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Para onde foi Abril?

23-04-2021 - Francisco Pereira

Aproxima-se mais um aniversário do 25 de Abril de 1974, no caso o quadragésimo sétimo, e pergunto-me para onde terá ido Abril, aquele Abril sonhado e desejado por tantos e pelo qual outros tantos deram as suas vidas, uma dúvida assalta-me, para onde foi esse Abril, essa talvez quimera feita de utopias patetas, para onde foi, onde se esconde?

Quase com meio século de idade, o 25 de Abril de 1974, debate-se com o mesmo problema de todas as outras datas históricas estruturantes da mitologia identitária que fazem deste lugar alegadamente um país, a memória curta dos seus cidadãos. E vemo-la diariamente a essa «desmemoria» uma espécie de apagão, que reduz a importância dessas datas a meros feriados em que a malta se balda ao trabalho para poder gozar idílicos fins de semana alargados.

A falta de memória tanto afecta tanto e igualmente a populaça desmiolada, acéfala e quase analfabeta, embrutecida por décadas de futebóis, noveluchas e velinhas à santa, como afecta as elites labregas endinheiradas, afeta tanto os que viveram esses tempos como afecta os mais novos que nem sequer sabem de que data se trata.

Se a falta de memória, respeito e empenho em perpetuar a data nos parece atroz nos mais novos, essas mesmas características são ainda mais atrozes no caso dos mais velhos, em especial em muitos que tendo vivido em Ditadura, parecem hoje não ter nem sequer fingir demonstrar qualquer respeito pela Liberdade e ou pela Democracia, estas gerações separadas por tanto, encontram-se aqui ligadas por um cordão umbilical invisível que os irmana, uma apatia generalizada em relação ao emblemático, uma apatia que não se percebe, mas falo claro está da população em geral, se particularizarmos, vemos que uma certa Esquerda trauliteira parece ter-se apropriado do 25 de Abril como se essa data fosse uma coisa só de Esquerda, é, mal comparado, como a questão do cravo na lapela, que os pategos da Direita insistem em não usar, como se o cravo não fosse apenas e tão somente um sinal de exteriorizar o contentamento que se sente por poder estar em Liberdade e em Democracia, sem mais outra simbologia, que não seja essa imorredoira esperança de dias melhores que hão de chegar.

É por entre esta labregada toda, entre a Esquerda medíocre, a Direita labrega e a maralha patega, que a memória desse dia que pessoalmente tenho por fantástico, pois permitiu-me ter os meios e poder escrever estas linhas, sem correr o risco de ser preso e ou assassinado, dizia eu, que é por entre os dedos sapudos da burguesia anafada, ou das falanges famélicas do novel povelho escravizado que se esvaí como água fugidia a memória cada vez mais brumosa desse Abril quimérico, quixotesco, quase e cada vez mais uma espécie de mito fugidio impossível de alcançar, tal foi a grandeza em que a fasquia foi colocada com esse dia.

Chateia-me profundamente, não sei se sou apenas eu, pode bem ser apenas uma coisa minha, ver que Abril nos escapou, que o sonho parece cada vez mais distante inatingível, por várias ordens de razões, primeiro porque as elites continuam obscenas, sórdidas e medíocres, depois porque a populaça está cada vez mais embrutecida, mais analfabeta e sensaborona, de premeio apesar de muitas boas evoluções, infelizmente as cabeças continuam iguais ao antanho salazarento, demasiado bolorentas fedem a sacristia, tresandam a miserabilismo intelectual, nem as juventudes nos safam, que os meninos estão ainda mais tacanhos e retrógrados que os avós, por isso tudo e mais um par de botas, Abril ilude-nos e foge, aninha-se na névoa dos sonhos de onde, confortável, teima em não querer sair, para nos bafejar.

Por isso pergunto aos ventos «para onde foi Abril», mas não tenho de volta nem uma débil aura que seja como resposta. Abril teima em iludir-me, em iludir-nos, teima em fazer birras, umas vezes berra Democracia, para logo se esconder atrás de uns políticos pulhas e biltres, depis dobro a esquina e oiço Abril a gritar Liberdade... para depois desaparecer sob um qualquer pardieiro onde no meu país não posso entrar porque os que ali habitam não gostam de mim por causa da cor da minha pele.

O Abril que temos hoje é um abrir de negociatas torpes, com aquela da venda das barragens que mais não é que uma pulhice, ou como a Justiça, que para além de ceguinha, está demente, ou a Educação que já pouco educa, o Abril de hoje é uma coisa cinzenta, que uns saudosistas abominam, e outros parvos exaltam ao nível do intocável, quando nada é já intocável, por isso, vou continuar sem Norte a perguntar aos ventos «para onde foi Abril?»…

Francisco Pereira

 

 

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