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Sempre a sorrir…

11-12-2020 - Francisco Pereira

...escrevia alguém, um destes dias sobre um amigo que partiu, mais um, ultimamente dou por mim a pensar e a escrever cada vez mais, sobre amigos que partem. Há uma semana partiu outro, partiu um dos “putos da Tróia” daquele tempo, do tempo em que sonhávamos felicidade e respirávamos sonho, conhecia-o desde os meus 5 ou 6 anos, idade em que a família dele se mudou para a casa ao lado da dos meus pais, éramos praticamente da mesma idade.

Fomos companheiros de escola da primeira à quarta classe, na Primária, como então se dizia, durante aqueles quatro anos, saíamos de casa à mesma hora, por vezes eu ia chama-lo a casa, outras vinha ele à minha, depois, uns passos rua abaixo apanhávamos o célebre “Zé do Fogos”, por vezes ainda apanhávamos mais um ou outro miúdo, mas regra geral éramos os três, atravessávamos a Almeirim daqueles tempos, era Almeirim uma simpática vila do saudoso e defunto Ribatejo, no nosso percurso pelas ruas de pedra rolada, naquele tempo era pouco o macadame, ainda encontrávamos alguns daqueles anciães do antigamente, eles de jaleco e barrete preto, elas de compridas saias e lenços, passavam com os muares a trotar carroças, iam ao campo, para os “hactares”, para o “Marquês”, ou para os “Casais velhos”, terras com fartura eram estas as de então, e pasmem-se, ainda se desejava “bom dia” a quem encontrávamos pelas ruas, fazíamos aí um quilómetro e meio, da nossa rua até à escola, era uma grande aventura para nós miúdos do bairro, naquele tempo ir ao centro da então bonita vila era ir “lá abaixo”, no nosso percurso com destino à escola, invariavelmente passávamos Pelo jardim da República e pela “Praça” nome que por cá se dava ao mercado municipal, por entre as bancas da carne, do peixe e das verduras, passávamos pela gritaria e azáfama e pelo corrupio de gente que por ali se via, e pela banca da senhora das bolas de Berlim, outras vezes saíamos pelo velho portão de ferro forjado do jardim seguindo por essa rua para ver o novo “Mundo de Aventuras”, o “Falcão” ou o “Fantasma” que estavam dependurados num cordel presos com molas, no saudoso “Zé dos Jornais”, depois lá seguíamos até à “Escola velha”, com aquelas escadas carcomidas do caruncho e a velha sineta que nos chamava para a sala do professor Urbílio, um mestre-escola daqueles à antiga, sempre disposto a distribuir “mimos” por quem não sabia a lição.

À tarde era folga, estávamos na rua o dia quase todo, jogávamos à bola, entre outros jogos da época, tínhamos o famoso “Quintal do Barba” que era o nosso “playground”, como hoje sói dizer-se, um terreno baldio que era o encanto daquela turba de miúdos que naquele tempo vivia naquele pedaço de rua.

O meu amigo tinha uma habilidade incrível para o futebol, em especial para guarda-redes, veio a ser jogador profissional, nessa posição, integrando o plantel do clube cá da terra entre outros. A escola ficou para trás, como aconteceu a tantos outros desse tempo, cedo demais ganhava dinheiro, cedo demais creio eu, mas isso são contas de outro rosário e nada interessam para aqui.

Fomos sendo amigos, ao longo da sua vida, curta, não éramos próximos, mas éramos amigos, faleceu, partiu assim um dos “putos da Tróia” daqueles tempos de quimera, a Tróia foi o seu bairro de sempre, era vulgar ouvi-lo dizer “ Tróia é Tróia”, quando queria exaltar as qualidades dessa sua “alma mater” bairrista e das suas gentes, para mim, que conheço mais ou menos a sua história, tanto como se pode conhecer alguém, esse meu amigo foi uma verdadeira figura “shakespeariana” com uma dimensão trágica que agora culminou com a sua prematura morte.

Viveu depressa, viveu como quis ou como pode, se calhar podia ter ido mais além, no capítulo desportivo entenda-se, essas são contas que provavelmente nunca conseguiu acertar, os nossos dilemas interiores muitas vezes traem os nossos sentidos e as nossas convicções, mas que interessa isso agora, como escreveu alguém, ele andava “sempre a sorrir”, quiçá esse sorriso servia para tapar a dor escondida que propositadamente ou não, ele jamais deixava que se visse.

Partiu um dos “putos da Tróia”, conhecia-o desde os meus 5 ou 6 anos, partiu e agora está em descanso, viverá nos corações daqueles que privámos com ele, nas nossas memórias, até que um dia chegue a nossa vez, partiu um dos “putos da Tróia”, adeus Chico guarda-redes.

Francisco Pereira

 

 

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