Relação das viagens em busca das “reparações”
10-05-2024 - Francisco Pereira
Conforme às instruções de sua majestade Dom Martelo I, Rei daqui e de lá mais das Berlengas e Farilhões, nesta ano da Graça Nosso Senhor de 2024, seguimos, numa barca flamenga, instada a aportar às escuras e frias terras da pérfida Albion, íamos em busca das mui devidas reparações, que os malvados “bifes” nos devem, por tanto mal que nos houveram feito, assim munidos de real carta de embaixada, seguimos com confiança para a já marcada real audiência com o monarca dos ingleses Carolino III, para podermos fazer a apresentação do justo pleito e mui nobre causa dos portugueses.
Recebeu-nos o rei dos ingleses num soberbo palácio, instando-nos a dizer ao que vínhamos, instalou-se sua majestade num grande cadeirão de veludo verde, cruzando as mãos, reclinando-se predisposto então a ouvir-nos enquanto invocávamos a “velha aliança” ao abrigo da qual pedíamos reparações pecuniárias pelos ataques de Sir Drake no século XVI ao território nacional, pelo roubo de várias naus da Índia e do Brasil, estávamos a desfiar o rol das ofensas, quando o rei Carolino III nos fez para declarando.
- Mui estimado embaixador, old boy, ide ver se eu estou lá fora!
- Mas majestade, escutai-nos…
- Já vos ouvimos tempo suficiente, guardas, mostrem o caminho do canal a estes maltrapilhos pedinchões – e sem mais delongas, os guardas deram-nos com as suas reais botifarras no traseiro e num esfregar de olhos estávamos enfiados numa embarcação velha, magoados e maltratados a caminho de França.
Mal tocámos o porto de Calais, seguiu uma mensagem marcando uma audiência com o Imperador dos franceses Macaron I, demorámos uma dezena de horas a chegar por malfadas estradas sem portagem calculem, são doidos estes franceses, assim chegámos à luminosa Paris capital dos Francos. Fomos recebidos já noite escura, o monarca dos franceses Macaron I jantava calmamente, enquanto despachava missivas por cavaleiros que seguiam a toda a brida para todas as partes deste grande reino.
- Ao que vindes nobres portugueses, que novidades trazeis do meu excelente primo Dom Martelo!
- Majestade, Dom Martelo incumbiu esta nossa embaixada de trazer a vossa majestade um pleito, exigindo reparações pecuniárias por causa das invasões francesas…
- Sacrebleu… com o quê? Que dizeis vós... – grita Macaron exaltado, cuspindo metade da perna de frango corado, ah como salivávamos, enquanto ergue o sobrolho irado, soltando uma torrente de impropérios, em francês claro está, fazendo com que de várias portas saíssem dezenas de guardas armados que nos pontapearam imediatamente para o olho da rua, enquanto Macaron gritava a plenos pulmões – Oh les imbéciles…
Fugimos a correr, tomámos uma sege e abalámos à francesa para Berlim, esperando que o Kaiser, fosse de melhor têmpera, acolhendo com melhores fígados as nossas justas demandas, assim com essa boa disposição fomos recebidos pelo Kaiser das Alemanhas, animados porque os teutões já tinham feito algo de semelhane com os Hereros da sua antiga colónia da Namíbia, explicámos a sua majestade, que procurávamos reparo, em moeda forte, por causa das invasões antigas, dos Godos, Alanos, Suevos, Ostrogodos e Vândalos que afinal eram povos germânicos, logo, a Alemanha seria herdeira dessa rapaziada, assim o pedido de reparação fazia todo o sentido.
- Was ist – gritou o Kaiser, enquanto o tradutor lhe dava conta das nossas pretensões, os olhos do homem faíscavam olhando para nós, as suas feições mudaram e entre gritos de “schweinhunden” e “Dummkopf”, fomos expulsos por entre uma saraivada de bordoada de criar bicho, viemos por aí aos rebolões escadas abaixo, debandamos em pânico. A nossa esperança era Roma, esses não nos iriam falhar, afinal falávamos línguas irmãs, éramos latinos e assim, com essa boa esperança trotamos numa carroça puxada por duas pilecas quase tão famélicas como nós, encomendando as nossas almas ao Altíssimo para que nos protegesse.
