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O circuito do dinheiro para José Sócrates

13-10-2017 - Silvia Caneco

Já não há buracos na reconstituição do circuito dos milhões que terão terminado nas mãos de José Sócrates. Três anos depois de se tornar primeiro-ministro, o ex-governante já acumulava 10 milhões de euros. Ao todo, terão sido mais de 30 milhões, segundo o Ministério Público, que acredita ter desvendado as origens, os ajudantes e até os cofres usados num sofisticado esquema de ocultação de dinheiro.

Por mais vídeos que faça no YouTube em sua defesa, José Sócrates tem pela frente uma missão muito mais difícil: conseguir destruir, em tribunal, a pormenorizada reconstituição que Rosário Teixeira e a sua equipa têm feito nos últimos meses do circuito dos milhões que terão terminado nas mãos do ex-primeiro-ministro.

Já não há pontas soltas para a investigação. Com o despacho de acusação da Operação Marquês praticamente concluído – nos próximos dias serão feitos interrogatórios complementares –, o Ministério Público já tem a tese feita: do dinheiro que terá sido pago indevidamente a Sócrates, 29 milhões de euros terão vindo do Grupo Espírito Santo, 2,87 milhões do Grupo Lena e 1 milhão do empreendimento de luxo Vale do Lobo. Joaquim Barroca (patrão do grupo Lena), Hélder Bataglia (fundador da Escom) e José Paulo Pinto de Sousa (primo de Sócrates) foram usados como intermediários, abrindo contas de passagem que serviram para disfarçar o destino dos milhões. Santos Silva era o testa de ferro do ex-primeiro-ministro, abriu quatro contas na Suíça e terá chegado a ter um cofre bancário onde guardava o dinheiro que fazia circular entre uma conta e outra.

A história, na versão do Ministério Público, começa logo em 2005, ano em que Sócrates vence as eleições e toma posse como primeiro-ministro. Amigo de Santos Silva desde os anos 80, o ex-governante terá entre esse 2005 e 2006 delineado uma estratégia para que o empresário assumisse o papel de intermediário entre si e empresas portuguesas ligadas à construção. O objetivo era simples: conseguir contrapartidas em troca da adjudicação de obras públicas e de projetos no estrangeiro, sem que nunca tivesse de dar a cara, o nome ou uma conta bancária.

Segundo o Ministério Público, a dupla planearia usar a Calçoeme – empresa que integrava o grupo do construtor civil José Guilherme, e na qual Santos Silva tinha adquirido uma participação – para fazer essas obras públicas, mas o plano terá falhado. Como plano B, Santos Silva terá então usado a proximidade a Joaquim Barroca, patrão do grupo Lena, que em troca de proveitos para o grupo de Leiria ter-se-á disponibilizado para abrir uma conta bancária na Suíça, em 2007, que serviria apenas para a passagem de fundos.

O plano parecia perfeito: como Santos Silva trabalhava para o Grupo Lena, seria fácil justificar os montantes que sairiam da conta bancária de Joaquim Barroca para as suas como sendo remunerações ou prémios extraordinários. Para concretizar este plano, em dezembro de 2006, Carlos Santos Silva e José Paulo Pinto de Sousa, o primo de José Sócrates residente em Angola, reuniram-se na Suíça com Michel Canals, um dos arguidos do processo Monte Branco e então gestor de conta no banco UBS.

UMA “SMOKING GUN”

Nessa data, Santos Silva abria uma conta em nome da Belino Foundation. E com uma peculiaridade que será usada pelo Ministério Público como uma das “smoking gun’s” contra Sócrates e a sua tese de que o dinheiro acumulado na Suíça era do amigo Carlos Santos Silva. Ficou registado que, se Santos Silva morresse, 80% do saldo daquela conta não iria para a mulher ou para os filhos, mas para José Paulo. Para a investigação, o primo angolano terá sido o primeiro testa de ferro de Sócrates e só terá assumido um papel mais secundário porque o seu nome veio à tona durante a investigação do caso Freeport.

