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HÁ 40 ANOS O GOLPE DE PINOCHET NO CHILE: UM CRIME SEM CULPADOS?

11-09-2013 - Víctor Hugo de la Fuente *

Há quatro décadas, os altos comandos das Forças Armadas chilenas cometeram graves crimes de sublevação e rebelião: derrubaram um governo legalmente constituído e suspenderam a Constituição. Paralelamente, instauraram um regime ditatorial marcado por uma repressão feroz. Nem os executores do golpe nem os civis com quem eles conjuraram foram julgados [1]. Até agora, reina a impunidade.

O regime cívico-militar, que durou 17 anos, liquidou o projecto de socialismo democrático e instaurou uma ditadura. Esta foi um laboratório da aplicação de políticas neoliberais no mundo, reduzindo o papel do Estado, privatizando mais possível, transformando até a educação e a saúde em simples mercadorias. Uma das suas consequências foi aumentar as desigualdades, sempre a favor dos mais poderosos.

Os que vieram a seguir à ditadura continuaram a governar de acordo com o mesmo modelo económico, chegando, inclusivamente, a estender as privatizações (água, abertura da exploração do cobre às transnacionais…). Quanto aos que fizeram o golpe de Estado e eliminaram a Constituição, têm hoje a desfaçatez de propor que a Constituição da ditadura apenas possa ser modificada dentro das normas que com ela foram estabelecidas. Mais surpreendente ainda é que haja opositores à ditadura que têm a mesma posição e, juntamente com a direita, se neguem a convocar uma Assembleia Constituinte para elaborar e aprovar democraticamente, através de um plebiscito, uma nova Constituição.

No nosso país, é notório que os anos da Unidade Popular não são muito conhecidos nem reivindicados, antes foram denegridos, enquanto Salvador Allende – com razão – ganhou prestígio e é muito mais valorizado. O mesmo Allende cuja grande obra é, precisamente, a Unidade Popular. As forças políticas que participaram neste projecto não o reivindicaram decerto, em parte, porque hoje já não têm essas posições revolucionárias de transformação da sociedade. Para dar apenas um exemplo, elas já nem sequer propõem a nacionalização do cobre.

Com o passar do tempo, a figura de Allende e a sua clarividência tornaram-se cada vez mais evidentes. Basta recordar o seu discurso sobre o início da globalização neoliberal na Organização das Nações Unidas (ONU) a 4 de Dezembro de 1972, criticando «o poder e a actuação nefastos das transnacionais, cujos orçamentos superam os de muitos países… Os Estados sofrem interferências nas suas decisões fundamentais – políticas, económicas e militares – por parte de organizações globais que não dependem de nenhum Estado e que não respondem nem são fiscalizadas por nenhum parlamento, por nenhuma instituição representativa do interesse colectivo».

Queremos aqui destacar o compromisso e a fidelidade de Allende, até à sua morte, com as causas sociais e políticas dos mais pobres e, ao mesmo tempo, o seu realismo político, a sua capacidade de agitar, de educar e, sobretudo, de unir forças em torno de um programa popular, dirigindo esse gigantesco movimento que levou o povo ao governo em 1970.

É preciso recuperar a memória de um presidente que fez da ética o seu mais alto valor e que morreu no bombardeado palácio de La Moneda, sublinhando o seu combate por um socialismo democrático e revolucionário. Allende não é um simples mártir. Não se deve esquecer que durante o governo da Unidade Popular o Chile recuperou o cobre, aprofundou a reforma agrária, defendeu o ensino público e gratuito, criou o sector social da economia, promoveu a participação popular nas decisões. Com Allende, os chilenos recuperaram a dignidade.

É claro que a Unidade Popular cometeu erros e que Allende actuou, por vezes, com uma certa ingenuidade [2]. Mas os erros não justificam, em caso algum, o golpe de Estado, que foi um crime contra o povo e contra a democracia. Como foi demonstrado, a Unidade Popular e Allende foram vítimas das transnacionais, do império norte-americano, dos grandes empresários chilenos e da traição dos militares golpistas. Nunca se deve confundir as vítimas com os carrascos; nunca o erro de uma vítima justifica os crimes contra ela.

O exemplo de Salvador Allende vive hoje nos combates dos estudantes e dos povos, tanto no Chile como na América Latina. O seu exemplo vai ajudar-nos a conquistar esse outro mundo tão necessário e possível com que tantos de nós sonham.

 

* Víctor Hugo de la Fuente é o director da edição chilena do Le Monde diplomatique. A fotografia que acompanha este artigo foi cedida pelo realizador Costa Gavras, via edição chilena, às edições do Le Monde diplomatique.

Notas

[1] Ver Eduardo Contreras, «A 40 años, Juicio a los golpistas civiles», Edición chilena de Le Monde diplomatique, Abril de 2013 e também Jorge Magasich, «El golpe cívico-militar y el terrorismo», Ibidem, Setembro de 2013.

[2] Ver o documentário El último combate de Salvador Allende. A 11 de Setembro de 1973, bem cedo, quando não consegue localizar Pinochet, Allende diz o seguinte a Carlos Jorquera: «Pobre Pinochet, deve estar preso».

 

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