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O PRIMEIRO-MINISTRO E OS SEUS NABOS

30-04-2021 - Pedro Pereira

De fato de alpaca cinzento-escuro, de corte irrepreensível, assinado por um famoso estilista europeu, o senhor primeiro-ministro empurrou as largas portas de vidro do enorme edifício de linhas arrojadas e estilo indefinido, pintado de cor-de-rosa e verde-alface, da autoria de um famoso arquitecto.

Acelerou célere o seu passo elástico, na direcção do elevador que mais parecia um autocarro de transportes urbanos em hora de ponta, apinhado de gente sem um esgar no rosto, vestidos de cor cinzentona ou azul cueca, tal como ele, o querido líder.

Até lá, pelo caminho, foi distribuindo e retribuindo bons-dias secos, mas corteses à esquerda e à direita, para trás e para a frente, deixando à sua passagem um rasto impregnado de um odor forte, ligeiramente adocicado, a Paco Rabane.

Enquanto o ascensor subia rápido e silenciosamente até ao piso onde se situava o seu gabinete, aproveitou, para ao tacto com a mão direita confirmar da perpendicularidade e alinhamento da sua gravata de seda Pierre Cardin de cor azul cueca, sob uma camisa Givenchy imaculadamente branca – à moda – como a dos empregados de mesa dos restaurantes, de punhos dobrados seguros com botões de cristal, ajeitando com a mão esquerda de encontro a si, a pasta de pele de crocodilo e fechos dourados, para não incomodar uma secretária empertigada que se encontrava ao seu lado, de saia e casaco cinzentos, com a lapela direita adornada por um enorme e fulgurante broche aparentando uma rosa estilizada. Sobressaíam do opulento peito arfante da senhora dentro de um generoso decote, imensos folhos brancos, tantos que mais parecia uma couve-flor antes de entrar na panela.

Penetrou no seu amplo gabinete climatizado, alcatifado quase até aos artelhos, de paredes revestidas por madeira exótica e amplas vidraças a partir de onde relançou o seu olhar faiscando omnipotência, por cima dos mastodontes de betão das redondezas, a partir dos quais, num horizonte a perder de vista vislumbrava uma miríade de barracas de tábuas cobertas de chapas de lata, onde vegetavam centenas de milhar de potenciais votantes na sua pessoa.

O senhor Ministro assolapou os quartos traseiros, recostando-se na poltrona de coiro e debitou de rajada umas quantas cartas para um gravador portátil.

Pelo telefone interno intimou com voz de comando de sargento lateiro para a sua secretária lhe trazer café e bolachas, que beberricou e mordiscou displicentemente.
Chupou dos dedos, dando estalidos com a língua o resto do açúcar das bolachas, desfolhou enfastiado uns dossiers com matéria para despacho, que se encontravam pousados numa ponta da secretária, colocando-os na outra ponta da mesa sem mais delongas sacudindo as mãos.

Em seguida, disputou durante largo tempo, afanosamente, com a língua de fora balouçando de uma ponta à outra da boca, um jogo de estratégia on-line do seu computador portátil e deu uma vista de olhos pelos títulos dos periódicos matinais que a sua subalterna submissa, diligentemente lhe havia trazido.

Entrementes, o seu telemóvel que se encontrava a decorar a mesa de reuniões fez pi-pi, pi-pi, pi-pi, lembrando-lhe o despertador que era meio-dia, hora do seu almoço.

Pontual e metódico, e porque o trabalho imenso que tinha entre mãos não lhe permitia perder tempo indo almoçar a um restaurante, o senhor Ministro desimpediu parte da secretária atravancadas com duas folhas A4 em branco e um jornal desportivo datado da véspera, colocou no espaço desimpedido a sua mala de pele de crocodilo de onde tirou o único conteúdo desta: um molho de nabos. Sem os descascar, pôs-se tranquilamente a degluti-los incluindo a rama, até entrar na fase da ruminação com que levou algum tempo.

Era graças aos nabos, que tragava diariamente, essa iguaria em abundância na sociedade do seu país em geral, no seu partido e no conjunto dos fanáticos apoiantes dele em particular, antes até de ser secretário-geral do seu partido, que mais tarde havia ascendido ao lugar de primeiro-ministro do País Cor-de-Rosa.

Pedro Pereira

 

 

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