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ESTADO –Soberania e Saúde

29-05-2020 - Francisco Garcia dos Santos

Em termos filosófico-políticos -e sobretudo no que às questões económico-sociais concerne-, sempre defendi os direitos à livre iniciativa económica e propriedade privada, o que não implica entender que o Estado seja “mínimo” e mero “árbitro” ou “socorrista” num sistema puramente liberal.

Parafraseando o General António Ramalho Eanes,e com a devida vénia fazendo minhas as suas preclaras e sábias palavras, direi:

O Estado não deve ser máximo nem mínimo, mas sim o necessário .

Concebendo assim a dimensãodo Estado, ou seja,o seu poder soberanoe deintervenção na vida da Comunidade, numa senda hegeliana, schmitttiana e bismarckiana (por sinal alemã), tal implica que o mesmo, para além de assegurar e exercer as clássicas funções de soberania nacional em nome do Povo e para o Povo: defesa/segurança,justiça, relações externas (diplomacia) ecunhagem de moeda/ fiscalidade; deve ainda, em prol do bem comum, assumir uma nova função, a social. Esta última foi“pensada” eprimeiramente exercida, ou posta em prática, por Otto von Bismarck na década de 1880, enquanto Chanceler do Império da Alemanha, que o foi de 1871 a 1890 (ano da sua morte), sob os Imperadores Guilherme I, Frederico II e Guilherme II. Esta nova função do Estado está na origem do modelo de estado social adoptado na generalidade dos países europeus ao longo do Séc. XX. E nessa função social incluem-se a educação/ensino,cuidados de saúde, assistência e previdência social -tudo de carácter público, geral e universal, e sua promoção e execução tendencialmente gratuitasvia orçamento de Estado, oucustos comparticipados por cidadãos e empresas mediante taxas reduzidas e segundo nível sócio-económico de cada beneficiário individualmente considerado, ou por agregado familiar.

Mas para além disto, entendo que o Estado deve reservar para si o controlo, que não monopólio, de sectores estratégicos da economia nacional e sobrevivência/subsistência do seu Povo em caso de criseinterna e sobretudo internacional, como sejam de saúde pública (vide a da Covid-19, nacional e mundial), catástrofes naturais (enchentes, incêndios, tremores de terra, etc.), graves alterações da ordem pública (v. g. distúrbios sociais e vandalismo de minorias que prejudiquem no todo ou em parte a Comunidade, bem como atentados terroristas em larga escala) e fortes ameaças bélicas, ou até ataques, por parte de outros Estados. E tal controlo estratégico-económico não significa necessariamente que as respectivas empresas (todas ou algumas) sejam estatais, mas sim que o Estado tenha nelas ( ou nalgumas delas) posições accionistas dominantes ou de referência, que a todo o tempo, e em caso de extrema e imperiosa necessidade, lhes permitam assumir total ou parcialmente as respectivas gestões em prol do interesse público, mas nunca impeditivas de inviabilizarem que estejam ou sejam cotadas em “bolsa” -é este o modelo seguido, pelo menos desde início do Séc.XXI, pela República Popular da China, aliás com assinalável êxito. É que essas grandes empresas extremo-orientais (caso da “China Three Gorges Corporation”, empresa estatal energética da R. P. China e sediada em Pequim, que através da sua subsidiária, por aquela detida a 100%, “China ThreeGorges (Hong Kong), Co. Ltd.”, que por sua vez detém a totalidade do capital da “China Three Gorges (Europe), S. A.”, e mediante esta titular de pelo menos 21,47% do capital da portuguesa EDP, e por último e intermédio desta, detentora da também lusa “EDP Renováveis” em 82,6% do respectivo capital social -note-se que ambas as “EDPs” estão cotadas em Bolsa), dizia, tais grandes empresas, não obstante serem estatais, directa ou indirectamente estão cotadas nas grandes bolsas de valores mundiais de Nova Iorque e Londres, para além de outras de importantes “praças financeiras”, como as do “espaço Ásia Pacífico” de Hong Kong e Singapura, aliás estes dois últimos considerados offshores ou paraísos fiscais.

