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CULPA

17-10-2014 - Henrique Pratas

A propósito do texto que elaborei ontem com o título MEDO, um amigo meu, oficial da marinha de guerra portuguesa e Homem de grande valor e conhecimento, chamou-ma à atenção para outro sentimento que grassa na nossa sociedade portuguesa que é a CULPAe desta forma me deu o mote para escrever este texto e ao qual volta agradecer a sugestão.

CULPA , no dicionário da língua portuguesa, tem vários significados, PECADO, FALTA, ERRO, FALHA, DELITO, CRIME, INFRACÇÃO, TRANSGRESSÃO, só por aqui podem ver a dificuldade que as pessoas têm em assumir uma CULPA, porque como podem constatar ela está associada a um dos sinónimos que lhes indiquei e a uma outra coisa mais gravosa que decorre da aplicação da Justiça.

O sentimento de culpa é o sofrimento obtido após reavaliação de um comportamento passado tido como reprovável por si mesmo. A base deste sentimento, do ponto de vista psicanalítico, é a frustração causada pela distância entre o que não fomos e a imagem criada pelo superego daquilo que achamos que deveríamos ter sido.

Há também outra definição para "sentimento de culpa", quando se viola a consciência moral pessoal (ou seja, quando pecamos e erramos), surge o sentimento de culpa.

Para a Psicologia Humanista-existencial, especialmente a da linha rogeriana, a culpa é um sentimento como outro qualquer e que pode ser "trabalhado" terapeuticamente ao se abordar este sentimento com aquele que sofre. Para esta linha de Psicologia, um sentimento como esse, quando chega a ser considerado um obstáculo por aquele que o sente, é resultado de um inadequado crescimento pessoal mas não é considerado uma psicopatologia . Para os rogerianos, todas as pessoas têm uma tendência a actualização que se dirige para a plena auto-realização; sendo assim, o sentimento de culpa pode ser apenas limitação momentânea no processo de auto-realização.

É bastante concebível que tampouco o sentimento de culpa produzido pela civilização seja percebido como tal, e em grande parte permaneça inconsciente , ou apareça como uma espécie de mal-estar, uma insatisfação, para a qual as pessoas buscam outras motivações. As religiões, pelo menos, nunca desprezaram o papel desempenhado na civilização pelo sentimento de culpa.

O sentimento de culpa, a severidade do superego , é, portanto, o mesmo que a severidade da consciência. É a percepção que o ego tem de estar sendo vigiado dessa maneira, a avaliação da tensão entre os seus próprios esforços e as exigências do superego. É o ponto-chave do texto " Mal-estar na civilização" de Sigmund Freud .

Como podem constatar este sentimento é muito difícil de assumir e peso que ele tem na nossa sociedade é tremendo, podemos muitas vezes em sede de decisão judicial a dificuldade que alguns juízes tem em declarar alguém CULPADO, do que quer que seja, porque a carga negativa que se atribuiu a este sentimento é simultaneamente de repulsa.

Na cultura alemã a expressão DESCULPA, diz-se escreve-se da seguinte forma “entschuldige“ palavra difícil de pronunciar e que raramente os alemães utilizam, pelo simples facto de serem profissionais e de raramente improvisarem o que quer que seja.

Nós em Portugal perdemos este sentimento porque ninguém quer CULPADO do que quer que seja porque também não assumir a responsabilidade de assumir os actos que praticam sejam eles de cariz pessoal ou colectivo.

É comum nos organismos e entidades públicas e também no sector privado, ocorreram pareceres com indicação de medidas a tomar, terminarem com a seguinte frase “ À consideração e decisão superior”, isto quer dizer que quem produz pareceres, coloca várias hipóteses ou emite vários juízes de valor mas não manifesta a sua opinião, porque em termos profissionais quem propõe não quer ser envolvido no processo de tomada de decisão, porque se as coisas derem para o torto ficam salvaguardados e não assumem a CULPA de nada.

Esta atitude lamentável em meu entender, prende-se com o facto de a generalidade das pessoas não estarem habituadas assumir a responsabilidade dos seus actos, trata-se na minha opinião de um problema de educação e cultural.

Na generalidade não fomos habituados a assumir os erros e as coisas boas que fazemos e normalmente a sociedade coloca mais enfase no que é mal feito ou é realizado de forma incorrecta do que naquilo que se faz bem feito. Isto prende-se muito com a gestão das organizações sejam elas de cariz público ou privado, normalmente não se dá importância ao mérito e não se premeia esse desempenho, mas quando alguém comete algum erro é repreendido de imediato e algumas vezes enxovalhado. Quando escrevo premeia o mérito, não estou a pensar apenas em atribuir um prémio ou bónus financeiro, mais importante para quem faz alguma coisa que é bem-feita é o reconhecimento das chefias, que usualmente não é feito de todo e escrevo-lhes isto por experiência própria, quando exerci funções na área da gestão das pessoas, sempre fui muito atento ao desempenho de todos os trabalhadores e muitas das vezes senti que se sentiam mais felizes quando o mérito lhes era reconhecido pessoalmente e apenas com palavras de incentivo e de perceber o que faziam, como faziam e as condições de trabalho que possuíam do que a compensação monetária. É certo que esta é muito importante, mas não é mais importante do que o reconhecimento do mérito de forma pessoal, individual e colectiva, porque a excelência do desempenho nas organizações depende muito deste facto.

