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MEMÓRIAS (2)

28-11-2014 - Henrique Pratas

Retomando o texto da semana passada, é curioso que do lado do meu avô paterno que já vos contei que andou na I Grande Guerra Mundial, também nunca obtive nada que ele não quisesse contar só um dia mais tarde quando tinha 15 anos e lhe disse que estava a pensar seguir a carreira militar, indo para a Academia Militar me disse que não o fizesse, pois a tropa como ele dizia, apesar de ter servido o Exército Português, mais propriamente o Corpo Expedicionário Português, como oficial, me disse rapidamente para não o fazer pois iria dar-lhe um grande desgosto, dado que a tropa lhe tinha dado cabo da vida, motivos não mos explicou, mas devem ter sido fortes. As suspeitas que tenho é ao tempo o meu avô era muito rico, mas nunca foi muito de ligar ao dinheiro, em 1917, já possuía uma camioneta de transporte de mercadoria, nomeadamente de madeiras para o Exército Português situado no Entroncamento, fartou-se de mandar troncos de madeira para lá, porque na altura a matéria-prima mais usada era a madeira e o meu avô era o principal abastecedor do referido aquartelamento e de todos os que se iam construindo à sua volta, Tancos e outros, para além disso era possuidor de um lagar com vários hectares, era o dono das várias mercearias de produtos alimentares e materiais de construção. Como referi ele não ligava muito ao dinheiro e uma das coisas que descobri foi que na altura em que os produtos eram raros e escassos e as famílias pobres enviavam os filhos à mercearia para trazerem os produtos que necessitavam a maior parte deles alimentares e pediam para por os valores a pagar no livro de acentos, que depois iam lá pagar, ora perante isto o meu avô, nunca foi capaz de dizer que não eram crianças precisavam de comer e os pais que já o conheciam enviavam os filhos porque sabiam que o meu avô não lhes diria que não e sei isto porque quando morreu fui ver os chamado livro de acentos e se fosse recuperar o dinheiro que lá estava ficava rico, mas nem pensei muito nisso está feito, continuar em frente.

Foi com ele que aprendi a andar a cavalo e bem, ensinou-me a arte de bem cavalgar, como era atrevido um dos dias em que pensava que ele não estava em casa, porque perguntei à minha avó por ele e como ela me tivesse respondido que ele tinha saído vá de ir à cavalariça, colocar os arreios no cavalo, bonito por acaso branco e bem-posto, inteiro, e ir cavalgar pelo mato fora até chegar ao Arripiado não pela estrada que dava muito nas vistas mas junto aos salgueiros plantados junto ao rio Tejo, satisfeito da vida lá ia eu a trote umas vezes a galope outras, mas feliz e contente até que nos salgueiros junto ao campo onde os paraquedistas saltavam, o cavalo borregou e o rapaz aí vai direitinho ao chão, passando por cima do cavalo, aterrei no chão com toda a força mas como era terra não me magoei, o pior foi que o cavalo em vez de ficar lá, fugiu para trás a toda a força. Bem aqui tinha dois problemas o primeiro e mais preocupante para mim é como ia explicar ao meu avô no regresso a casa o desaparecimento do cavalo, em segundo tinha que fazer o caminho de retorno a casa a pé o que era uma chatice, como não havia alternativa vá de por pernas ao caminho e na minha cabeça só passava a ideia do que é que ia dizer ao meu avô.

Quando lá cheguei cansado, afogueado e vermelho que nem um tomate estava o meu avô sentado numa sombra do quintal que a casa tinha e com um sorriso nos lábios perguntou-me aconteceu-te alguma coisa e eu de imediato não avô não aconteceu nada está tudo bem e ele disse-me apenas que às vezes os miúdos gostavam de ser homens e eu não percebi nada do que me disse, entretanto ele levantou-se e saiu de casa, fui de imediato à cavalariça e já lá estava o cavalo, percebi de imediato a conversa do meu avô, às vezes mais vale poucas palavras ou gestos que grandes sermões, era como na altura já era responsável, porque foi assim que me educaram, vá de tratar do cavalo, escovar-lhe o pelo, dar-lhe água, comida tirar-lhe os arreios limpá-los convenientemente, deixando-os em condições de serem utilizados novamente e vá de colocar o cavalo no estábulo, deixei tudo arrumadinho, tal e qual como estava, quando lá fui tirar o cavalo, como sempre houve grande cumplicidade entre os meus avós e pais, quando cheguei ao pé da minha avó ele perguntou-me se queria comer qualquer coisa, ao que eu respondi que sim, pois estava esfomeado e recebi mais um sorriso da minha avó e eu percebi logo, já sabes o que se passou. Ninguém me disse nada diretamente mas eu apercebi-me que todos sabiam da aventura mas entenderam que tinha sido uma lição para mim e a melhor forma de o manifestarem foi com um sorriso. Entretanto quando estava a lanchar o meu avô veio e sentou-se ao pé de mim e eu pensei lá vem bronca, enganei-me, vieram elogios disfarçados dizendo-me que a cavalariça estava limpa como nunca e que o cavalo estava muito bem tratado, engoli em seco, não levei ralhete nenhum.

Eu tenho que vos confessar uma coisa eu sempre fui um bocado ruim para o meu avô porque como ele andou na Guerra tinha vindo gazeado e posteriormente amputaram-lhe uma perna motivado por estilhaços que tinha nela e que infetaram, não havendo nada a fazer senão amputá-lo, aquela situação para mim não foi agradável e ele que gostava tanto de mim, mas eu fugia dele a sete pés porque não gostava de o ver assim e eu sei que ele ficava triste mas nunca fui capaz de encarar esta realidade, o que uma Guerra pode fazer às pessoas, não entendia só muito mais tarde compreendi mas nunca o aceitei, porque o Estado nunca o ajudou em nada e ele como era orgulhoso nunca reivindicou nada, rigorosamente nada.

Continua……………

Lisboa, 18 de novembro de 2014

Henrique Pratas

 

 

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