Para terminar esta parte, julgo será consensual considerar-se como actividades económicas, ou empresas estratégicas, as dos sectores de: produção, transformação e abastecimento/distribuição de água, energia eléctrica, combustíveis fósseis (vulgo gás e petróleo); telecomunicações (onde incluo uma estação de radiodifusão e televisiva não dependente do “cabo” -caso da RTP e TDT);transportes aéreos e marítimos de “bandeira”; infra-estrurasaéro-portuárias, marítimo-portuárias, ferroviárias e rodoviárias; farmacêuticas e ligadas à produção de equipamentos e produtos médico-sanitários (v. g. novamente o caso da Covid-19); produção, transformação e logística/distribuição de bens alimentares e outros produtos de primeira necessidade -nalguns destes casos as Forças Armadas podem e devem ter um “papel” de grande relevo, mesmo em “tempo de paz”, pois a sua estrutura organizativa e cadeia de comando hierárquica permitem que com grande rapidez e eficácia respondam às necessidades urgentes das populações, e de forma diversificada e polivalente (recorde-se uma vez mais a crise a Covid-19 em Portugal).

Volvendo à função social do Estado, onde se inclui um serviço público de saúde, como é o caso do português Serviço Nacional de Saúde (SNS), aliás expressamente previsto no artigo 64º (Saúde) da Constituição da República Portuguesa, que prescreve, entre outras normas nele ínsitas:

1 . Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

2 . O direito à protecção na saúde é realizado:

  • Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;…

Não obstante o actual SNS ter sido criado 1979 (Lei nº 56/79 de 15 de Setembro) pelo governo independente e de iniciativa presidencial chefiado por Maria de Lurdes Pintassilgo, sendo à data Presidente da República o General António Ramalho Eanes, a verdade é que tal Serviçofoi inspirado e promovido -e bem!-por António Arnaut, fundador e militante do PS, enquanto titular da “pasta” dos Assuntos Sociais no governo imediatamente anterior liderado por Mário Soares e sustentado por uma fugaz coligação PS-CDS.

Desde a sua fundação o SNS tem vindo a funcionar em decrescendo, isto é, a qualidade dos seus profissionais e serviços prestados mantêm um nível de excelência, assim como as instalações de vários hospitais (v. g. Hospital de Cascais) e centros de saúde (v. g. o de Sete Rios, Lisboa); porém, em termos quantitativos, ou seja, de número de pessoal de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos, auxiliares e eventualmente outros), como diz o Povo, “não chega para as encomendas”. É que não são segredos para ninguém (e escrevo por experiência própria de utente regular do SNS) os seguintes factos: nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como noutros grandes aglomerados urbanos do litoral, é dificílimo conseguir ter “médico de família”; a marcação de consultas nos centros de saúde e hospitais (salvo raras excepções), para além de serem difíceis, e em muitos casos exigir que o paciente, ou alguém por ele, vá ao raiar da aurora para a porta do centro de saúde para o conseguir, após “heroicamente” lograr a marcação da consulta, se for de clínica geral, arrisca-se a esperar 2 ou 3 meses, mas se for de especialidade, voltando a um jargão popular, “bem que pode esperar sentado” -ou então “chamado” para a mesma depois de morto! (tal sucedeu com pessoa minha íntima amiga, que após um ano sobre a data do óbito, a família recebeu uma carta com a data marcada para a consulta de especialidade, no caso Oncologia); as listas de espera para consultas de especialidade e cirurgias, mesmo consideradas urgentes, na maioria dos casos são de meses, e,nalguns, de anos.

E isto porquê!?

Crónica falta de recursos humanos (e até de instalações)adequados às necessidades da população, seja pelo progressivo acréscimo de habitantes nas grandes áreas urbanas, como o envelhecimento da mesma e maior longevidade -logo maior número de utentes e com várias patologias crónicas, com necessidade de cuidados de saúde primários e de especialidade e/ou hospitalares.

Porém, em vez de se assistir a um real aumento de profissionais de saúde do SNS para fazer face às reais necessidades, o que se tem vindo desde há muito a verificar é pouquíssimo mais do que reposição de vagas abertas por reformas, óbitos e, o mais dramático, “fuga” para o sector empresarial de saúde privado, seja por pagar mais do que o Estado, ou porque oferece melhores condições de trabalho.

