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Corrupção e má aplicação da Lei: O Caso de Augusto Tomás

01-05-2020 - Paulo Zua

Augusto Tomás devia estar, neste momento, em liberdade. Isto não quer dizer que seja inocente ou culpado dos crimes de que o acusam. Na verdade, o Tribunal Supremo já o condenou a oito anos de prisão, mas não há uma decisão executável, pois aguarda-se o pronunciamento do Tribunal Constitucional. Em Angola, há uma lei e espera-se que essa lei seja aplicada com rigor técnico e justiça, sendo precisamente este o ponto fundamental que está a falhar.

No Maka Angola, sempre se defendeu o combate à corrupção. Aliás, o mote deste portal é: “Em defesa da democracia, contra a corrupção.” Por isso, temos acompanhado com total imparcialidade o caso de Augusto Tomás, antigo ministro dos Transportes e figura de relevo do consulado de José Eduardo dos Santos (ver aqui e aqui).

O que temos observado, do ponto de vista jurídico, é que se trata de um caso que constitui um símbolo maior do combate à corrupção em Angola, já que não existe nenhuma outra personalidade relevante presa. No entanto, todo o caso tem sido uma trapalhada.

E, se o caso Augusto Tomás é uma trapalhada jurídica, tal vai acabar por contaminar indelevelmente o combate à corrupção, tornando-o num simulacro de justiça: um esforço oco, arbitrário, que em última análise só descredibilizará o presidente da República, João Lourenço.

Portanto, exigir a aplicação da lei no caso Augusto Tomás, como em todos os casos, mais não é do que garantir que o combate à corrupção se mantém forte e saudável, e corresponde aos anseios de um país justo e livre.

Não há combate à corrupção sem obediência à lei, pois o desrespeito pela lei é, naturalmente, uma forma de corrupção.

Analisemos os dados concretos deste caso em particular.

Augusto Tomás foi detido a 21 de Setembro de 2018. Segundo a letra da lei, poderia ficar em prisão preventiva até 21 de Setembro de 2019, sendo esse prazo eventualmente susceptível de prorrogação, devidamente fundamentada, até 21 de Novembro de 2019. Esta conclusão resulta da aplicação do artigo 40.º da Lei das Medidas Cautelares (Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro). A alínea c) do n.º 1 do artigo 40.º, conjugada com o n.º 2 e 3 do mesmo artigo, estabelece como prazo máximo de prisão preventiva 14 meses sem condenação em primeira instância.

A 15 de Agosto de 2019, Augusto Tomás foi condenado em primeira instância a mais de 14 anos de prisão. Imediatamente, interpôs recurso para o Tribunal Supremo, e assim essa primeira condenação ficou suspensa. No final de Novembro de 2019, a pena de Augusto Tomás foi reduzida para oito anos pelo Tribunal Supremo, num acórdão pejado de votos de vencido que alegavam não lhes ter sido dado tempo para analisar o processo, como o juiz conselheiro Norberto Capeça, que afirmou: “Não me foram garantidas as condições legais para que, de forma conscienciosa, pudesse formar a minha convicção.”

Nessa altura, Augusto Tomás interpôs para o Tribunal Constitucional, como a lei lhe permitia, um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade do acórdão que o condenou, nos termos do artigo 50.º da Lei Orgânica do Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, revista pela Lei n.º 25/ 10, de 3 de Dezembro).

Ora, nos termos do artigo 44.º a) da Lei Orgânica do Processo Constitucional, a interposição de recurso tem efeito suspensivo. Esta norma aplica-se ao recurso de Augusto Tomás por força do artigo 52.º, n.º 1 da mesma lei.

Admitindo que todos os prazos processuais foram cumpridos, a verdade é que neste momento corre no Tribunal Constitucional um recurso da condenação de Augusto Tomás que tem efeitos suspensivos, como efeitos suspensivos teve o recurso inicial para o Tribunal Supremo.

Ao conceder este efeito suspensivo aos recursos, a lei determina que a sentença objecto de recurso não possa ser executada (ver, por exemplo, o artigo 692.º do Código do Processo Civil).

Há aqui uma determinação de inexequibilidade da sentença.

Isto quer dizer, na prática, o quê? Significa, que enquanto o recurso referente ao acórdão não for decidido, este não pode ser colocado em prática. Em termos simples, no caso de Augusto Tomás, a implicação é que, enquanto o Tribunal Constitucional não decidir sobre a inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Supremo que o condenou a oito anos de prisão, esta medida não pode ser executada. Augusto Tomás não pode estar a cumprir a pena de prisão a que o Tribunal Supremo o condenou.

Então, se não pode cumprir pena em virtude da decisão do Tribunal Supremo, pois esta não pode ser executada, qual a razão para Augusto Tomás estar preso?

Poder-se-á afirmar que se encontra em prisão preventiva. Mas a que título? Já passaram 14 meses desde a sua prisão, e a decisão de primeira instância não persistiu na ordem jurídica: primeiro, foi suspensa; depois, foi afastada por outra que não pode ser executada.

Percebe-se, consequentemente, que não existe uma razão jurídica para manter Augusto Tomás preso. Em termos de prisão preventiva, já passaram os prazos; em termos de pena final, esta não pode ser ainda executada. Por este motivo, Augusto Tomás deve ser libertado e aguardar em liberdade a decisão do Tribunal Constitucional. Sendo certo que, obviamente, pode estar sujeito a outras medidas de coacção.

Se o Tribunal Constitucional resolver não dar razão ao arguido e se não houver recursos legítimos adicionais, Augusto Tomás deve voltar para a cadeia, para então cumprir a sua pena.

A insuficiência da lei penal para combater a corrupção

Desta exposição sumária resulta que a lei referente à prisão preventiva é insuficiente para acautelar situações em que os processos têm vários recursos ao seu alcance e se podem prolongar no tempo, pois apenas define como parâmetro uma decisão de primeira instância e os tais 14 meses. Obviamente que essa decisão de primeira instância tem de ser definitiva, depois de decididos todos os recursos com efeitos suspensivos.

Saliente-se que houve uma salutar preocupação humanista no legislador, de modo a não deixar prolongar em demasia a prisão preventiva e obrigar à celeridade processual.

A outra possível interpretação da norma, segundo a qual bastaria uma mera decisão de primeira instância para permitir um prazo indefinido de prisão preventiva, desconsiderando posteriores recursos com efeito suspensivo, não tem sustentação, pois corresponderia a manter uma pessoa sem liberdade por tempo indefinido e ilimitado, sem condenação definitiva, o que é manifestamente inconstitucional.

O problema de fundo é que os poderes legislativo e político decidiram que o combate à corrupção poderia ser feito com os meios e os instrumentos comuns. Ora, isto infelizmente não resulta.

Temos defendido que a corrupção em Angola é um fenómeno de tal maneira espalhado e grave que merecia novos meios e novas leis, designadamente órgãos próprios, normas sobre a colaboração premiada e acordos com chancela judicial, e que, por isso, o impulso certo e constante do presidente deveria ter sido acompanhado por medidas legislativas e instrumentos executivos correspondentes. A falta deste enquadramento gera situações como a de que falámos. Em resumo, o caso de Augusto Tomás é exemplar, apenas no sentido em que demonstra que não é assim que se combate a corrupção. São precisos novos meios, novas pessoas e nova legislação. Um novo fôlego, portanto.

Fonte: Maka Angola

 

 

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