Em janeiro de 2007, Santos Silva abre uma nova conta na Suíça, desta vez em nome da Giffard Finance, onde entrariam os fundos vindos de terceiros. O dinheiro de Joaquim Barroca começou a cair logo no mês seguinte: em fevereiro, Barroca enviava 1,25 milhões, em junho desse ano mais 1,125 milhões. Para justificarem estas transferências, terá sido assinado um contrato de transmissão das ações da Cosmatic – que detinha uma quinta em Sintra, outrora propriedade de Duarte Lima – entre José Paulo e Joaquim Barroca. Só que à data, acredita a equipa liderada por Rosário Teixeira, o patrão do grupo Lena já sabia não ser possível construir qualquer casa naqueles terrenos. A quinta valeria uns módicos 125 mil euros, quantia muito inferior à transferida para Santos Silva.

Na mesma altura em que transferia dinheiro para a Giffard, o grupo Lena implementava em Portugal a XMI, empresa criada para angariar obras internacionais e no setor público.

Em setembro de 2008, uma última transferência de Joaquim Barroca para Santos Silva, de meio milhão de euros, completa a parte do saldo bancário que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) diz ter tido origem no Grupo Lena e como destinatário final José Sócrates. Ao todo, 2,875 milhões de euros terão servido para pagar a Sócrates o apoio político que garantiria ao grupo Lena as obras da Parque Escolar; a concessão ao consórcio ELOS, que o grupo Lena integrava, de um troço do TGV ou o negócio das casas da Venezuela.

MUDANÇA DE PLANOS

A meio de 2007, o pânico instalou-se. Para começar, 6 milhões de euros que estavam na conta da Gunter, de José Paulo, desde 2006, tiveram um novo rumo. Santos Silva e José Paulo começaram por alugar um cofre bancário que terá servido para movimentarem em dinheiro, e discretamente, entre 2007 e 2008, os fundos saídos da Gunter rumo a outras contas suíças.

Com medo de serem descobertos na sequência da revelação do escândalo Freeport, Santos Silva voltou a reunir-se com Michel Canals, pediu para desvincular-se de José Paulo e abriu duas novas contas na UBS, em nome da Brickhurst e da Pinehill.

Nos primeiros meses de 2008, a conta de Joaquim Barroca terá servido para intermediar outros 2 milhões de euros, alegadamente pagos em troca dos financiamentos da Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao resort Vale do Lobo: 1 milhão seguiu para uma das contas de Santos Silva, outro para a conta da Vama Holding, titulada pelo ex-ministro e ex-administrador da CGD Armando Vara.

Em abril desse ano, a conta da Belino, para onde foram transferidos fundos de outras contas de Santos Silva e de José Paulo Pinto de Sousa, acumulava já mais de 9,8 milhões de euros. José Sócrates era primeiro-ministro há três anos.

O puzzle do dinheiro que, segundo o Ministério Público, pagou atos de corrupção do então primeiro-ministro só fica completo com duas importantes parcelas com a mesma origem: o império então liderado por Ricardo Salgado. Além dos 6 milhões de euros que terão saído dos cofres da Escom (empresa detida maioritariamente pelo GES) para as contas de José Paulo Pinto de Sousa, logo em 2006, e que teriam como destinatário José Sócrates, entre 2008 e 2009 seguiram mais 8 milhões de euros do Grupo Espírito Santo para Santos Silva e, em maio de 2009, mais quatro milhões de euros com a mesma origem e o mesmo destinatário.

Para evitar que as transferências fossem diretas e facilmente descobertas, Ricardo Salgado terá usado as contas de Hélder Bataglia como contas de passagem. José Sócrates terá dado igual uso às contas de Joaquim Barroca.

Ao todo, 18 dos cerca de 23 milhões de euros acumulados na Suíça terão servido apenas como moeda de troca pelos favorecimentos dos interesses do Grupo Espírito Santo em negócios relacionados com a reestruturação da PT e as opções de investimento no Brasil.

Mas na verdade o Grupo Espírito Santo não terá dado apenas 18 milhões de euros a José Sócrates, mas cerca de 29 milhões. O Ministério Público defende que outros milhões de euros saíram do GES já em 2010 para pagar a José Sócrates o favor de ter usado a golden share (ações douradas) para bloquear a venda da participação da Portugal Telecom na VIVO. Decisão que, por arrasto, permitiu à PT entrar no capital da brasileira Oi.