Voltando ao nosso tema CULPA, ela instalou-se da pior maneira na nossa sociedade e de forma violenta, as pessoas têm MEDO de assumir os seus erros porque não querem ser CULPADAS de um mau procedimento ou erro num processo fabril, isto condiciona as pessoas e de que maneira, as pessoas não ousam porque têm medo de errar e quando erram cai-lhes o Carmo e a Trindade em cima, quando fazem ninguém lhes diz nada ou simplesmente dizem “é para isso que eu lhe pago”, esta é uma frase desumana, mas que é repetida a torto e direito nas nossas organizações produtoras de bens ou prestação de serviços, é fácil apontar o erro, encontrar culpados é o que se deseja mais nesta sociedade onde a CULPA morre sempre solteira.

Termino esta minha pequena aproximação a este tema relatando-vos o que para mim é perfeitamente elucidativo do que é um bom sistema de funcionamento através da responsabilização e de tomada de decisões.

Quando pela primeira vez tirei o equivalente à cartão de patrão local de hoje e como tive sempre muito curiosidade e gosto de falar e escrever daquilo que vejo e que sinto, tive a oportunidade de experimentar o que era navegar num grande navio de transporte de mercadorias para o Norte da Europa, tinha experiência de navegar na foz do rio Tejo tinha feito navegação com terra à vista mas queria mais, queria saber o que era navegar em amar aberto, então surgiu a oportunidade de fazer um “viagem” do porto de Lisboa, para Hamburgo, passando pelo mar do Norte. Tanto chateei um amigo meu que na altura era comandante da marinha mercante portuguesa quando a tínhamos, apesar de todas as vicissitudes que esta actividade tinha nomeadamente aos aspectos que dizem respeito à segurança, recordo-me que as vistorias aos navios para verificar se a “palamenta” reunia as condições necessárias assisti pelo menos a uma vez em que as balsas, necessárias para o salvamento da tripulação em caso afundamento não tinham condições de flutuabilidade porque tinham rombos no casco evidentes, mas que apesar dessa evidência quem procedia à inspecção dessas embarcações a troco do vil metal, atribuía o certificado necessário para que o navio efectuasse a sua actividade de navegar. Contos de outro rosário. Mas voltando à experiência que tanto queria e que tanto me enriqueceu, tomámos rumo a Hamburgo utilizando o Mar do Norte e posso-vos escrever que nunca apanhei tanta “porrada” na minha vida. Assim que saímos a barra em Cascais, fomos apanhando “porrada” até chegar ao destino, equacionei várias vezes a decisão que me tinha levado a tomar aquela decisão, tamanha foi a tormenta, mas apercebi-me e tomei conhecimento do que é de facto comandar, cada um dos homens a bordo sabia o que devia fazer e face à tempestade que se instalou cada um deles fazia o melhor que podia e sabia de acordo com as decisões do comandante do navio, sentia que nas vagas de grande porte, o navio rangia por todos os lados e questionava-me como é que possível que esta estrutura toda ranga por tudo quanto é sitio, tive medo estava sempre espera quando é que o navio quando estava na cava, não conseguia subir à nova onda, pensei mesmo que íamos para o buraco, os homens que estavam na ponte do navio a governar estavam amarrados ao leme tal era a força do mar que os atirava literalmente contra as anteparas da cabine da ponte, mas só desta maneira se podiam manter ao leme do navio. No meio desta peripécia, pedi autorização para ir à casa das máquinas, local fundamental de um navio para ver de modo próprio como é que as pessoas que nesta circunstâncias raramente vêm a luz do dia e deparei-me com um homem responsável pela designada casa das máquinas e que tem por função manter todo aquelo emaranhado de ligações mecânicas e eléctricas funcionem convenientemente, estava ajoelhado a rezar, era um homem já com muito experiência de mar e já com cabelos bem brancos, quando vi isto pensei para comigo que o pior ia acontecer, mas também vi que cada um dos tripulantes fazia as manobras que sabiam que deviam executar nesta situação e perante a mesma pensei nós não somos rigorosamente nada, reduzi-me à minha insignificância e pensei seja o que Deus quiser.

Como lhes escrevi a porrada foi muita, quando chegámos a Hamburgo e o navio foi devidamente acostado ao cais, quando colocaram a escada de acesso ao portaló vi todos os homens desaparecer terra adentro sem sequer balbuciar qualquer tipo de palavra ente eles, voltaram às tantas da madrugada do dia seguinte, bem bebidos tamanhos tinha sido os sustos. Quero-vos contar que só saíram depois de o navio esta devidamente amarrado ao cais, de todo o trabalho que lhes competia fazer estar realizado e com a devida autorização do comandante.

Este exemplo serve apenas para elucidar o que é tomar decisões, cada um saber o que deve fazer, porque se o não fizer põe em causa toda a tripulação e a responsabilidade que cada um deles tem para o contributo de um objectivo comum que é fazer chegar o navio e respectiva mercadoria a bom porto são e salvo. Aqui não há hesitações, as decisões não podem ser adiadas e esperar que alguém decida por eles, MEDO existe de facto, CULPAS também podem existir se alguém não fizer correctamente o que lhe mandam, mas meus caros há que correr riscos e assumir responsabilidades, a vida é isto quem não o faz não sobrevive.

Lisboa, 16 de outubro de 2014

Henrique Pratas

 

 

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