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Problemas da mobilidade elétrica começam a revelar-se

15-03-2024 - Carla Aguiar

Avarias frequentes nos autocarros elétricos, esperas de meses nas oficinas e proibição de veículos térmicos nos centros urbanos estão a criar limitações aos noruegueses. Mas estratégia 'zero emissões’ é para manter: vendas de elétricos caminham para os 90%. Uma antevisão do que poderá acontecer em Portugal numa década.

Dois pólos geográficos, duas realidades distintas. Noruega e Portugal têm experiências radicalmente diferentes no modo de vida urbano e no grau de transição para a mobilidade sustentável. Se no país nórdico quase metade dos veículos em circulação já são elétricos e os únicos a poder entrar no centro das cidades, em Portugal os 100% elétricos ainda só representam cerca de 2,5% do parque automóvel, apesar do contínuo crescimento deste mercado, que representa 24% das vendas. Por isso, vai ser preciso carregar no acelerador para chegar à meta da neutralidade carbónica em 2040, a nível nacional, e, no caso do compromisso assumido pela capital portuguesa, já em 2030.

Por imperativos climáticos, a mobilidade elétrica não tem volta atrás, com toda a indústria automóvel europeia obrigada a reconverter-se até 2035. A Noruega lidera esta transição, assumida como prioridade política há mais de duas décadas. Mas nem tudo são rosas neste caminho e a sociedade norueguesa está agora a aperceber-se do ‘lado b’ desta transição, que muda mais a vida das pessoas do que se tinha antecipado. O que pode Portugal aprender?

O tema saltou para a ordem do dia e, há dias, esteve em debate na televisão pública norueguesa NRK, deixando a nú alguns sinais de perplexidade e desconforto. O primeiro é “o colapso da rede de autocarros elétricos de Oslo, quando as temperaturas descem para valores como 15 ou mesmo 27 graus negativos, como tivémos este ano”, relata ao DN Helder Fernandes, investigador e residente em Oslo há mais de 30 anos. Nos dias de inverno mais rigoroso, “muitas vezes, não há autocarros e a cidade vira um pandemónio”. Na segunda semana de janeiro, por exemplo, foram canceladas mais de mil partidas de autocarros num só dia, segundo noticiaram os jornais noruegueses. Há problemas de vária ordem, mas o mais frequente é a fraca autonomia das baterias para aguentarem as temperaturas mais extremas que se fazem sentir no inverno e que obrigam os veículos a consumir mais energia para circular, mas também para o aquecimento interno. Outra causa de avaria é a própria conceção dos veículos articulados com três eixos que bloqueiam quando encostam nas paragens ligeiramente desalinhados, afetando todo o sistema de tração. “Quando isto acontece não há nada a fazer. O autocarro pára e tem de ser rebocado”, explica Hélder Fernandes, de 58 anos, residente no bairro de Okern.

“Há duas semanas voltou a acontecer”. Com 13 graus negativos, o ex- correspondente da TSF para a Escandinávia teve de sair do autocarro e caminhar 15 minutos a pé para apanhar o metro. “O problema é que o metro depois fica apinhado, não porque o sistema de transportes não seja bom, que é, mas estes modelos estão a dar problemas”. Por outro lado, “para aquecer a temperatura interior nos dias muito frios, os veículos também consomem muito mais bateria, significando que em vez de fazerem 7 viagens, por hipótese, só conseguem fazer três, porque têm de ir carregar, o que afeta a eficiência e qualidade do sistema de transporte público”.

Mais, em cidades acidentadas, por exemplo, “as baterias aquecem devido à força adicional que o motor tem de fazer, libertando um forte cheiro a queimado dentro do autocarro, com muitas pessoas a sairem por medo de incêndio”. E, apesar de, em teoria, a possibilidade de incêndio ser menor do que nos veículos térmicos – como nos diz a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos UVE – estão a ser relativamente frequentes em Oslo, atesta Hélder Fernandes. “São raros os meses onde não há episódios”, diz.

O problema dos incêndios

Tentando antecipar problemas em Portugal, onde já existem alguns autocarros elétricos, o frio extremo não será um problema. Já o calor extremo representa um desafio: um estudo da American Automobile Association concluiu que acima dos 35 graus e com uso de ar condicionado, a autonomia dos carros baixa 17%. E os incêndios exigem uma abordagem diferente. Em caso de incêndio, por choque ou por explosão da bateria, não é possível apagar um fogo num veículo elétrico do mesmo modo, usando uma mangueira. Ou deixa-se arder ou o veículo tem de ser içado e mergulhado num tanque com enormes quantidades de água, da ordem dos 10 mil litros. “Também há a possibilidade de usar um produto especial, mas em Portugal as corporações de bombeiros ainda não estão, em regra, preparadas”, disse ao DN o presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), Henrique Sánchez.

Na vanguarda da transição energética, a Noruega antecipou em 15 anos as metas da neutralidade carbónica para 2030 – a UE estipulou 2050 – e começou a atuar em várias frentes. Primeiro, apostou nos incentivos à compra e utilização de veículos elétricos, como isenção de cobrança de estacionamento nos centros urbanos, circulação permitida na faixa BUS e descontos nas portagens para entrar na cidade. Agora, que já se atingiu uma massificação da mobilidade elétrica, esses incentivos desapareceram.

Em contrapartida, “já não se consegue estacionar no centro histórico de Oslo, a não ser em silos ou parques subterrâneos e os únicos veículos permitidos são os elétricos”. Os outros precisam de uma autorização especial, para casos concretos. “Uma das consequências destas regras é que, praticamente, já não se consegue que um eletricista, um canalizador ou um serviço de apoio domiciliário se desloque ao centro, onde o estacionamento custa cerca de 7 euros por hora e pode ficar distante do local de destino”, desincentivando os profissionais que não têm carro elétrico. “É comum ouvir vários tipos de fornecedores de serviços dizer que já não aceitam ir à zona 1”, acrescenta aquele investigador, também proprietário de um imóvel no centro histórico de Oslo.

