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“Chegófilos” e “Comunófilos”

18-09-2020 - Francisco Pereira

Soa a meia-noite na velha torre de São Marco, os sinos repicam com as sonoras badaladas, a cidade dorme, quase toda, do alto do campanário o mensageiro dourado vela sobre a mui serena república de Veneta, pelos canais e ruelas escuras, muito pouco movimento, uma ou outra gôndola furtiva que passa, caminhantes envoltos em capas escuras e grandes chapéus de abas, habitantes noctívagos que deambulam carregando os seus segredos, artes e vícios.

André ama Ludovina. Mas André, rapaz de boas famílias, rapaz prendado destinado aos mais altos cargos da cidade, é da família dos Chegófilos, família pertencente à elite da cidade, inimigos jurados da família de Ludovina, os Comunófilos, família proletária de condição inferior, sabemos que é um amor condenado à partido pelas negras parcas do destino.

André, aproxima-se cauteloso, atira uma pequena pedra ao vido da bonita janela de vidro fosco, que se abre lentamente, lá de dentro voa um papel, uma mensagem de Ludovina, pensa o nobre André Chegófilo.

André apanha a mensagem, desdobra o papel imaculadamente branco, parece a bela caligrafia de Ludovina, diz apenas “vai avanti”. André aproveitando o reverso da mensagem escreve, “Gostava de ir mas com isto do Covid é melhor não ir ao avanti”, de seguida devolve a mensagem embrulhada noutra pequena pedra. Segundos depois outro papel sai da janela...

O coração de André dispara, a sua amada fala-lhe, oh que felicidade, oh a loucura disto tudo. Apressadamente desembrulha o papel e lê a mensagem “ Não é nada disso burro, entra que a porta está aberta”. André olha, à sua frente, uma grande porta de madeira lacada com ferragens em doirado, com uma grande aldraba em forma duma foice cruzada com um martelo, está entreaberta como que convidando-o a entrar, temente, pé ante pé vai avançando, o coração da pulos de alegria, a expectativa da estar com a sua amada Ludovina fá-lo entrar numa espécie de êxtase.

Franqueada a porta, André mal dá dois pequenos passos, quais passos de coelho, quando sente uma pancada nas costas que quase o derruba, mas André é um jovem forte e bem constituído, aguenta o golpe, saca da sua rapieira e desfere um golpe certeiro num vulto, que com um grito cai mortalmente ferido, já se ouvem outros brados, sentem-se os passos pelas escadarias, a mansão dos Comunófilos acorda, André dá meia volta, corre em direcção ao canal onde uma gôndola o espera, e afasta-se, tinha caído numa armadilha.

Veneta acorda com as declarações inflamadas de um Jerónimo Comunófilo de olhos raiados, o líder da família que clama contra os assassinos do seu sobrinho Bernardino, “as forças do grande capital, estão em plena ofensiva contra os trabalhadores” declara Jerónimo ao jornal “la Gazeta de la Foice”. André matara Bernardino, inadvertidamente, perdia assim toda a esperança de conquistar Ludovina.

A sereníssima nunca vira nada assim, Chegófilos e Comunófilos digladiando-se pelas praças públicas, em artigos de jornal, nas redes sociais, os Comunófilos mais insidiosos e aguerridos, os Chegófilos igualmente reactivos, chegou-se a uma altura que já ninguém conseguia aturar aquela autentica guerrilha que a todos incomodava, aquela terra estava transformada num autêntico chiqueiro.

O Doge, Dom Marcelo, convocou todos para um encontro que degenerou em mais uma batalha campal, os Comunófilos tinham inclusive feito uma festarola com milhares de pessoas, para fazerem inveja à festarola dos Chegófilos que só tinha tido umas quantas centenas, apesar de tais eventos serem desaconselhados por causa da peste que grassava na cidade, mas nada resultava, o Doge, tentou inclusivamente a magia, invocaram o Demo, que mandou dizer que entre Comunófilos e Chegófilos não havia escolha, era tudo o mesmo, mudava apenas a cor do balde.

Restava ao povo da serena republica, assistir às tristes figuras de Comunófilos e Chegófilos, que se insultavam uns aos outros, insultando no processo toda a gente que com eles não concordasse, numa admirável manifestação da falta de cultura democrática que grassa entre aquela gentalha.

Francisco Pereira

 

 

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