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O Medo Colectivo da Prateleira Vazia

01-03-2024 - Ivo Pereira

Há sensivelmente 2 anos atrás, a 24 de Fevereiro de 2022, teve oficialmente inicio a guerra da Ucrânia na sequência da invasão das forças armadas da Rússia.

E uma vez mais, foi notório, o quanto algo que parece estar tão longe, consegue ter consequências imediatas e impactantes no nosso dia a dia.

Esta guerra, veio reacender um comportamento que se verifica ao nível colectivo e que tem sido notório com cada vez maior frequência, talvez pela massificação da utilização das redes sociais e difusão de media alternativos. Um comportamento de sobrevivência motivado pela especulação. Um medo da escassez, alimentado pela observação do comportamento dos outros.

Há uns tempos, não sei precisar em que ano, as notícias davam conta de que o açúcar ia faltar naquele Natal. Em questão de poucos dias, as prateleiras de açúcar nas superfícies comerciais estavam vazias. Comprou-se mais açúcar naqueles poucos dias do que no mês anterior inteiro. Mas nesse Natal ainda assim, houve açúcar.

Entretanto, surgiu uma greve dos camionistas abastecedores de combustível. Uma greve que durou 7 dias e na qual se assistiu a filas enormes nas gasolineiras à espera de vez. Em 3 dias abasteceu-se toda a gasolina disponível e as bombas ficaram vazias. Segundo se comunicou mais tarde, o pânico de ficar sem combustível, levou pessoas a abastecer carros que mal usavam, a encher recipientes (alguns bem insólitos) e gastou-se em 3 dias o combustível que deveria ter durado no mínimo uma semana. Ou seja, sem o comportamento gerado pelo pânico, a greve mal teria sido sentida.

Durante a pandemia, não faltaram "memes" e vídeos que ridicularizavam o açambarcamento de papel higiénico. Houve quem tentasse justificar esse comportamento como sendo "material para fazer máscaras" mas a verdade ouviu-se várias vezes em consultório, "receei ficar preso em casa durante semanas e semanas e tinha medo de não ter com que me limpar depois de ir à sanita". Ainda há neste momento quem tenha rolos de papel higiénico dessa altura. E atum. Latas e latas de atum.

Na pandemia, houve um medo acrescido pela falta de informação. Um vírus desconhecido, sem data fim para se sair de casa ou deixar de usar as máscaras.

Mas dizia eu, que a guerra na Ucrânia também se fez sentir neste plano mais especulativo e massificado. Uma das consequências foi a noticia da possibilidade de escassez de óleo, daquele que é utilizado nas latas de conserva de alimentos.

Recordo de um cliente que na sequência disto, em consulta desabafou, "Eu não como fritos, fazem-me azia. Não frito nada em casa, não suporto o cheiro. Vivo naquela casa há 15 anos e nunca comprei óleo. Nunca. Mas assim que vi a notícia de que ia faltar óleo, fui ao supermercado e comprei um garrafão de 5 litros. Tenho o garrafão na dispensa há 6 meses e não faço tenções de o usar mas sou incapaz de me desfazer dele com o medo de que pode eventualmente vir a faltar óleo no mundo. E volta e meia, ainda que saiba o quão irracional é, pondero comprar mais".

Estes medos colectivos da escassez, de que algo vai em breve acabar e temos de agir no imediato, são mais comuns do que possamos imaginar e são contaminados até mesmo em campanhas de marketing bem conhecidas, como nos slogans"Fim de Stock"; "Últimas Unidades!"ou"Agora ou Nunca!". Podemos até olhar para estes exemplos como micro geradores de ansiedade. E que vão deixando as suas marcas.

Estes comportamentos são muitas vezes extrapolados por experiências passadas. Por exemplo, alguém pode relacionar a avidez na obtenção de (por exemplo) latas de atum, com quando era pequena, em que houve um período em que os pais estiveram ambos desempregados e passaram muitas dificuldades; por outro lado, outra pessoa, pode usar este comportamento numa forma de controlar alguma coisa, já que sente que não tem qualquer controlo sobre o mundo em redor; num outro caso, o medo da escassez pode ser influenciado por mensagens negativas, de insuficiência como alguém que possa ter crescido e vivido, ouvindo coisas como: "Nunca vais conseguir nada na vida"; "Jamais hás-de ter alguma coisa".

Em suma, a informação da escassez, gera comportamentos que levam à escassez.

A quebra do ciclo depende de cada um de nós, de conseguir não ceder ao impulso de tomar como exemplo o comportamento do outro.

E porque não, tentar avaliar se o nosso medo da escassez poderá estar influenciado por experiências de outras áreas da nossa vida?

Pela sua saúde mental.

Ivo Pereira
Psicólogo Clínico

 

 

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