Que magnifica visão, a cidade eterna estendia-se a nossos pés, com as suas colinas prenhes de vestígios do glorioso passado. Procurámos então o palácio dos imperadores, neste caso era uma imperatriz, Melonia I, solicitada a audiência, fomos recebidos no palácio, de novo expusemos a pretensão que o nosso Rei nos tinha comunicado, tratava-se então de obter reparações, por causa da ocupação a que Roma sujeitara o território que hoje é Portugal na Antiguidade, não só isso mas a imposição da cultura romana e da colonização de que foramos objecto naqueles tempos, a Imperatriz escutava-nos com atenção, a sua respiração era calma, o clima descontraído augurava bons sinais.
- Ma tu sei stupido, per caso? - Grita a Imperatriz Melonia I - ma che cazzo vogliono? - e dizendo isto a um seu gesto, uma turba descontrolada apossa-se da nossa pobre embaixada cobrindo-nos de impropérios e de basta porrada, assim novamente fomos largados numa fusta argelina que demandava Argel, calhava bem porque ali faríamos a nossa penúltima demanda junto do sultão de Argel, onde pediríamos reparações pela colonização e escravização que o território e populações daquilo que é hoje Portugal sofreram às mãos dos muçulmanos do norte de África, escusado será dizer que fomos novamente escorraçados, agredidos com chibatas e só escapámos porque éramos uma embaixada, puseram-nos numa nau castelhana e assim aportámos a Cádiz, seguiríamos para Mardrid pleiteando derradeiramente com o Monarca castelhano sobre as razões que nos assistem a reparações por causa de centenas de anos de invasões, por 80 anos de colonização sobre a alçada dos Filipes – Mierda – respondeu o Rei, regressámos, mais mortos que vivos, amargurados, sujos e esfomeados a Lisboa onde El Rei Martelo nos esperava.
- Ah meus bravos, como regozijo em vê-los de boa saúde, vamos tirar uma selfie – disse El Rei, juntando-nos à sua volta, no fim de tirar não recordo, quantas fotografias, El Rei, pediu-nos o relato das viagens da nossa demanda e quantos milhares de milhões havíamos apurado.
- Nada, mas como nada! - Gritou o monarca saindo da sua habitual fingida bonomia, dando pontapés aos móveis – oh corja de madraços, oh infames…
Não tive coragem de lhe dizer que tínhamos falhado os Fenícios, os Gregos, os Marroquinos, os Mauritanos mais os Vikings, pela simples razão que estávamos fartos de ser apelidados de tontos e de levar porrada, ninguém havia achado a mínima lógica aquilo das reparações, que ideia mais estúpida que o nosso rei havia tido naquela manhã que fora a correr para a sanita acossado por uma ligeira diarreia, se os países do Mundo desatassem a pedir reparações uns aos outros por factos históricos onde é que isto acabaria.
- Escrivão – gritou Dom Martelo – toma nota de um édito real que vou lançar, então é assim, aponta aí. “Eu Martelo I, mando e determino que todos os portugueses vivos e vindouros, legarão em vida a favor do erário público um rim e um olho, para que se possa apurar um montante para as reparações que teremos de pagar aos povos que injustamente colonizámos…
- O homem ensandecera de vez…
P.S – Pessoalmente acredito que as palavras de sua excelência o senhor Presidente da República são uma estultice sem ponta por onde se lhes pegue, exactamente iguais à iniciativa patética do senhor Ventura, outro alucinado, digo isto com o à vontade de quem há muito acredita que deveríamos ter devolvido às antigas colónias todas as colecções de bens culturais desses países que estão nos museus nacionais, quanto ao resto, mostra-nos a História que a dita não se “repara”, fiquemo-nos apenas pelo desejo de que não se repita, aí sim é que deveríamos investir com seriedade.
Francisco Pereira
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