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Um adeus ao Senhor. Ramiro

15-07-2022 - Francisco Pereira

O Ramiro Pisco David, o meu amigo senhor Ramiro, partiu na sua derradeira viagem a semana passada, o Ramiro fica na memória colectiva de quase toda uma geração que vai grosso modo dos que já contam 60 e picos anos de idade até aos 40 dos mais novos, tudo isto por causa da sua emblemática casa à qual justamente deu o seu nome, a famosa Cervejaria “O Ramiro”, que infelizmente já não existe com esse nome.

O senhor Ramiro, irmão de um famoso, igualmente já falecido, artista plástico de seu nome José David, era aqui na terra “o Ramiro da pastelaria” sendo por cá muito mais famoso que o seu ilustre irmão, tudo devido à sua casa a dita Cervejaria “O Ramiro”. Casa essa que viu os seus anos de glória ali entre os meados dos anos 80 até aos fins dos anos 90 do século passado como um dos mais ecléticos e democráticos “poisos” de eleição dos notívagos e dos amantes da boa gastronomia.

Foi na antiga pastelaria conhecida como “Pastelaria do Zé Clara”, pertencente ao senhor José Clara sogro do Ramiro, que tendo herdado o negócio do sogro, para posteriormente o transformar numa, como já se disse, cervejaria, que veio a ser uma interessante proposta para o público de Almeirim, local de eleição da “noite” cá da terra.

Aos almoços estava quase sempre cheio, porque se comia bem e o pessoal dos serviços caí-se ali em quantidade, o que dava um conforto comercial à casa, na área do “café” juntavam-se os pequenos agricultores, os assalariados e operários a gente do “povo” a arraia miúda como sói dizer-se, e de todas essas gentes vivia a Cervejaria Ramiro, o boom deu-se ali pelos meados dos anos 80, quando a miudagem da minha idade, começou lentamente a fazer do Ramiro um poiso, que na década a seguir tomou proporções de um lugar mítico, para a juventude local, primeiro porque o “Ramiro”, como todos dizíamos, tinha um horário estendido, que ia até às 2 da manhã, depois porque cabia lá toda a gente, curiosamente nunca por lá vi uma zaragata, não quero com isto dizer que não tenha havido, eu é que nunca vi.

No meio da sala cheia de fumo da área do café, pontuava o senhor Ramiro, com o seu famoso bigode e muitas vezes cigarrito ao canto da boca, joga-se aos dados, às cartas, bebiam-se copos, sentavam-se por lá agricultores, operários, taxistas, a praça de táxis fica perto, miúdos universitários que vinham ao fim de semana, miúdas bronzeadas que jamais entrariam em locais semelhantes, ali entravam, e estavam todos em harmonia, não haviam destrinças, nem pretos nem brancos, nem ciganos nem marcianos, eram todos apenas pessoas, e isso fez do “Ramiro” a casa mítica que foi, e fez do senhor Ramiro, uma pessoa, afável, apesar de por vezes brusco, mas sempre humilde e bem disposto, que nos ficou na memória.

- Hoje vais ao “Ramiro”? - claro, respondia eu, a nossa vida naqueles anos passava invariavelmente pelo “Ramiro”, belas bifanas comidas a desoras matar matar a fome, às navalheiras cozidas, aos pratos de moelas bem temperadas das quais ainda sinto o odor, aos ovos cozidos, tudo regados com garrafas de vinho branco leve o famoso “Lezíria meio-seco”, produto da adega cooperativa local, “O Ramiro”, foi para nós um local de magia e de partilha de histórias, com pessoas que de outra forma nunca teríamos conhecido, recordo o senhor Mónico relojoeiro de profissão, senhor de um humor sarcástico e de uma bonomia de excelência, ou o “Castiço” uma companheiro, agricultor de profissão, pessoa de uma proverbial paciência e boa disposição, recordo ambos com muita saudade, ambos já falecidos devem estar agora com o senhor Ramiro.

O senhor Ramiro, o meu amigo Ramiro, foi, inadvertidamente claro está, o impulsionador de uma interessante revolução intercultural, intergeracional e intersocial que não mais se repetiu, o senhor Ramiro, permitiu que gentes de contextos sociais tão díspares, de idades tão díspares bem como de áreas profissionais e formação tão díspares pudessem interagir trocar ideias, histórias e gerarem relações interpessoais que ainda, em muitos casos, se mantêm. O meu amigo senhor Ramiro foi sem o saber um extraordinário visionário que ajudou a cultivar a Democracia e a aceitação da diferença e por isso todos lhe devemos muito, o senhor Ramiro foi um grande embaixador da tolerância entre as pessoas, mesmo que sem disso ter tido consciência activa, o facto é que o foi, e por esse facto devemos colectivamente agradecer-lhe, por mim rendo-lhe aqui a minha parca homenagem, Requiescat in Pace, que descanse em paz o velho amigo, com quem falei não há duas semanas. Sentidas condolências à família.

Francisco Pereira

 

 

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