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ELOGIO DUM REPUBLICANO A UM GRANDE REI
(DON JUAN CARLOS I, O “ÚLTIMO” REI DA EUROPA)

14-08-2020 - Francisco Garcia dos Santos

Julgo nunca ter escrito nas páginas deste jornal que sou republicano. Porém, não o sou segundo a“fórmula jacobina” saída da Revolução Francesa de 1789, antes filosoficamente conforme o escrito e descrito há cerca de 2.350 anos por Platão na sua “A República” e na do seu discípulo Aristóteles “Tratado da Política” (perceptor de Alexandre o Grande), mas também regime político iniciado na Cidade Estado de Roma em 510 a. C., tendo como primeiros Cônsules (em duovirum) Lúcio Júnio Bruto e Lúcio Tarquínio Colatino, e que terminou a 27 a. C. com o início do Principado de Octaviano Augusto, sobrinho-neto, filho adoptivo e herdeiro político do famoso general e Cônsul Vitalício Júlio César (de 49.a.C. a 44 a. C.), até ao seu falecimento em 14 d. C. -Octaviano, erradamente tido como primeiro Imperador de Roma, não o foi, mas sim Princeps, i. e. “primeiro entre iguais”, tendo realmenteiniciádo-se o Império com o seu enteado e sucessor Tibério, cujo reinado ocorreu entre 14 d. C. e 37 d. C., -a título de curiosidade, refiro que Jesus Cristo nasceu no final do principado de Octaviano e foi crucificado e morto ao tempode Tibério.

Posto isto, cabe referir que Platão e Aristóteles tinham preferência por uma república “democrático-aristocrática”, devendo a Polis -Cidade Estado- ser governada pelos seus melhores cidadãos (filósofos), norteados por desinteresse de honrarias e bens materiais, antes procurando realizar a Justiça, a qual era entendida esta comoexercício do poder em prol do “bem comum”, escolhidos pelos demais concidadãos segundo critérios deelevados princípios éticos (vide “Ética a Nicómaco” de Aristóteles), sabedoria e virtudes públicas dos “candidatos”.

Voltando à Roma clássica, que lendariamente “nasceu” em 21 de Abril de 753 a. C., data estabelecida por Marco Terêncio Varrão (116-27 a. C.) com base em estudos astrológicos de Lúcio Tarúcio Firmano (Séc. I a. C.), mas que o historiador Tim Cornell, entre outros, sustenta ter sido cerca de 800 a. C.. De início Roma teve por regime e sistema de governo a monarquia.Porém, face à degenerescência da mesma e despotismo do seu último rei, Tarquínio “O Soberbo”, deposto pelo Senado e expulso da Cidade em 509 a. C., foi implantada a República democrático-aristocráticacentrada no Senado, cujos membros eram eleitos pelas duas categorias de cidadãos: cavaleiros -nobres- e plebeus. Esta era governada por Cônsules, tendo acesso ao Consulado membros das duas classes mediante eleições. Inicialmente o Consulado era exercido por dois Cônsules -duounviro- e apenas pelo período de um ano -posteriormente houve também a fórmula consular de triunviro-três Cônsules-, que poderiam exercer os seus mandatos por mais de 1 ano, mas sempre de duração muito limitada e permanentemente escrutinada pelo Senado. Excepcionalmente, em caso de grave perigo para Roma, devido a fenómenos naturais ou guerra, podia ser nomeado um Cônsul com poder de imperium, ou seja, com poderes ditatoriais, mas também apenas e exclusivamente pelo tempo tido por necessário definido pelo Senado.Este modelopolítico -o mais longo que Roma conheceu- visavaque os governantes não se “habituassem ao poder” e dele retirassem proventos pessoais e praticassem o nepotismo em detrimento do bem comum e do interesse da Respublica “coisa pública”, ou, segundo a própria “divisa de Roma”, ainda hoje lema da dita cidade, SPQR – Senatvs Popvlvs Qvae Romanvs (O Senado e o Povo de Roma).

Portanto, ainda que idealisticamente, é este o meu “republicanismo” -e quem nos dera que hoje tal fórmula de regime e governação, actualizada para os nossos dias, fosse possível e posta em prática!

Passando ao tema deste artigo, o mesmo tem a ver com a bombástica notícia da passada semana sobre o Rei Emérito Don Juan Carlos I ter comunicado oficialmente a seu filho El Rei Don Felipe VI de Espanha a decisão de abandonar o país e radicar-se algures no estrangeiro, tudo, segundo a sua carta tornada pública pela Casa Real, para, devido a factos passados da sua vida privada, não causar embaraços ao exercício das suas funções reais do actual Rei e à própria Coroa, assim como a bem dos Espanhóis.

