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25 DE ABRIL E DESPREZO PELOS MILITARES

30-04-2021 - Francisco Garcia dos Santos

Esta III República nasceu formalmente em 1976 com a aprovação e entrada em vigor da actual Constituição da República Portuguesa, cujo regime e sistema político se tornou numa república semi-presidencialista mitigada e democrática pluralista de pendor parlamentarista mediante a primeira revisão ocorrida em 1982, que restringiu os poderes do Presidente da República e eliminou o Conselho da Revolução, órgão de soberania político-militar não eleito tutelar da própria Assembleia da República e do Governo, e ainda dasForças Armadas, com poderes de fiscalização da constitucionalidade das Leis, e criação do Tribunal Constitucional.

Ao longo dos anoso poder político tem vindo a celebraro golpe militar de 25 de Abril de 1974 com pompa e circunstância, conhecendo o seu climax no cerimonial, já algo bafiento e sacrossanto, no próprio dia do calendário na Assembleia da República.

A este ritual, salvo em 2020 e 2021 devido à pandemia de Covid-19, não tem faltado uma miríade de convidados, com especial destaque para os “principais”militares de Abrilainda vivos, que são incensados e louvados pela classe política, e com eles, subliminarmente as próprias Forças Armadas (FA) e a instituição militar globalmente considerada.

Nada mais hipócrita!

Desde 1982 que as Forças Armadas têm vindo a perder gradualmente importância junto dos políticos, o que se traduz:na escassez de meios financeiros para investimento em manutenção de equipamentos e aquisição e modernização de outros, sobretudo bélicos; redução até ao limite mínimo de operacionalidade do efectivo total e de cada Ramo (Armada/Marinha, Exército e Força Aérea); eliminação do “serviço militar obrigatório”, que em vez de extinto poderia ter sido reformulado de forma atractiva para permanecer nas FA um número suficiente de milicianos que pudessem passar ao Quadro Permanente (QP) para dotação ou manutenção do número de efectivos por Ramo tido por adequadoem termosoperacionais; perda de regalias recompensadoras da especificidade da condição militar, a qual restringe aos militares no activo o exercício de alguns importantes direitos constitucionalmente consagrados para a generalidade dos cidadãos; o cada vez maior desfasamento pela negativa da remuneração dos membros das FA, sobretudo das classes de oficiais superiores e generais, bem como do topo da carreira de sargentos, face a magistrados judiciais e do Ministério Público, da carreira docente universitária e de funcionários civis dos denominados “corpos especiais do Estado”, como, a título de meros exemplos, são os da Inspecção-Geral de Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, da Polícia Judiciária, etc.; por fim, o facto de os jovens que optam pelo serviço militar a contrato ou voluntário receberem apenas o salário mínimo nacional no caso dos “praças” (soldados), o que faz com que hoje o deficit geral das FA face ao efectivo previsto na Lei, que é de cerca de 29.000 elementos para 2021, seja aproximadamentede 5.000 homens e mulheres. Ou seja, já contando com uma margem de erro com muita “água benta”, o total de efectivos no activo será de 25.000 ou 26.000 elementos. Se destes se considerarem operacionais, isto é, prontos para combate, 10%, então a força militar bélica portuguesa será de 2,500 a 3.000 efectivos.

Para se ter uma ideia da totalidade do actual efectivo das FA no activo, se o mesmo fosse enviado para o interior do Estádio da Luz, não chegaria para ocupar nem metade da respectiva lotação!

Deste modo, as FA em termos de projecção de forças terrestres para fora do território nacional, mormente para missões internacionais no âmbito da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação Europeia), da NATO e da ONU apenas pode contar com um “punhado” de Fuzileiros, Comandos, Tropas de Operações Especiais (Rangers), Tropas Pára-quedistase de Cavalaria “ligeira” para reconhecimento e protecção. Já quanto a meios navais e aéreos para idênticas missões, lá se conseguirámobilizar uma ou outra fragata e outros tantos navios patrulha oceânicos, estes apenas para operações de policiamento, que não verdadeiramente vasos de guerra; mutatis mutandis o mesmo se passa com “meia dúzia de aeronaves” de combate caça-bombardeiros F-16, de transporte e de helicópteros.

Mas mesmo assim, com enorme esforço e brio, as poucas tropas operacionais portuguesas conseguem cumprir de forma brilhante e exemplar as missões internacionais para que são destacadas, o que é amplamente reconhecido pelos seus camaradas estrangeiros e instituições multinacionais sob cujas “bandeiras” actuam.

Mas a “cereja amarga” no cimo deste “azedo bolo” é o total desprezo insultuoso do actual Ministro da Defesa Nacional (MDN) João Gomes Cravinho, com a conivência do Primeiro-Ministro António Costa, a que tem votado vários militares de Abril, outros mais novos e a generalidade da hierarquia militar no activo.

O governo-PS de que Gomes Cravinho é ministro, ao que consta já ter por acólitoso PSD de Rui Rio e o CDS de Francisco Rodrigues dos Santos, persistindo numa pseudo “reforma das Forças Armadas” que apenas agradará ao actual Almirante Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas Silva Ribeiro, e feita à medida deste último, traduz-se no total esvaziamento de competências verdadeiramente militares dos Chefes de Estado-Maior dos três Ramos, tornando estes meros “amanuenses” do primeiro, o que já mereceu informação mais detalhada em anteriores artigos publicados nas últimas edições deste jornal.

O desprezo insultuoso acima referido traduz-se no reiterado comportamento mentiroso do MDN Cravinho, ao afirmar que toda a hierarquia militar está a favor de tal “reforma”, quando é sabido que os actuais Almirante e Generais Chefes de Estado-Maior, assim como a cadeia de comando, desde oficiais generais até sargentos, está contra, o que tem sido manifestado publicamente pela Associação dos Oficiais das Forças Armadas e pela Associação Portuguesa de Sargentos.

Mas como se tal não bastasse, vários têm sido os oficiais generais, ex-Chefes de Estado-Maior e ex-Chefes de Estado-Maior-General das Forças Armadas na reserva e na reforma -alguns deles ex-membros do MFA (Movimento das Forças Armadas) responsável pelo “25 de Abril”-, tendo por expoente máximo o ex-Chefe de Estado-Maior do Exército, ex-Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, ex-Presidente da República e actual Conselheiro de Estado vitalício General António Ramalho Eanes, que se têm manifestado publicamente contra a dita “reforma”, serem constante e publicamente apoucados na probidade das suas pessoas, nas suas elevadas qualidades militares e relevantes serviços prestados à Pátria, pretendendo passar a mensagem de que não percebem nada do que é a actual realidade militar nacional e internacional, bem como a de estarem senis.

As tão hipocritamente louvadas FA e seus militares de Abril não merecem tal tratamento abjecto do MDN Cravinho e postura cúmplice do CEMGFA Silva Ribeiro, que, ao que consta dos jornais de caserna,é “marinheiro de água doce”, bem como da generalidade dos partidos com assento parlamentar.

Se tal “reforma” for avante, as Forças Armadas deixarão de ser independentes, imparciais e último baluarte da defesa do Estado de direito democrático, tal como previsto na Constituição da República, passando a ser não tuteladas pelo poder político legítimo, mas sim partidariamente obedientes à força política que se encontrar no poder em cada momento.

Assim, esta “reforma” e postura do MDN Cravinho constituem a maior afronta e manifestação de desprezo do poder político pelas Forças Armadas e pela instituição militar no seu todo desde 25 de Abril de 1974!

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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