POÇOILOS - UM CASO DE REITERADA E IMPUNE POLUIÇÃO
25-07-2025 - Mauro Branco Cupido
Vivemos tempos em que o ambientalismo e a ecologia deixaram de ser apenas bandeiras de activistas “verdes” e passou a ser uma exigência moral, económica e política.
As descargas ilegais em Poçoilos, Concelho de Setúbal, protagonizadas pela empresa Composet, é um exemplo paradigmático de como o Estado falha quando escolhe a passividade em vez da acção responsável e rigorosa, ou seja, de como o interesse público pode ser sequestrado pela permissividade institucional, não raras vezes fruto de promiscuidade entre política e negócios privados. A situação é ainda mais grave quando percebemos que esta mesma empresa, na realidade, tem ligações directas com a antiga Componatura, “expulsa” de Torres Novas, mas, por si ou por interposta entidade, reincide num padrão de comportamento que ofende a saúde pública, destrói os ecossistemas e mina a confiança nas instituições às quais compete a “vigilância” e a penalização das irregularidades.
Face ao que antecede, apenas se poderá dizer que quando uma empresa é reincidente e não é penalizada, temos um sistema político-administrativo cúmplice!
A história não é nova, apenas se repete com outro nome e noutro Concelho. A antiga Componatura foi obrigada, há mais de uma década, a suspender a sua atividade em Torres Novas por práticas ambientalmente danosas -maus cheiros e resíduos mal armazenados-, tendo sido penalizada com algumas coimas. Hoje, sob o nome Composet, está instalada na zona rural de Poçoilos, em Setúbal, onde volta a estar sob suspeita, agora por descargas ilegais de efluentes, funcionamento sem licenciamento e possível contaminação de solos e aquíferos.
Afinal, onde está o Estado? Onde estão as entidades fiscalizadoras que deveriam proteger os cidadãos e o território? Estão, como tantas vezes, divididas entre a lentidão burocrática e o silêncio estratégico-cúmplice? A APA – Agência Portuguesa para o Ambient, recolheu amostras em Fevereiro e Março de 2025. A IGAMAOT (IGAMAOT) e a CCDR-LVT ( Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) visitaram o local a 31 de Maio de 2025. O Ministério Público foi informado em 17 e 25 de Junho 2025 . Mas os resultados continuam por divulgar. E a empresa continua activa, ou seja, esta omissão não é neutra: é um ato de violência ambiental e ecológica, bem como uma “traição” dos poderes públicos às populações. Um Estado que permite a contaminação deliberada do ambiente por conivência com interesses privados, abandona a sua missão constitucional.
A ecologia humanista tem como visão proteger as pessoas, não apenas os “peixes”…
Como cidadão democrata liberal, humanista e defensor do Estado de Direito, recuso a ideia de que o ambiente seja um fim em si mesmo. A defesa da natureza é, sobretudo, a defesa da vida humana digna: o direito à água limpa, ao solo fértil, ao ar respirável. É proteger o agricultor da africana Gâmbia, é defender a criança que vive a menos de 500 metros da ETAR (em Portugal e noutros países ditos desenvolvidos), é garantir que o futuro do País não será feito sobre terras contaminadas por inércia.
Este caso é ainda mais revoltante porque põe em causa os princípios republicanos de igualdade e legalidade democrática. Se um cidadão constrói um anexo sem licença, é “multado”. Se uma empresa verte efluentes em terrenos agrícolas sem licenciamento, continua a operar e nada lhe sucede. A lei parece ser elástica quando se trata de poluidores com influência, mas a resposta tem de ser clara: fechar, investigar e responsabilizar.
Não é aceitável que em pleno 2025 se continue a permitir o funcionamento de empresas com este grave historial e sem licenciamento. As autoridades não podem apenas “avaliar” ou “monitorizar”. A resposta deve ser rápida e eficaz: suspensão cautelar da atividade e investigação criminal séria!
Não se trata de “punição exemplar”, mas de restaurar a confiança no contrato social. Uma herança em que o Estado que se recusa a defender os seus recursos naturais logo perde autoridade para exigir sacrifícios aos seus cidadãos.
Como apelo final dirijo aos autarcas de Setúbal que têm sido coerentes na sua denúncia pública de situações iguais ou semelhantes a esta que estou solidário com eles, mas também a exigência de que levem este caso até às últimas consequências. À sociedade civil, deixo o apelo à mobilização não violenta, mas firme. Às autoridades centrais, uma última palavra: cumpram a vossa função.
Como humanista, acredito que o progresso económico deve servir a vida e não destruí-la. Como liberal, recuso o compadrio entre o Estado e negócios opacos. Como republicano, exijo justiça igual para todos. E como ambientalista, recuso ver a natureza tratada como esgoto.
Poçoilos é mais do que um caso ambiental, é um teste à moral e legalidade de um País que no artigo 2º da sua Constituição da República se define como um Estado de Direito Democrático, e no seu artigo 66º defensor do ambiente.
Mauro Branco Cupido
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