O Culto do Positivismo
24-05-2024 - Ivo Pereira
As redes sociais, fazem hoje em dia parte integrante do nosso dia-a-dia. O objectivo aparente é o que o nome em si indica. Uma rede, que face ao ritmo de vida e distanciamento físico/geográfico, permite a manutenção e até estabelecimento de relações sociais, que de outro modo poderiam ser quase impossíveis.
É inegável o efeito positivo que podem ter. Recorre-se a "memes", a "emojis", a vídeos de comum interesse para se manter uma relação, seja de um para um ou até em grupo.
E depois, há um outro conceito. O de "seguir". Seguir nas redes sociais, é consultar informação ou receber actualizações de publicações sobre alguém. Acede-se à compartilha de informação, como vídeos, textos opinativos ou motivacionais, fotos, preferências, interesses... Podemos seguir amigos, conhecidos mas muitas das pessoas que se segue, não são pessoas próximas. São figuras que de uma forma ou outra trazem algo de positivo. Manifestam alegria, felicidade, cor, tudo de positivo. Mas será realmente assim?
Não é raro em consulta ouvir clientes a falar de alguém que por um motivo ou outro, seguem nas redes sociais. E seguem porque vêm pessoas felizes a fazer coisas felizes. Já chega de ver desgraças noutros meios de comunicação.
Mas quando em consulta falam das redes sociais, fazem-no em contexto de comparação. Seja pelo corpo, pelo emprego, pela casa, pelo local de férias, pela família....
Por vezes, entra em cena, um comportamento de modelagem, baseado na imagem que o outro transparece nas redes sociais e passam a colocar conteúdos similares, imitando poses, locais de beleza natural, etc.
E o que acontece quando não obtêm a resposta desejada?
Coloca-se a toda a hora fotos da refeição que iremos apreciar em seguida; escreve-se uma qualquer frase motivacional e inspirada(ora) que serve de base a uma foto de uma nuvem ou de um pôr do sol; selfies no centro comercial, no parque, no transporte público... Só uns poucos fazem "Like" na publicação. Quase ninguém comenta. Ninguém partilha. E o valor da pessoa que publicou, é por si mesma medido nesta quantificação. E assistimos então ao crescendo de sentimentos de auto-depreciação. Porque… aquelas pessoas que segue nas redes sociais, têm empregos nos quais são felizes; passam a vida a viajar a sítios onde sente que muito dificilmente poderá ir; possuem uma família perfeita repleta de amor e cumplicidade com filhos carinhosos, obedientes e prontamente responsáveis e birras nem vê-las! E ainda as roupas e os corpos.... roupas novas em cada "post", sem um vinco e corpos definidos e sem marcas...
Precisamos entender que esse não é o mundo real. No mundo real, a refeição existe e satisfaz mesmo quando não se partilha uma foto dela com o mundo. Qualquer trabalho, por muito que se goste do que faz, tem os seus momentos menos bons e às vezes até verdadeiramente maus. Existe pó espalhado pelas casas e cabelos no chão. As crianças fazem birras, rejeitam alguns alimentos e tarefas. Vestimos frequentemente as mesmas roupas que por vezes têm borbotos, buracos ou as cores já desbotaram. As férias nem sempre são aquilo que se deseja e os corpos... Os corpos têm pêlos, têm estrias, têm massa gorda, varizes e derrames e marcas do sol. Os corpos possuem curvas naturais que ao vivo e a cores não têm como ser camuflados como acontece nas aplicações de fotografia.
No mundo real não se aplicam filtros. O mundo real é esse, no qual as imperfeições existem, fazem parte, configuram a nossa individualidade e nos permite adaptar e criar tolerância. E está tudo bem.
Pela sua saúde mental.
Ivo Pereira
Psicólogo Clínico
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