela altura já era uma multidão.

Mais próximo da idade escolar, com 5 anos recordo-me de os meus pais terem metido que o menino tinha que ir ao Entroncamento tirar fotografias. Lá me vestiram uns calções uma camisa, um laço que era o que usava à época, acompanhado do respectivo casaco, recordo-me bem deste episódio, como não queria ir, sempre fui de vontades muito próprias e firmes, mas fui contrariado, enquanto caminhava direito ao rio Tejo, ia enchendo a mão de pedras, com os sorrisos dos anciãos que boa memória guardo do senhor Sebastião, barbeiro na altura, mais tarde quando ele já tinha mais de 80 anos e eu era possuidor de uma barba susceptível de ser cortada lá ia eu só para ouvir as suas histórias gostosas, deliciosas, atrevidas, mas cheias de conteúdo, mas lá chegaremos, para passar o barco para o outro lado eu que era ágil que nem um lince não era capaz de entrar no barco e o barqueiro que me conhecia e que via a minha mãe com vergonha por eu não entrar no barco, lá me deu a volta dizendo-me que nunca mais me deixava ir par o rio nadar ao pé do barco dele. Encurtando razões fui até ao Entroncamento, onde na altura existia um fotógrafo conceituado para que os meninos ficassem bem na fotografia, à pedrada a tudo quanto via excluindo pessoas animais e tudo o que fosse susceptível de não criar danos de maior. A minha mãe quis esperar pelo comboio, eu preferi na altura ir a pé, pois assim tinha mais tempo para estar à solta e fazer o que queria nunca gostei de estar “preso”, mal sabia eu que anos mais tarde que quando começasse a trabalhar só irei ter direito à reforma aos 66 anos e 2 meses, altura em que volto a ser livre, se lá chegar.

Chegado ao fotógrafo ia de tal maneira contrariado e a birra foi tamanha que consegui o que queria tirar as fotografias sem largar as pedras, essa fotografia está lá em casa.

Voltando de novo ao Arripiado, assim que me vi livre daquela farpela, vestido como gostava de andar corri para junto dos anciãos que se juntavam nas tabernas, para ouvir as suas histórias e foi com essa gente, humilde muitos deles analfabetos, cavadores, sim que naquela altura não havia tractores e a terra era cavada a cabo de enxada às vezes enormidades de terreno arável, os donos da terra na altura para que os homens cavem mais rapidamente e chegassem o mais depressa possível colocava um ou vários garrafões de vinho para que aqueles que lá chegassem primeiro, se pudessem saciar e beber o vinho com prazer mas simultaneamente para se refrescarem. Voltando às conversas que ouvia nas tabernas e portas das mesmas, fui construindo a minha personalidade, porque naquela altura as terras não eram separadas, mas ai de alguém que tocasse, naquilo que não era seu. A água apesar de não ser um bem escasso, existiam dias para que cada um pudesse utilizar a água para regar e sem desperdícios, os dias estavam marcados para cada um dos utilizadores que eram respeitados escrupulosamente e ai de quem não respeitasse o que estava previamente combinado, as coisas eram resolvidas na altura, para mim da melhor maneira umas vezes com o cabo da enxada nas costas ou na cabeça do prevaricador, quando não era à sacholada.

Mas estes são episódios menos agradáveis, mas de qualquer das formas saudáveis de resolver desaguisados, mas não havia tanta injustiça, nem faltas de respeito, mas havia solidariedade e partilha.

Voltando às conversas que os Homens tinham e aceitavam que o miúdo assistisse, onde falavam da sua vida, planeavam o trabalho do dia seguinte quando havia, porque quando não existia as conversas eram de descontentamento de maledicência ao seu destino e falavam o que lhes ia pela cabeça, foi com eles que aprendi a estar, a não importunar, a saber ouvir, a interpretar, a entender e a partilha aquilo que havia mesmo que fosse escasso, foi muito melhor do que ler nos livros, o que está escrito está escrito com filtros ao vivo e acores as coisas entendem-se de uma forma melhor no meu entendimento porque se sentem e o tom de voz que é colocado em cada palavra ou frase tem a sua importância.

Com esta gente aprendi tudo o que eles tinham para me ensinar, aprendi a cavar, a sachar, a podar, a regar e a distinguir as diferentes árvores de fruto e as outras pelo tipo de folhas, pelo aroma, pelo seu porte e até pela sua localização consoante o tipo de solo, aprendi as distinguir as ervas daninhas daquelas que podiam ser comidas como pasto para o gado, não me esqueço também daquelas que depois de secas serviam para acender o lume no Inverno, que eram aromáticas, mas de difícil colha. Não queria terminar por agora sem vos falar nos designados figos da índia, que cresciam nos cactos mas que são um excelente pitéu, hoje à venda em algumas lojas gourmet, mas que aprendi a gostar naquela altura, a primeira vez que tentei apanhá-los sozinho fiquei com as minhas mãos cheias de bicos, fui abelhudo mas gostava de fazer o que os adultos faziam com sabedoria e eu artolas tinha a mania e quando experimentei aconteceu-me o que vos descrevi, mas serviu-me de lição daí para a frente passei a ver melhor como é que os adultos o faziam e na próxima vez que tentei já não me piquei.

O que eu aprendi com aquela gente do Arripiado e de Lisboa, sempre disponível para contar as suas peripécias, devo-lhes muito do que sou e mais vos contarei no próximo texto.

Henrique Pratas

Lisboa, 10 de dezembro de 2014

 

 

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