Só que aqui o dinheiro terá chegado a José Sócrates por um esquema completamente diferente. Como o ex-primeiro-ministro já queria repatriar o dinheiro acumulado na Suíça para Portugal, desta vez – e novamente com a ajuda de Hélder Bataglia e de Joaquim Barroca – terá sido simulado um negócio com uns terrenos do Kanhangulo, em Angola. Esse negócio permitiu que 8 milhões de euros caíssem nas contas do grupo Lena e viessem a ser usados no interesse de José Sócrates, servindo para pagar, entre outras coisas, os contratos de aluguer de carros usados por pessoas próximas do ex-primeiro-ministro.

Outras particularidades do negócio levaram a que mais 3 milhões de euros ficassem na posse da XLM Sociedade de Estudos e Projetos, empresa de Carlos Santos Silva, vindo a servir para pagar 80.500 euros ao blogger António Peixoto (receberia uma avença para atacar os adversários de Sócrates) e 95 mil euros ao professor Domingos Farinho, que o Ministério Público acredita ser o verdadeiro autor de A confiança no Mundo, o livro assinado pelo ex-primeiro-ministro.

Confrontado com todos estes factos em março, no último interrogatório no DCIAP, José Sócrates negou todas as imputações. Disse nunca ter influenciado o júri de qualquer concurso ou autoridades da Venezuela para favorecer o grupo Lena, negou ter indicado Armando Vara para a administração da CGD ou ter tido com o ex-ministro qualquer conversa sobre Vale do Lobo, disse nunca ter feito qualquer contacto com as autoridades brasileiras sobre a entrada da PT na Oi e ter mantido, ao longo dos anos, uma relação “meramente institucional” com Ricardo Salgado. E continuou a dizer que faltam provas ao Ministério Público.

Carlos Santos Silva, ouvido noutro dia no DCIAP, preferiu nada dizer.

O argumentário da investigação já está estruturado – e vai ao pormenor nos exemplos. O fim do processo, que há muito Sócrates reclamava, está a chegar. E é certo que nada o salvará de uma acusação. Em breve, o ex-primeiro-ministro deverá ser acusado de fraude fiscal qualificada, corrupção, falsificação, tráfico de influência e branqueamento de capitais. Sócrates transferirá, então, o seu “canal de notícias” para os tribunais.

Dinheiro para toda a obra

E como vai o Ministério Público sustentar que tudo não passou de empréstimos a José Sócrates, como o ex-primeiro-ministro defende desde que foi detido em novembro de 2014? A investigação juntou páginas e páginas de exemplos – muitas vezes sustentados por escutas – para mostrar como Sócrates punha e dispunha do dinheiro que estava nas contas de Santos Silva, fugindo a todas as regras da experiência comum.

Entram aqui os 2,8 milhões de euros da compra da casa de Paris, mais 480 mil euros pelas transformações pagas a um gabinete de arquitetos, mais 83 mil euros gastos só em mobília e decoração. Entram as despesas com viagens e alojamento em Paris de Sofia Fava e até as despesas de arrendamento de outro apartamento onde viveu o filho de Pedro Silva Pereira, ministro da presidência durante os governos de Sócrates e que não tinha qualquer relação com Carlos Santos Silva.

Entra a compra de várias casas que estavam em nome de Maria Adelaide Monteiro, mãe do ex-governante. Entram 127 levantamentos em dinheiro de uma conta de Santos Silva no BES e outros de outras contas que terão permitido entregar em mãos a Sócrates 1,16 milhões de euros em dinheiro vivo, ao mesmo tempo que numa sala da Polícia Judiciária se ouvia o ex-primeiro-ministro a combinar encontros e a pedir “livros” ou “fotocópias”.

Entram os pagamentos através do motorista João Perna (172 mil euros), as ajudas à amiga Sandra Santos (91 mil euros), as viagens para Sócrates, amigos e familiares (428 mil euros), a compra de obras de arte (197 mil euros) e ainda o segundo salário da farmacêutica Octapharma que o Ministério Público diz ter sido forjado. Neste bolo, não estão esquecidos os investimentos em negócios de direitos de transmissão televisivos (Sócrates e Santos Silva seriam acionistas ocultos) nem os 114 mil euros que, distribuídos por meia dúzia de amigos, terão permitido a Sócrates empolar em pelo menos mais 6774 exemplares as vendas do seu livro, catapultando-o para os primeiros lugares dos TOP’s.

(Artigo publicado na VISÃO 1279, de 7 de setembro de 2017)

 

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