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SANEAR É PRECISO

24-05-2024 - Francisco Pereira

Portugal é um país do faz de conta, um cada vez mais infeliz reino da fantasia, onde uma pequena elite de cretinos lidera e oprime uma cada vez maior horda de imbecis, meros escravos, que se afadigam a encher as algibeiras dessas elites podres, todo este circo, pontuado com cuidadas encenações, aqui vou socorrer-me de algo que Salgueiro Maia escreveu, “Uma das coisas que mais me impressionaram negativamente na Academia Militar foi a constante preocupação com a pompa e circunstância e, em compensação a quase nula com a formação humanística.”

Lendo o que escreveu com atenção e olhando em nosso redor, não é difícil concordar com Maia, a sua observação, feita há mais de 50 anos, continua muito actual em relação a muitas das instituições nacionais, desconheço se em relação à instituição que refere as coisas se mantenham desse modo, mas no geral Portugal continua a ser uma espécie de grande estúdio de cinema a céu aberto onde se encenam as mais elaboradas farsas, Portugal é como já disse um reino do faz de conta, vejam-se os inícios dos anos judiciais, as cerimónias parlamentares mais as cerimónias protocolares disto e daqueloutro, olhe-se a pompa, a circunspecção, as comendas mais as medalhas a brilhar, as fatiotas mais os barretes ridículos quase que patéticos, piores só os discursos que lembram as actuações dos actores canastrões daqueles filmes de classe B que passavam nas matinés do antigamente.

Somos um país cenário, pior, nestes últimos 30 anos, Portugal parece um jogador de monopólio, daqueles muito azarados, que sempre que chega a meio do tabuleiro é mandado de volta à casa da partida. Tal como esse jogador, não conseguimos nunca completar um caminho, a nossa caminhada nunca chega ao fim, somos sempre interrompidos. Como escreveu Rousseau a propósito do nobre acto de caminhar “...precisa que todos o detestem convictamente. É bem sucedido. Organiza a vida de modo a já não precisar de correr nem rastejar, apenas caminhar.”

Mas é precisamente esse simples e descomprometido acto de caminhar, que parece completamente fora do nosso alcance. Cada vez que temos eleições, lá aparecem os “saneamentos”, a dança das cadeiras, os lugares prometidos aos amigos e lá voltamos à casa da partida. Lá volta tudo à famosa “estaca zero”, lá mudamos os gabinetes, mais as mobílias e até as sanitas, somos incapazes de um simples caminhar unificador de atar uma ponta à outra seguindo um caminho que nos leve mais longe, e nestes preparos idiotas esgotamos os cabedais ao erário público, esbanjados em mesquinhices patetas, ainda há pouco me diverti a olhar para a televisão ouvindo as declarações hilariantes de vários patetas a regozijarem-se com a libertação de mais uma panelada de Euros vindos da Europa aqui para a pança glutona deste reino da pedincha, acaso um dia estabeleçam o grupo europeu dos pedinchões, estaremos seguramente entre os primeiros, tal é a voracidade de um país que anda há 300 anos de mão estendida.

E como se tudo isso não fosse castigo suficiente, ainda saneamos, e, caros leitores não há nada pior, profissionalmente falando, do que sermos saneados, afastados, colocados de lado, vítimas de assédio moral no trabalho, sei muito bem do que falo, ver os sabujos singrar enquanto nós estagnamos, é assim que procedem os governos de todas as cores desta choldra, a cada mudança de cadeiras, afastam-se os “indesejáveis”, sejam ou não competentes, sejam as medidas e políticas por estes seguidas boas ou não, na ânsia ideológica de dar “poleiro” aos amigos, demite-se e pronto.

É a esta esquizofrénica mania que toma conta dos politiqueiros que acedem ao Poder, que podemos atribuir muita da ineptidão deste sistema podre e viciado de gestão da coisa pública. Esta perversão aberrante faz com que o país a seguir a cada acto eleitoral, dê dois passos atrás, facto que em muito ajuda a explicar, que apesar de andarmos à décadas a receber milhões e milhões para uma esperada “convergência” com a média da Europa rica, estejamos ao invés cada vez mais próximos da Europa medíocre e falcata, sendo que alguns daqueles países que entraram, depois de Portugal no seio da Comunidade Europeia, carregando ainda por cima pesadas heranças “soviéticas”, já por nós passaram qual foguete por um caracol coxo.

Resta então, à laia de epilogo dizer, que nada disto a que recentemente assistimos por parte do actual Governo é novidade, o saneamento na Santa Casa, na Saúde, na PSP, a existir alguma novidade, essa prende-se apenas com a falta de vergonha e celeridade com que o fizeram, provando que este Governo é tão ou mais bandalho que todos os outros Governos anteriores no que concerne a esta triste questão do “sanear” pessoas, daí termos assistido a essa miséria legal em várias instituições, o pior é que tudo isso se faz a coberto da “legalidade”, os governos têm toda a competência legal para essas mudanças, facto que muito bem nos revela quão podre isto tudo está, quão imoral é a “legalidade”, bem querendo dizer que afinal nem tudo o que é legal é moral, bem antes pelo contrário, muita imoralidade se pratica a coberto da “legalidade”.

Francisco Pereira

 

 

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