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O MARIDO DA DOCENTE…

03-02-2023 - Francisco Pereira

A minha esposa é Docente, o relato que trago, não tem nenhuma intenção oculta, nem sequer é reivindicativa nem pretendo fazer-nos passar por vítimas, nem a mim nem à minha esposa, nada disso, a real e única intenção é relatar a realidade de alguém que partilha a vida com uma pessoa ligada à Docência num país chamado Portugal, um relato que será igual a milhares de outros, que podem igualmente escrever milhares de outros maridos que partilham a vida das esposas ligadas à docência.

A minha esposa leva mais de 3 décadas de serviço, no ano em que nos conhecemos, ficou colocada em Armamar, uma vila pertencente no Distrito de Viseu, falamos de uma viagem de 450 quilómetros, na altura morávamos em Lisboa, com os custos inerentes em portagens, combustíveis, desgaste do veículo e desgaste humano, tudo claro está a expensas do próprio, a quem trabalha não chegam as ajudas de custo para deslocações e alimentação, os cartões frota com combustível à descrição e à borla nem os telemóveis de serviço e ou o cartão de crédito para cobrir outras despesas, não, esse tipo de benesses chega somente às elites da politiqueirice rafeira, que como recebem pequenos salários, coitados, não conseguem fazer face às suas despesas, já os capitalistas lautamente pagos como por exemplo os docentes, esses podem bem pagar do seu bolso todas essas despesas.

Em Armamar a minha esposa foi viver para um quarto alugado, mais uma vez a expensas próprias, e assim passou um ano, concurso seguinte, desceu um pouco geograficamente falando, veio para Santa Comba Dão, posteriormente foi vindo para mais próximo, mas para abreviar, nestas 3 décadas e tal de serviço a minha esposa passou por próximo de uma vintena de escolas, actualmente está apenas a 20 quilómetros de casa, o que é óptimo, atentem que são 3 décadas a pagar alojamentos, alimentação, combustíveis, portagens e todo o resto, para poder trabalhar, sem ajudas de custo, sem cartões de crédito, excepto o dela.

Depois, para além desse desgaste pessoal e financeiro, são 3 décadas a vê-la chegar, cansada, arrasada, porque falta quase tudo nas escolas, porque as turmas são grandes demais, porque na escola pública não há crivo como nas privadas, com isto quero dizer que é na escola pública que largam tudo o que o sector privado rejeita, essencialmente os pobres, os deficientes, os associais e por aí adiante, por exemplo as crianças deficientes não tem apoios minimamente decentes, a intervenção precoce é uma patranhice, o ensino especial não chega para as encomendas além de ser outra grande falácia, nas escolas falta quase tudo excepto problemas diários, a tal inclusão é uma patranha, porque dada a falta de meios materiais e humanos, para incluir 1 ou 2 excluem-se os outros 18 ou 19.

São 3 décadas a ver a minha esposa, ir de férias, de computador atrás, sempre preocupada com concursos, com plataformas internáuticas, as mais das vezes são sítios internet governamentais que funcionam de forma deficiente, são 3 décadas a ver a minha esposa atolada em papeladas inúteis, assoberbada por burocracias patéticas, tudo saído e orquestrado pelas mentes dos mangas de alpaca governeiros, que nunca estiveram numa escola, excepto nos dias das visitas labregas, consequentemente não sabem o que significa ser docente, nos dias que correm, sabem apenas que tem de justificar os seus salários e fazer bonito para os números da OCDE e do PISA, refletirem quão boa é a educação nacional, patranha atrás de patranha, tal como a pomposa inspecção escolar, que se fosse uma verdadeira inspecção fecharia metade das escolas públicas, por óbvia falta de condições, como é apenas mais uma palhaçada burocrática, vai dar ao mais do mesmo.

É ver a minha esposa, a perder noites, a dormir mal, para frequentar formações patéticas, a que está obrigada anualmente, e que as mais das vezes paga, porque o Ministério obriga a frequência mas não disponibiliza as ditas formações, e é ver a minha esposa a ter de tomar comprimidos, a ter ataques de pânico e de ansiedade, a saúde a degradar-se, porque tem de cumprir prazos em cima de prazos, com papeladas imbecis, muitas vezes ainda tendo problemas com colegas mal formados e velhacos, auxiliares imprestáveis, pais imbecis e chefias miseravelmente medíocres.

É ouvir da minha esposa enquanto jantamos, os desabafos, a necessidade de atirar cá para fora aquela pressão toda que magoa, ouvir que a colega fulana foi para o hospital, que a colega sicrana está com cancro, ou que uma colega do 1º Ciclo foi agredida por um aluno ou por um progenitor, é ouvir que um aluno bateu noutros na sala, que arranhou e deu pontapés – diz-me a minha esposa enquanto me mostra as canelas negras e os arranhões nos braços, esta é a realidade que eu enquanto marido vou vivendo diariamente há mais de 3 décadas.

E quantas vezes não estive eu também a trabalhar de borla para o Ministério de Educação, ajudando com as papeladas patetas, porque senão os prazos não são cumpridos, porque senão o chefe ou a chefe imbecil e medíocre fica desagradada, não sei a escola pública é boa ou má, apenas sei a realidade que vejo há mais de 3 décadas, fica-me uma frase do meu filho, que quando era pequeno disse uma vez à mãe.

- Mãe porque é que tu nunca brincas comigo e estás sempre a trabalhar?

Francisco Pereira

 

 

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