Não sou, nem tenho nada contra, antes defendo, a existência de prestadores de serviços de saúde privados, aos quais também recorro quando necessário, sendo que os cuidados prestados sempre foram excelentes -mas o recurso a estes só é possível em 3 situações: os médicos ou clínicas terem convenções com o SNS ou outro subsistema de saúde, v. g. ADSE ou o IASFA (militar); ter um seguro de saúde razoável, mas cujo prémio tem de ser pago (e, frequentemente, não é pouco!); ou então ser rico.

O que não pode é continuar a haver um contínuo e progressivo desinvestimento por parte de diversos governos no SNS, sejam eles de que partido forem (invariavelmente liderados por PS e PSD), o que é patente não nas rúbricas dos Orçamentos de Estado, em que constam as dotações para o Ministério da Saúde e SNS, mas sim nos relatórios da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) da Assembleia da República, a qual é independente e objectiva -e esta, ano após ano, relata que os acréscimos de dotações orçamentais para a Saúde se limitam a proporcionar o pagamento parcial de enormes dívidas a fornecedores e de prestadores de serviços, sendo o saldo de investimento em novas contratações para aumento efectivo de pessoal e outros recursos materiais francamente negativo.

Devido a súbito e grave problema de saúde de que fui acometido neste ano e em pleno “estado de emergência”, tive de recorrer a uma clínica privada, e após 4 dias o médico dessa mesma clínica, pessoa de grande ética e profissionalismo, bem como de assinalável humanidade, “enviou-me” para a urgência dum dos maiores hospitais centrais públicos de Lisboa, no qual, entre a chegada ao balcão da Urgência Central e estar “esticado” na marquesa do Serviço de Cirurgia, não cheguei a demorar 30 minutos. E claro que os cuidados prestados foram, e continuam a ser, de excelência (ainda lá estou,e continuarei a estar, a ser “seguido”)-e refiro-me a médicos, enfermeiras, pessoal administrativo e até de segurança privada, que para além do elevado grau de profissionalismo, igualmente é de um humanismo e simpatia dignos de enaltecimento público e registo -e o mesmo é válido, sem distinção, para todos os profissionais que trabalham no centro de saúde da minha área de residência.

Portanto, bem que o Presidente Marcelo, o Primeiro Ministro Costa e a Ministra da Saúde Temido podem tecer loas públicas aos profissionais do SNS a propósito da Covid-19, o que parece bem à populaça e apenas “custa saliva”. Mas o que todos esses profissionais necessitam não é de agradecimentos verbais, públicos e demagógicos, mas sim de verem o seu esforço e mérito reconhecidos e recompensados mediante actos, ou seja, prémios de produtividade, revisão de carreiras profissionais e aumento dos salários mais baixos, que ao nível de enfermagem e de auxiliares obriga muitos a terem dois empregos, com grave prejuízo do seu mais do que legítimo e merecido direito ao descanso, mas que a tal têm de se sujeitar, pois só um ordenado líquido muito aquém de 1.000,00 Euros mensaisnão chega para subsistir com um mínimo de dignidade em termos pessoais e/ou familiares, sobretudo nas grandes áreas urbanas.

Concluindo, o SNS não vive devido aos políticos que reiterada e sucessivamente o (des)governam, antes sobrevive mediante o abnegado empenho profissional, esforço e sacrifício pessoal, espírito de missão e de serviço ao próximo da esmagadora maioria de quem nele trabalha.

A todo o pessoal de Saúde sem excepção, mas com relevo para o do SNS, aqui manifesto a minha gratidão e presto homenagem públicas.

Notas:António Ramalho Eanes, General, Chefe de Estado-Maior do Exército, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, 1º Presidente da República eleito democraticamente pós 25/Abr./1974 (2 mandatos: 1976-1986), doutorado em Ciência Política pela Universidade de Navarra, Pamplona, Espanha; Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão fundador da teoria do Estado moderno (1770-1871); Carl Schmitt, jurista e teórico político alemão, sobretudo do “poder e soberania do Estado”, mormente em caso de “excepção” (1888-1985); Otto von Bismarck), Príncipe de Bismarck, Duque de Lauenburg, Ministro-Presidente da Prússia (1873-1890, fundador e Chanceler do Império da Alemanha, II Reich (unificador de todos os países germânicos sob um único Estado, cognominado ”Chanceler de Ferro”),e teórico fundador do “estado-social” (1815-1898).

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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