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…e os loucos, quem os cuida?

10-04-2020 - Francisco Pereira

Chove, o dia está soturno, céu plúmbeo, nuvens escuras a perder de vista, ao longe soam sinos, são oito da manhã, está frio. Alheio a isso tudo um homem caminha a direito sem evitar as poças de água, veste um casaco surrado, calças sujas de ganga, nos pés umas sapatilhas de ar miserável, os cabelos compridos estão molhados, barba hirsuta com cãs, é um homem que ainda não tem 50 anos, mas parece ter mais, há muito que perdeu o tino.

Percorre as ruas da cidade duas ou três vezes por dia, vasculhando os contentores do lixo, fala alto, os olhos estão vazios, a loucura instalou-se faz muito tempo, vive num casebre quase em ruínas, numa rua da cidade, vive na maior das misérias numa casa que nunca foi sua mas não conhece outra, está lá por esmola do senhorio que não precisa da casa, há bem mais de uma década que ali vive, sozinho.

Dias depois, num parque de estacionamento, lá está uma visita costumeira, é uma rapariga, idade indefinida, mas terá menos de 30 anos seguramente, tem um visível e acentuado atraso mental, anda por aí, vasculha os contentores do lixo, pede moedas.

Anda normalmente suja, tem piolhos, que cata encostada a um carro onde agora bate o Sol da tarde, um sol miudinho mas agradável, pertence a uma família desestruturada, sem regras de civilidade, cresceu assim e por aqui anda, com a sua loucura, abandonada, suja e mal cuidada.

Talvez nesta cidade onde habito existam outros casos semelhantes aos que descrevi, casos de gente a quem a razoabilidade abandonou, por algum motivo, não conheço outros porém, aos dois de que vos falei, conheço-os bem vejo-os quase todos os dias, são um perigo para a saúde pública mas são sobretudo um perigo para si próprios, revelando uma realidade muito simples mas atroz, a realidade da falência de uma sociedade que deixou de ter empatia para com os menos afortunados.

De que nos valem então as torrentes de “doutoras” e de “doutores” que enxameiam os serviços sociais, as comissões disto e daquilo que enchem os dias com os seus ares de superioridade e gastam a sua verborreia em intermináveis reuniões, de que nos valem os exércitos de “voluntários” cheios de boas intenções e de instituições que vivem do subsidiozito pago com os nossos impostos, do que nos vale isso tudo que não são capazes de ajudar dois pobres e miseráveis loucos.

Que raio de sociedade esta, que adora arrotar postas de pescada sobre tudo e mais alguma coisa, uma sociedade que vive à beira do tal “burnout”, que corre sempre cada vez mais, cheia de aparelhos, cheios de selfies e apps, não haverá uma app que sirva para nos fazer parar e criar empatia com o sofrimento?

Pois não deve haver, não pode haver, porque se existisse algo assim, poderíamos não ter os loucos a despejar caixotes, sós, abandonados pelas ruas, como se fossem mais um sub produto de uma sociedade demasiado ocupada para dar importância a quem não alinha pelo padrão d dita “normalidade”. Vale bem a pena as patranhas da modernice que nos enfiam pela goela, quando nem são capazes de tratar condignamente dois pobres loucos, quando não são capazes de cuidar de duas pessoas que tanto precisam de ser cuidadas.

Francisco Pereira

 

 

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