Do mesmo modo, e apesar de ser reconhecido que os elétricos têm menos problemas de manutenção, a falta de pessoal nas oficinas com formação nos ‘novos problemas’, sobretudo com as baterias, “está a provocar listas de espera de um mês ou mais”para resolver avarias na Noruega. A carência de mão-de-obra especializada em Portugal neste domínio pode trazer problemas, se tivermos em conta que “15% a 20% dos elétricos vendidos são usados importados” que já esgotaram a garantia, apurou o DN. Mesmo que os problemas de software sejam resolvidos remotamente pelas marcas, não por mecânicos – que serão, de resto, uma profissão a reconverter – existem sempre imprevistos. “É crucial apostar na formação atempada de mão-de-obra para a era elétrica”, diz Henrique Sanchéz, assinalando um ou outro exemplo em institutos politécnicos.

Apesar dos incómodos da política ‘zero emissões’, os críticos do dogmatismo nórdico representam uma minoria, com a estratégia governamental a avançar a grande velocidade. Um desses eixos é a expansão da rede de carregamento, pública e privada. Para cerca de meio milhão de carros elétricos num país de 5,4 milhões de pessoas, existem mais de 18 mil pontos de carregamento (em Portugal temos mais de 5 mil estações e cerca de 8300 pontos de carregamento). E as comunas norueguesas obrigam mesmo os condomínios a instalarem carregadores nos seus parques de estacionamento. Quer tenham carro ou não, os condóminos recebem a fatura personalizada que pode rondar cerca de 350 euros, como testemunhou Hélder Fernandes, ele próprio sem carro elétrico e utilizador de transporte público. Mas uma coisa é a cidade, outra é o campo e “a tradição norueguesa de ir passar o fim de semana à cabana na montanha ainda é algo que muitos preferem fazer com o carro térmico, muitas vezes o segundo carro, com medo de ficarem sem bateria no meio de nenhures”.

Entre o trauma e a satisfação plena

"Foi uma experiência traumática”. É assim que a designer Maria Vaz da Silva recorda o primeiro embate com o seu Nissan Leaf. “Tinha acabado de o comprar em 2019, não sabia conduzir um elétrico e quis testar os limites numa viagem de Lisboa ao Porto. Como era um bocado acelera, confesso, cheguei aos 160 km/h”. Maria não demorou muito a perceber que a bateria não ia chegar ao Porto e teve de parar logo em Santarém. “O problema é que só havia um posto de carregamento, tinha um carro à frente”.

No total, a empresária de 53 anos, dona de uma empresa de fardas na Beloura, teve de carregar duas vezes e demorou 5 horas a chegar à Invicta. Cinco anos passados, está reconciliada e muito satisfeita com o seu carro. “Porque fui percebendo que a carga depende da nossa condução, tornei-me uma condutora mais calma e acaba por ser como um jogo. Agora faço escolhas, carrego no trabalho e se for de Cascais para Lisboa pela A5 sei que gasto 10% a 15% de bateria, enquanto que, pela marginal, são só 7%. Carrego uma vez a 100% e dá-me para cinco ou seis dias”. Como empresária, Maria viaja, sobretudo, para o Alentejo e já não tem receio de ficar sem bateria. Mas toma medidas preventivas: prefere usar uma manta para o frio em vez de ligar o ar condicionado. Ainda não conseguiu foi ter a confiança necessária para ir ao Algarve nos períodos mais críticos do verão, por receio de engarrafamentos nas estações de serviço.

A falta de estações de carregamento com múltiplos postos e de carregamento rápido e ultrarrápido em Portugal é justamente apontada pelo presidente da Associação dos Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) como um dos problemas a resolver, pois na sua maioria têm apenas dois lugares, mesmo na A1. Henrique Sanchéz acredita que isso se resolverá à medida que houver mais procura, porque é ela que comanda o investimento dos operadores. Em meados de abril entra em vigor um regulamento europeu que obriga a uma distância máxima de 60 km entre pontos de carregamento nos eixos principais, sendo que Portugal até figura bastante bem no quadro europeu.

É uma realidade que Henrique Sanchéz conhece bem, pois viajou no seu Tesla de Lisboa a Oslo, sempre sem sobressaltos, o que reforça a sua preferência pela mobilidade elétrica, já desde 2011. Henrique sabe que ter um topo de gama ajuda não só a garantir maiores autonomias como a ter uma rede premium de carregadores disponíveis, em hóteis, por exemplo. Mas, independentemente das marcas, o presidente da UVE garante que, “mesmo que não se tenha carregador em casa, a solução elétrica é mais vantajosa e económica” e está certo de já ter poupado alguns milhares de euros ao longo dos anos. Considera, no entanto, que não se deve comprar um carro destes sem ter informação de como funcionam e se se adpatam às condições de cada um.

No meio termo da transição energética, Magda Santos, ao volante de um híbrido Toyota CRH, de 2017, diz-se muito satisfeita com a performance, “tanto em cidade, quando há muito trânsito (o consumo médio baixa para 4 litros aos 100), como em viagem para o Algarve a 120 km, conseguindo um consumo de 5 litros aos 100”. “Claro que esta média só se consegue sem acelerar muito, fiz um curso de condução defensiva e estou agradada com os resultados: viajar agora é mais tranquilo e económico”. A engenheira civil de 63 anos não estava a pensar mudar para um 100% elétrico, pelas limitações do carregamento, mas depois de saber que na próxima década todos os outros veículos estarão em fim de linha, admite reponderar.

Fonte: DN.pt

 

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