Tal como tem sido amplamente noticiado nos media espanhóis e portugueses, o Rei Emérito estará alegadamente a ser investigado pelas autoridades suíças devido a ser titular e/ou último beneficiário de empresas e/ou de fundações sedeadas e com contas bancárias em “paraísos fiscais”, cujos valores serão de proveniência duvidosa.Ou seja, que os mesmos tenham origem emeventuais práticasdaquilo a que em Portugal é conhecido por “tráfico de influências”, crime previsto e punido pelo nosso Código Penal nos seus artigos nºs 372º (Recebimento indevido de vantagem) -prisão até 5 anos ou 600 dias de multa- ou 382º (Abuso de poder) -prisão até 3 anos ou com pena de multa.Também se especula sobre se a Procuradoria-Geral junto do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha estará ou não a proceder a investigações, sendo que nada foi confirmado-mas neste caso, devido a possível “fraude fiscal”, crime que no nosso País está previsto e punido pelo artigo nº 103º (Fraude) -prisão até 3 anos ou multa até 360 dias- do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Uma vez que desconheço o Ordenamento Jurídico Espanhol, assim como os factos em concreto que poderão estar na base de tais alegadas investigações, tenho por bem não me pronunciar sobre os mesmos, ou seja sobre meras especulações jornalísticas e populares -é que sou absolutamente contra julgamentos feitos nos jornais e tvs que antes de qualquer decisão judicial transitar em julgado com absolvição ou condenação dos visados, os mesmos são de imediato condenados em “praça pública” e vítimas de “assassinato de carácter”. Portanto apenas refiro que, segundo os media espanhóis, El Rei Emérito Don Juan Carlos I já terá pagado ao Fisco de Espanha o valor de impostos que julgou serem devidos pelos seus negócios particulares, os quais terão sido efectuados ainda como Rei de Espanha -portanto antes da sua abdicação em 2014.

Porém, segundo noticiado pela revista “Exame”, de 26/06/2014, as Cortes Espanholas (Câmara dos Deputados e Senado, ou só a primeira) aprovaram nesse mesmo mês e ano uma lei especial que concede imunidade ao Rei Emérito Don Juan Carlos I, o que faz com que este apenas possa responder perante o Supremo Tribunal de Justiça de Espanha, e não perante qualquer outro cível ou criminal. Portanto, será de bom tom e de toda a prudência aguardar se a Procuradoria-Geral da Fiscalia (Ministério Público espanhol) abre ou não um inquérito criminal junto do dito Tribunal contra o Monarca Emérito.

Seja como for, e porque como soi dizer-se em Portugal, “a memória dos povos é curta” e existem “pobres e mal agradecidos”, para além das infelizmente habituais notícias tendenciosas e verborreias de “comentadeiros” que tão só visam tudo menos a objectividade e a verdade, antes vender jornais, obter audiências televisivas e auto-promoção dos últimos -que despudorada e ignorantemente de manhã falam de política, à tarde de economia e à noite de futebol, quais sábios iluminados pelo Espírito Santo (III Pessoa da Santíssima Trindade) olvidam tudo quanto de bom o desgraçado que caia nas suas “garras” tenha feito (até em benefício desses mesmos), limitando-se a impunemente fazer “juízos de valor”, “processos de intenção” e “assassinatos de carácter”, pois isso é que lhes dá dinheiro -esse sim, verdadeiramente sujo!- e, não raramente, pago pelos nossos impostos, caso da RTP e dos 13 milhões de Euros com que António Costa “comprou” os jornais e canais de tvs privados de âmbito nacional.

Não me compete absolver ou condenar Don Juan Carlos I, já que não sou juiz e muito menos espanhol, e também não tenho procuração do mesmo para o defender, mas nesta fase em que tudo e todos parecem atirar-se a ele como “gato a bofe”, sobretudo em Portugal que nada tem a ver com o assunto, em consciência não posso deixar passar em claro todo o seu sacrifício pessoal e serviço público prestado aos Espanhóis e a Espanha.

Para quem queira conhecer a sua vida, aconselho a leitura da biografia (a mais famosa e talvez a melhor até hoje escrita e publicada) “JUAN CARLOS -Biografia” de Paul Preston, editada em Abril de 2004 pela Quetzal Editores, e “ANATOMIA DE UM INSTANTE” de Javier Cercas, editada em Janeiro de 2011 por Publicações Dom Quixote (esta é a melhor obra de investigação sobre o famoso “23 F”, ou “Tejerada”, como ficou conhecida em Espanha a tentativa de golpe de estado por sectores radicais franquistas em 23/02/1981) -estes dois livros certamente nunca foram lidos, nem sequer conhecidos, por parte de quem hoje em Espanha, e sobretudo em Portugal, pretende hoje “crucificar” o Rei Emérito Espanhol.

