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Fugir da guerra para Portugal por ser a terra de Ronaldo

03-08-2018 - Céu Neves

Portugal abriu a porta a 30 dos 240 refugiados resgatados do Mediterrâneo pelo navio Lifeline. "É o meu país de sonho. É a terra de Cristiano Ronaldo", respondeu Abdoulaye Bangoura quando ouviu o nome do país que o iria receber.

inta pessoas, oito nacionalidades, 26 homens, duas mulheres, uma família de mãe com o filho. Todos eles vivem desde domingo à noite no Centro de Acolhimento de Refugiados (CAR) da Bobadela. O DN falou com três: dois homens e uma mulher. Eles vêm à procura do sonho de ser futebolista. Ela quer ter voz enquanto mulher.

São jovens, solteiros, trocam as primeiras impressões, dão uma volta pelo Bairro de São João, na Bobadela, onde se localiza o CAR , tentam perceber onde estão. Ouviram explicações sobre as regras da casa, receberam dinheiro para comprar comida, já que são os residentes a confecionar as refeições. "Um supermercado muito grande, não sabia o que comprar, acabei por trazer ovos", conta Ahmed Jablid, confessando que não tem treinado muito na cozinha. Recebem 150 euros por mês cada, para a comida e transportes, além dos alimentos fornecidos pelo Banco Alimentar.

Cozinhar é mais uma coisa que Jablida terá de aprender, além do português, das leis e de que documentos precisa para pedir residência: por razões políticas ou humanitárias. "São requerentes de asilo como os que aqui chegam diretamente [pedidos espontâneos], a função do Centro Português para Refugiados (CPR) é apoiá-los, seja um ou venham em grupo", explica Tito Matos, diretor do espaço.

Abdoulaye Bangoura já viu um campo de futebol e quer perceber como se pode juntar ao grupo que ali joga. "Não tenho papéis, não tenho residência, Tenho de saber o que preciso de fazer para entrar para uma equipa", diz. Jogava futebol no Assani, na Guiné-Conacri, onde nasceu há 19 anos. Ele e cinco amigos fugiram há um ano.

Todos bons futebolistas, garante, com o sonho de jogar na Europa. Ele em "Portugal, a terra de Cristiano Ronaldo". O jogador da Juventus é o seu ídolo desde que se lembra de ver futebol, conhece bem as equipas por onde passou o português, é admirador de todas elas, em especial do Sporting e do Real Madrid. Agora vai apoiar a Juventus, "claro !" Abdoulaye colecionou camisolas com o número sete, que foi perdendo durante a viagem. E, se o craque não vai à Bobadela, o guineense quer ir à Academia de Alcochete

Abdoulaye e os cinco amigos viajaram pelo Mali. Em Gao foram apanhados pelos conflitos armados. "Toda a gente armada, tiroteios de dia e de noite, os rebeldes dispararam sobre nós, fomos feridos, um com gravidade. Mas com a graça de Deus conseguimos fugir ". Abdoulaye é muçulmano.

Conta que a cor da pele, mais escura, foi sempre um problema enquanto atravessou África. Terríveis foram os dez dias que passou no Mali. "Vi muitas pessoas a morrer, cortavam-lhes a cabeça como se fossem ovelhas, perdi um dos meus amigos".

Traficado várias vezes

Na fronteira do Mali com a Argélia Abdoulaye foi preso, traficado várias vezes. E, na Líbia, onde ficou um mês e dez dias, não sofreu menos. "Foi como no sul do Mali, Apanham um negro, predem-no e pedem dinheiro à família". Não havia dinheiro, saiu precisamente para ajudar a mãe e o irmão que lá ficaram. Foi sequestrado.

"Meteram 300 pessoas num quarto sem janelas, sem água nem comida, os vizinhos é que nos davam alguma coisa". Conseguiu fugir e juntou-se a outros refugiados, 116 num barco com o sonho de alcançar a costa italiana. Quatro horas no Mediterrâneo até serem resgatados pelo navio da organização não governamental alemã (ONG) Lifeline. O barco viu depois recusada a entrada em Itália e andou uma semana no mar à deriva até atracarem em Malta, onde os migrantes foram distribuídos por centros de acolhimento.

"Quando disseram que vinha para Portugal, fiquei tão contente. Não podia querer um outro país". Abdoulaye elege como o momento mais difícil da sua viagem os nove dias que passou no deserto do Sara, na Argélia. "Pedíamos água a quem passava, muitos ficaram pelo caminho. Partimos 29, só chegámos 13".

