MUDANÇA DE PARADIGMA POLÍTICO
06-06-2025 - Francisco Garcia dos Santos
À data de “25/Abr/74” tinha cerca de 10 anos e meio, mas jamais esquecerei esse dia e os 2 ou 3 que se lhe seguiram até ser minimamente definido e estabelecido o novo poder político, no caso militar, como é sabido, e brevemente liderado pelo nomeado pela Junta de Salvação Nacional General António de Spínola como Presidente da República (P.R.), nomeação por este do muito prestigiado e “anti-salazarista” verdadeiramente democrata pluralista Prof. Doutor de Direito e brilhante Advogado Adelino da Palma Carlos como Primeiro-Ministro.
Contudo, logo de início a ala comunista e ultra-esquerdista das Forças Armadas, ou melhor, do Movimento das Forças Armadas (MFA), começou a “minar” a autoridade de Spínola e o próprio governo de Palma Carlos, o que levou à demissão deste no início do verão de 1974 e à do primeiro em 29 de Setembro do mesmo ano, sendo que entretanto o Coronel Vasco Gonçalves, inegavelmente conotado na teoria e na prática com o PCP, foi nomeado Primeiro-Ministro após a demissão do insigne Professor de Direito.
Após a demissão de Spínola como P. R. e substituído pelo General Costa Gomes, também esquerdista e com alegadas simpatias pelo PCP, este partido, como soi dizer-se, “tomou o freio nos dentes”, e dominou a governação liderada por Vasco Gonçalves, acompanhado por outras forças políticas de extrema-esquerda, como a União Democrática Popular (UDP), onde preponderavam o civil Acácio Barreiros e o militar Major Mário Tomé “verdadeiro” comandante do Regimento de Lanceiros Nº 2 Polícia Militar, e Liga Comunista Internacionalista (LCI), depois redenominada Partido Socialista Revolucionário (PSR) de Francisco Louçã, até à neutralização militar chefiada estrategicamente pelo então Tenente-Coronel António Ramalho Eanes e no teatro de operações terrestres em Lisboa pelo icónico então Coronel Jaime Neves, comandante do Regimento de Comandos da Amadora, da sublevação político-militar de Paraquedistas (então integrados na Força Aérea) e de algumas unidades do Exército, como o Regimento de Artilharia de Lisboa, Escola Prática de Administração Militar e Regimento de Lanceiros Nº 2, todos em Lisboa, bem como o Regimento de Infantaria de Setúbal, embora a deste sem significado, pois foi de imediato “abafada” pela intervenção de parte do esquadrão de carros de combate do Regimento de Cavalaria Nº 3, de Estremoz, fiel a Eanes, ocorrido a 25 de Novembro de 1975.
Esta data, de forma simbólica, marca o fim da hegemónica influência do PCP e da extrema-esquerda (UDP e LCI-PSR, que mais tarde se juntaram para formar o Bloco de Esquerda) na cena política portuguesa, mas não da importância sócio-política do primeiro até há cerca de 10 ou 15 anos atrás e da “explosão” do Bloco de Esquerda (BE) como coligação no final da década de 1990 e depois transformado em partido.
Poder-se-ia dizer que o definhamento do PCP começou com a concorrência do BE em termos de partidos de protesto contra os tradicionais do “arco do poder/governação” PS e PSD. Porém, o PCP e o BE, ambos para seu mal, no caso do primeiro não evoluiu acompanhando o “progresso dos tempos”, mantendo-se enquistado e monolítico no seu irredutível marxismo-leninismo-estalinismo, e o segundo aburguesou-se por completo, perdendo toda a credibilidade, sobretudo, no seio das gerações mais jovens. Mas vale a pena revisitar o caso do PCP, o qual, não evoluindo, foi naturalmente perdendo militantes, simpatizantes e eleitores, pois com o envelhecimento e morte destes, que na sua esmagadora maioria datavam do pré “25/Abr/74”, não conseguindo renovar-se, chegou ao ponto da irrelevância política. E o mesmo, também em termos de irrelevância política, se passou com o BE.
Quem conhecer a história da Europa em termos sócio-políticos saberá que as “modas” nascidas na Alemanha, França, Itália, Reino Unido/Inglaterra, entre outros, chegaram sempre tardiamente a Portugal.
No caso em apreço, que é o fenómeno “Chega/André Ventura”, assiste-se à substituição de movimentos sociais e partidos de protesto de esquerda e extrema-esquerda por outros da direita conservadora e radical que só há “meia dúzia” de anos se tornaram uma realidade no nosso País, quando primeiro em França, depois na Itália, a seguir Áustria, Hungria, Polónia, Países Baixos/Holanda, República Checa/Chéquia, esses movimentos e partidos em cada um destes países atingiram o patamar do “poder”, ou mesmo o próprio Governo. O caso da Grâ-Bretanha é diferente, mas não se pode esquecer que o Brexict foi uma reacção, no mínimo “patriótica” dos britânicos, sobretudo ingleses, contra a “prepotência” burocrática não democraticamente eleita de Bruxelas -leia-se da União Europeia.
Enfim, quando “velhos” partidos há muitas dezenas de anos instalados no “poder” de forma cúmplice e rotativa, que muito prometem mas nada cumprem, se vão rendendo ao novo capitalismo selvagem cibernético globalista à semelhança do da “revolução industrial” do Séc. XIX, tão bem retratado no famoso romance “Os Miseráveis” do francês Victor Hugo (1802-1885), abdicam dos valores fundamentais da civilização euro-ocidental e se orientam pelo absoluto relativismo do “politicamente correcto”, e os tais partidos de esquerda outrora de protesto se acomodam ou acompanham os tradicionais do “arco da governação”, o resultado é o surgimento de outros de sinal contrário que ocupam o lugar daqueles. Foi assim primeiro em França com o Front National de Jean-Marie Le Pen na década de 1970, hoje Rassemblement National da sua filha Marine Le Pen, e por fim, para não fastidioso, na Itália com o Fratelli d´Italia da Primeira-Ministra Giorgia Meloni.
Há quem defenda que a História é cíclica, outros que é linear, mas o que parece ser é um misto dessas duas correntes, ou seja, semi-elíptica, qual “saca-rolhas” que não obstante rodar sobre si próprio vai progredindo. E em termos históricos, não há dúvida de que em cada circunstância e/ou período temporal, com as devidas adaptações, causas semelhantes provocam outros tantos efeitos. É o que se tem vindo a passar na política europeia e agora em Portugal com o redesenhar do nosso “mapa” sócio-político-partidário, e quem não vir ou não quiser ver esta realidade não entenderá o que se está a passar, ou estará em “processo de negação”, o que significa conhecer uma factualidade mas recusar-se a reconhecer perante si mesmo que ela existe.
Francisco Garcia dos Santos
Voltar |