Juan Carlos de Borbón viu-se privado da sua adolescência e juventude junto da Família e amigos, ao tempo exilada no Estoril, pelas disputas e jogos de poder entre seu pai Don Juan de Borbón Conde de Barcelona (filho de El Rei Don Alfonso XIII, que em 14/04/1931 abdicou da Coroa e se exilou em Itália, dando lugar à II República Espanhola), e o Caudillo e Generalíssimo Francisco Franco vencedor da Guerra Civil de 1936-1939, os quais não “morriam de amores” um pelo outro.

Franco era sobretudo um militar (e grande militar), conservador, católico e monárquico, e. é bom que se diga, seguiu a “moda” política do seu tempo: a autocracia -no seu caso “fascizante”, mas não totalitária (vide“FASCISTAS” de Michael Mann, Junho de 2011, Edições 70),devido à integração no Movimiento Nacional (organização corporativa parte do próprio Estado, com direito a ministro no Governo) de várias estruturas civis, como o partido único organizado de forma para-militar“ Falange Espñola Tradicionalista y JONS” (Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista) “herdada” do “mártir” José António Primo de Rivera, fuzilado por motivos políticos a 20/11/1936 pelas milícias republicanas esquerdistas na Prisão de Alicante, já em plena guerra civil, iniciada com o Alzamiento de 24/07/1936, sobre o qual escrevi há 3 semanas neste jornal); organizações patronais e sindicais, etc., mas que nunca subordinou todas as organizações, nomeadamente culturais, desportivas, religiosas e, sobretudo, económicas (empresas, iniciativa e propriedade privada) aos ditames do Estado.

Volvendo ao adolescente e jovem Juan Carlos, o mesmo foi educado e formado sob a “batuta” de Franco, com vista a prepará-lo para um dia ser um dos seus hipotéticos sucessores como Rei, mas abinitio demonstrando preferência por ele. Entretanto, Don Juan Conde Barcelona, só muito tardiamente e perante o facto consumado, é que aceitou “abdicar” dos seus direitos dinásticos e sucessórios a favor de seu filho Juanito (como era tratado Juan Carlos pela Família). Ou seja, o Pai do Rei Emérito procurou, com o “exílio” de seu Filho em Espanha “junto” a Franco, assegurar a restauração efectiva da Monarquia na Dinastia Borbón y Borbón, por contraponto à possibilidade de Franco nomear como seu sucessor seu sobrinho Don Alphonse de Bourbon y Dampierre Duque de Anjou e Cádiz (cidadão francês), “legitimista” Carlista, neto de Don Alfonso XII.

Com a capitulação de Madrid a 1 de Abril de 1939, terminou a Guerra Civil e iniciou-se o Regime Franquista, o qual até 1947, não foi um mero prolongamento da II República, a qual terminou com a vitória nacionalista, mas também não implicou a restauração da monarquia. Foiportanto um regime híbrido, tendo o Caudillo e Generalíssimo restaurado a Monarquia em Espanha -mas sem Rei- apenas pela Lei da Sucessãode 1947, a qual formalizou a sua própria como Chefe de Estado por um monarca. Portanto, só a partir dessa data se começa a vislumbrar, com progressiva manifestação de preferência por Juan Carlos (até pelo cuidado posto por Franco na sua educação civil e militar), a quemem 1969 conferiu o título de Príncipe de Espanha (não Príncipe da Astúrias, pois sendo esse o título do sucessor do Monarca reinante, implicaria o reconhecimento pelo Caudillo da legitimidade à Coroa de Don Juan de Borbón Conde de Barcelona, o que nunca reconheceu), nomeando-o formalmente seu sucessor.