Miled Zegeye, 23 anos, não se lembra da data em que deixou a Somália, para onde os pais emigraram da Etiópia, o seu país natal, era ela muito pequena. Viveu num campo de refugiados, onde estudou e fez o ensino secundário. Decidiu, então, partir. Voltou à Etiópia, depois viajou pelo Sudão e, sem seguida, pela Líbia

Sabe que viveu três anos na Líbia porque viu que festejaram o Ramadão por três vezes. Ela é cristã ortodoxa. Estava fechada num quarto com 400 pessoas, não distinguia a manhã da tarde, apenas a noite do dia, a comida era macarrão branco, a água era a do mar, salgada, "foi uma viagem muito dura. Na Líbia apanharam-nos. Pediram dinheiro, eu sabia que a minha família não tinha dinheiro e disse que não tinha pais. No primeiro mês lavei roupa, depois as minhas pernas paralisaram, três anos num espaço tão pequeno e com tanta gente", conta Miled, sem conseguir conter as lágrimas. "Foi uma viagem muito dura", repete. Deixou de ser rentável, deixaram-na sair.

Encontrou outros refugiados e seguiu com eles. Contrataram um barco na costa da Líbia, 18 migrantes num bote, mais de um dia à deriva, até serem resgatados pelo navio Lifeline.

Querer ter voz

"As raparigas naqueles países não podem fazer o mesmo que os homens, ficam em casa, a limpar e a cozinhar, Não podia ficar lá, queria ter a minha vida, ter voz. Não há liberdade, as pessoas são presas sem fazer nada", justifica.

Quando ouviu que viria para Portugal, diz que a única coisa que fez foi agradecer. "Só tinha que dizer obrigada. Iria para qualquer país que me desse proteção. Disseram-me que era um bom país, que podia continuar a minha educação, estudar. E quero trabalhar. Posso fazer qualquer trabalho. É um país desenvolvido e eu posso desenvolver-me com ele".

Há imagens que não sabe se algum dia irá esquecer. "Passei por tanta coisa na Líbia, mas sempre acreditei que podia sair daquele lugar".

Abmeb Jablid tinha 17 anos quando há nove meses deixou o seu país, o Sudão. "Naquela região não há segurança, não há saúde, não há educação", além dos conflitos étnicos. Ele é muçulmano.

Um dos centros desta guerra é a região do Darfur, no oeste do Sudão, onde Jablid viveu e estudou, tendo feito um ano na universidade no curso de Gestão.

No outono do ano passado concretizou a ideia que começou a germinar em 2014. Viajou num grupo de 11 pessoas, alcançaram o Chade, onde ficaram 15 dias. Iam pagando a passadores, dinheiro que ele conseguiu reunir entre a família. E, quando não havia dinheiro, trabalhava. O grupo foi-se reduzindo e alterando.

No Chade, onde esperavam que os levassem até à Líbia e depois de sete dias sem sinais de partida, revoltaram-se. "Éramos nove pessoas, estávamos muito zangados, durante a noite começámos a cantar para que nos ouvissem. Disseram-nos que ainda não estavam preparados para nos levar. Mentiram-nos. Estavam sempre a dizer 'amanhã, amanhã, nunca mais era amanhã' ".

Pagar com ouro

Negociaram com outra pessoa o transporte para a Líbia. Ficaram um mês e meio no Saara, na zona de Tibesti, nas minas de ouro na fronteira do Chade com a Líbia. Cada um tinha de arranjar cinco gramas de ouro para saldar a dívida. Não conseguiam apanhar nada, voltaram a partir.

Tiveram que entregar mais dinheiro a outro guia, uma dívida que Jablid pagará logo que possa. "Está em causa o meu nome, o da minha família, o do meu país. E, quando outros precisarem, eles sabem que vão pagar. É uma questão de confiança". Diz ter gasto 15 mil dinares líbios (quase 9300 euros) em toda a viagem.

Na Líbia trabalhou na construção civil. "Tive sorte, não morri, não sei se os meus amigos tiveram a mesma sorte, não sei onde estão". Em contrapartida, encontrou um colega da escola primária, viajou com ele no barco que levava outros 125, da Líbia para a Itália. .

Mais um refugiado que conhece Portugal através do futebol, embora seja fã do Messi e do Barcelona. Aqui, vai torcer pelo Benfica. "Ouvi falar de Portugal, do clima, que a pessoas eram simpáticas". Quer estudar línguas, também jogar futebol.

"O deserto entre Chade e a Líbia foi o pior momento da viagem. O segundo pior foi quando adoeci em Malta. Não me deram medicamentos no início e estive muito mal".

Os 30 imigrantes que vieram para Portugal são oriundos do Sudão (13), do Bangladesh (um), da Costa do Marfim (três), da Serra Leoa (um), da Eritreia (três), Mali (dois), Etiópia (três), Guiné-Conacri e Somália (dois de cada país).

CPR apoia 250 pessoas, incluindo alojamento

O CPR apoia 250 pessoas, 89 vivem no Centro e 23 crianças na Casa da Bela Vista. Os outros estão em habitações ou pensões. Além de apoio jurídico e social, fazem exames médicos. Teoricamente, ficarão à guarda do CPR , quatro meses (há quem fique bem mais), até à resposta ao pedido de asilo. Se for positiva passam a ser apoiados pela Segurança Social; se for negativa, têm direito a recurso e serão suportados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Fonte: DN.pt

 

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