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"Escravatura do século XXI". Tráfico humano sem controlo em Portugal

20-04-2018 - Sandra Salvado

O Sindicato dos Inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras garante que o número de vítimas de exploração laboral em Portugal é muito mais elevado do que os números oficiais e denuncia que o tráfico de pessoas está fora de controlo em Portugal. O fenómeno ocorre mais em zonas agrícolas devido à falta de capacidade para apurar casos de abusos. Os agentes vão mais longe e dizem que o país é mesmo a nova rota para o tráfico de crianças.

Três quartos dos migrantes que chegam à Europa são alvo de tráfico ou de exploração. Em Portugal, há dezenas de milhares de estrangeiros a sofrerem abusos em explorações agrícolas e o país transformou-se numa rota de tráfico de crianças africanas.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) instaurou apenas 20 inquéritos em 2017, mas o Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (SCIF) diz que os números são ridículos e um insulto para os milhares de pessoas que todos os anos são vítimas de exploração em Portugal. Os inspetores assumem ainda que faltam operacionais para combater este tipo de crime.

“Esta é uma realidade que não está correta. Se pensarmos que o RASI [Relatório Anual de Segurança Interna], nos anos 2016 refere 15 crimes investigados e em 2017, 20, nós estamos a falar de números praticamente irrisórios. Nós, os inspetores do SEF trabalhamos todos os dias com os cidadãos, nós conhecemos os sítios, conhecemos o pulsar, conhecemos a realidade do país e dizemos sem margem para dúvidas que esta situação não corresponde à realidade”, explicou à RTP Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (SCIF) do SEF.

Acácio Pereira diz que este é um crime de difícil investigação, que é silenciado porque as vítimas têm medo. “Estão numa situação de fragilidade e não tem coragem para o denunciar. Aliás, nem o podem fazer senão provavelmente ficam sem emprego. Do nosso ponto de vista este é um crime hediondo. Trata-se de um crime do mais grave que pode haver. É o ser humano a explorar o outro ser humano e a explorar a sua fragilidade”.

O Presidente do SCIF revela ainda que estes casos não são exclusivos dos trabalhadores da agricultura, embora a sua maioria trabalhe nesta área. “É onde maioritariamente esses trabalhadores são empregados".

Em Portugal, os dados conhecidos ao longo de 2017 mostram que a exploração laboral em zonas agrícolas, especialmente no Alentejo, está fora de controlo por falta de capacidade do SEF para fiscalizar a esmagadora maioria das herdades onde trabalhadores ilegais são vítimas de abusos.

"Se pensarmos no Alentejo profundo, nas novas produções agrícolas que envolvem muitos trabalhadores. Se pensarmos nas vinhas do Douro, se pensarmos na castanha de Trás os Montes. Se pensarmos em todo um conjunto de situações ao nível do que é a atividade agrícola, isto ocorre um pouco disperso por todo o país”.

"Enquanto português envergonha-me"

Para Acácio Pereira, o tráfico de seres humanos é a moderna escravatura e constitui um crime que, por todas as razões legais, humanitárias e civilizacionais tem de ser melhor combatido.

“Naturalmente que os meios são sempre escassos. Nós temos consciência disso mas é preciso investir. Eu enquanto cidadão e enquanto português envergonha-me. Portugal, um país vanguarda naquilo que foi a eliminação da abolição da escravatura, no fundo, permita que se continue a fazer a escravatura do século XXI. Esse tráfico de pessoas hoje é a escravatura do século XXI”.

Os inspectores do SEF sentem a impotência de quem não tem meios, nem para prevenir, nem para combater e perseguir a maior parte dos crimes que são praticados no território.

“Nós se pensarmos que a unidade de anti-tráfico de pessoas do SEF tem três pessoas por todo o país, acho que isso dá uma ordem de grandeza como dá uma ordem de grandeza o número de inspetores colocados em zonas onde estes cidadãos no fundo trabalham” e dá como exemplo Beja, onde há apenas três inspetores a trabalhar, “o que é manifestamente insuficiente”.

Por outro lado, Portugal começou a ser usado como nova rota para o tráfico de crianças, sobretudo africanas: essas crianças e adolescentes são utilizadas para exploração e escravatura em países como França ou Alemanha. Portugal funciona como porta de entrada para o espaço Shengen e o destino final são países do centro da Europa.

"O país não pode ser rota para tráfico"

“Essa é uma realidade pública. Recentemente foram detetadas situações nos aeroportos portugueses e, nomeadamente, no aeroporto de Lisboa. É uma realidade nova. Portugal está de facto na rota do tráfico de pessoas, nomeadamente, de crianças e menores. É necessário investigar e investir mais nesta área e dizer que o país não pode ser uma rota para o tráfico de seres humanos”.

Segundos dados divulgados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) no final de 2016, quase três quartos dos migrantes que chegam à Europa são alvo de tráfico ou de exploração. Os estudos desta organização das Nações Unidas para as migrações mostra que muitos são raptados, mantidos em cativeiro e sujeitos a trabalhos forçados. Há também quem pague parte da viagem com um órgão.

“Este crime é dado como prioritário naquilo que é a investigação criminal do país. A própria Procuradoria-geral a República emitiu uma circular massificando-o como de investigação prioritária. Também as recomendações ao nível do que são as estruturas da União Europeia assim o recomendam".

Por isso, explicou Acácio Pereira à RTP, "é preciso corporizar todas estas recomendações e por em prática todas estas questões por forma a minimizar e corrigir todas estas situações, que naturalmente envergonham o país e não se pode permitir que elas continuem a existir”.

“Os nossos inspetores têm conseguido prender traficantes e resgatar algumas crianças, mas a nossa perceção é que temos de aumentar o dispositivo para que a maior parte deste tráfico não continue a escapar ao nosso controlo”.

Portugal no topo dos desaparecimentos

O Grupo de Peritos em Ação Contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), organização do Conselho da Europa que controla a forma como é implementada a convenção contra este tipo de crime - em vigor em Portugal desde 2008 - colocou Portugal no topo dos países com mais desaparecimentos preocupantes de crianças.

O sindicato dos inspetores sustenta que é necessário discutir medidas como o reforço de meios do SEF nos distritos do Alentejo, entre outras, para permitir uma recolha permanente de informação no terreno e o planeamento de ações de fiscalização que tenham a participação de todas as entidades com competências na matéria.

“A luta contra o tráfico de seres humanos tem de mobilizar toda a sociedade civil, magistrados, polícias e agentes dos serviços de informações”, afirma Acácio Pereira. Sem meios para combater “o crime mais grave do século XXI”, o sindicato dos inspetores do SEF organiza uma conferência sobre o tema no próximo dia 27 de abril.

“Esta conferência será um momento importante para despertar a sociedade portuguesa e os agentes políticos para este fenómeno que se está a transformar no crime mais grave do século XXI”.

Fonte: RTP

 

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