Com a morte do Cudillo e Generalíssimo Francisco Franco a 20 de Novembro de 1975 e proclamação como Rei de Espanha Don Juan Carlo I a 22 do mesmo mês, a primeira medida que este tomou foi a de suspender a aplicação da pena de morte por fuzilamento a que tinham sido condenados em tribunal militar membros da ETA (EusKadi Ta Alcartasuna-Pátria Basca Livre), organização armada clandestina, ou “terrorista” de esquerda, que durante muitos anos, até ter anunciado formalmente a sua dissolução em 2019, lutou de forma violenta pela independência dessa Região Autónoma do País Basco face a Espanha mediante atentados bombistas e assassinatos de políticos e empresários bascos, mas sobretudo de oficiais -mesmo generais- da Guardia Civil (congénere da GNR portuguesa, mas mais poderosa em meios humanos e armados) e do Exército (três das suas acções “emblemáticas” foram o atentado bombista que em 1973 vitimou o próprio Presidente do Governo de Franco, Almirante Luís Carrero Blanco em Madrid, um outro em Barcelona que fez muitas vítimas civis e o assassinato de um juiz do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha nas próprias instalações do mesmo na capital espanhola).

Logo após a sua “subida” ao Trono e até 1978, data de aprovação da actual Constituição do Reino e Espanha, El Rei Don Juan Carlos I iniciou e empenhou-se na famosa Transição (ou seja, sempre ao abrigo das Leis Fundamentais do Estado do tempo de Franco -o Regime Franquista nunca teve uma Constituição), durante a qual a Monarquia se foi aceleradamente democratizando, sobretudo com a legalização de partidos políticos (incluindo o “velho” Partido Comunista Español do histórico Santiago Carrillo -que até à morte em 2012 sempre teve em grande consideração o Rei e a Coroa, embora naturalmente fosse republicano), eleições livres para as Cortes (parlamento bicameral) e aprovação por referendo da Constituição em 1978 por esmagadora maioria dos Espanhóis (em que os próprios Reis Don Juan Carlos I e a Rainha Dona Sofia participaram tendo comunicado que votariam “sim” -única vez que votaram- para darem o exemplo), prevendo a mesma, e por vontade real, que o Monarca apenas desempenharia funções protocolares, sem qualquer intervenção nos “negócios do Reino”, quer em termos legislativos, como executivos.

Porém, sobretudo devido a um forte incremento dos atentados terroristas da ETA, em 23 de Fevereiro de 1981 deu-se a tentativa de golpe de estado conhecida por “23 F” ou “Tejerada”, levada a cabo por sectores civis e militares radicais franquistas, dos quais sobressaíram como inspiradores e executores os Capitães-Generais do Exército Alfonso Armada, ex-Secretário da Casal Real de Juan Carlos I, Miláns del Boch, Governador Militar de Valência e o Coronel da Guardia Civil.

EnquantoArmada manobrou nos bastidores com vista ao aliciamento das cúpulas militares de Espanha para o golpe, del Boch tomou Valência com os seus militares e carros de combate e Tejero ocupou o Palácio das Cortes no centro de Madrid, e sequestrou o Governo e os deputados -tudo, alegando o primeiro, que o levantamento militar seria do conhecimento e teria a anuência do Rei.

A verdade é que não só nunca se provou qualquer envolvimento de Juan Carlos na tentativa de golpe a favor dos revoltosos, como imediatamente -à margem da Constituição- reassumiu todos os poderes herdados de Franco, constituiu um “governo sombra” e assumindo-se na prática como Comandante Supremo das Forças Armadas desmobilizou todos os potenciais capitães-generais governadores e chefes regionais, incluindo a toda poderosa Divisão Blindada Brunet sedeada em várias unidades militares na área de Madrid, inicialmente alinhada com os golpistas.

Assim, após um frenético período de contactos com todas as chefias militares nacionais e regionais desde o fim da tarde de 23 de Fevereiro até meio da madrugada do dia 24, logrou obter a fidelidade das Forças Armadas à Coroa, fazendo com que a tentativa de golpe “abortasse” e, já seguro do êxito das suas diligências, dirigiu-se aos Espanhóis (e sobretudo aos militares enquanto seu Comandante-Chefe) pela TVE a partir do seu gabinete no Palácio da Zarzuelacerca das 3 ou 4 horas daquele último dia, afirmando que tinha ordenado a todas as autoridades civis e militares a obedecerem aos respectivos órgãos e comandos hierárquicos legítimos previstos na Constituição.

Portanto, não obstante este “sobressalto”, Espanha e os Espanhóis não só devem a Don Juan Carlos I a implantação do regime monárquico constitucional, democrático e pluralista, como a sua sobrevivência após o “23 F”, o que faz com que tal dívida de gratidão seja muito superior a qualquer eventual procedimento menos ético na esfera da sua vida privada.

Por fim, direi que Don Juan Carlos I -e pelos melhores motivos!- já tem garantido o seu lugar na história política de Espanha, da Europa e do Mundo do Séc. XX, como o último “verdadeiro” Rei europeu.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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