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SEF cancelou contratos com empresa de segurança envolvida na morte

24-09-2021 - Fernanda Câncio e Valentina Marcelino

Mais de um ano após a tragédia, o SEF cancelou os contratos que tinha com a empresa de segurança Prestibel, cujos seguranças vão ser acusados de omissão de auxílio e ofensas à integridade física. Centros de detenção como aquele onde Ihor morreu passam, com a extinção do SEF, para tutela da PSP e GNR.

“N este momento, não existe qualquer relação contratual entre o SEF e a empresa Prestibel."

A novidade foi dada ao DN pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em agosto, depois de o jornal ter mais uma vez questionado esta polícia sobre a manutenção de contratos com a empresa de segurança cujos funcionários geriam o centro de detenção do aeroporto de Lisboa onde morreu, a 12 de março de 2020, sob custódia do SEF, o cidadão ucraniano Ihor Homeniuk.

A insistência do DN devia-se ao facto de em julho, após a condenação de três inspetores do SEF por ofensas à integridade física grave na pessoa de Ihor, qualificadas e agravadas pelo resultado morte , o Ministério Público ter anunciado a sua intenção de instaurar procedimento criminal contra quatro funcionários da Prestibel por omissão de auxílio e, a dois deles, por ofensas à integridade físicas graves  (por admitirem que manietaram Ihor com fita adesiva), e de em agosto se ter sabido que  vários seguranças da empresa eram já arguidos num outro processo  também relacionado com Ihor.

Agora, o SEF vem informar que "procedeu à substituição da empresa Prestibel pela empresa Securitas", tendo sido "comunicada à Prestibel a extinção do contrato, com efeitos ao final da respetiva vigência, a 30 de abril de 2021."

A referida comunicação de cessação do contrato ocorreu, precisa o SEF, "após ter efetuado consultas a várias empresas que operam no mercado, tendo em vista a capacidade das mesmas para garantir a substituição da empresa Prestibel. Foi celebrado um contrato com a empresa Securitas, para prestação de serviços de vigilância humana para todos os equipamentos a cargo SEF, com um valor de 592.243,35€ e com efeitos a 1 de maio de 2021. Esta aquisição de serviços foi feita por ajuste direto urgente."

SEF anunciou "concurso internacional" mas fez ajuste direto

A urgência deste ajuste direto, cujo objeto é o mesmo dos contratos antes existentes com Prestibel - inclui os centros de detenção de estrangeiros "não admitidos" como aquele em que Ihor morreu - surge como bastante inesperada. É que a 10 de fevereiro, ou seja, dois meses e 18 dias antes de o contrato com a Prestibel ser extinto (e quando os seguranças da Prestibel estavam já a ser ouvidos como testemunhas no julgamento  dos três inspetores acusados do homicídio do cidadão ucraniano,  assumindo ações que os incriminavam), o DN perguntou ao SEF que consequências retirara das  conclusões da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), no seu relatório de setembro de 2020  acerca da morte de Ihor, sobre o papel nela desempenhado pelos funcionários da Prestibel, e se mantinha algum contrato com aquela empresa.

Relembre-se que a IGAI atribui aos oito funcionários da Prestibel que contactaram com Ihor "conduta imprópria e reprovável", negligência, negação de auxílio e desumanidade, descrevendo condutas criminalizáveis e usando até a palavra tortura a propósito de terem manietado o detido, por várias vezes, com fita adesiva.

A resposta do SEF,  enviada ao jornal a 13 desse mês, foi de que estava a ser preparado "o lançamento de um concurso internacional para a prestação de serviços de vigilância nas instalações onde estes forem considerados necessários" , que se previa para o mês seguinte (março). Adiantava também que fora "aprovada a reativação da carreira de vigilância e segurança" dentro da própria polícia, prevendo-se o acréscimo de mais 21 vagas, para juntar aos seis profissionais já efetivos, ainda em 2021. Mas, advertia-se, "até à conclusão do todo o processo, os serviços de vigilância humana nas instalações do SEF continuarão a ser assegurados pela empresa Prestibel."

Com base nessas respostas e na consulta do portal Base,  o DN noticiou em março que o SEF renovara todos os contratos que tinha com a Prestibel, inclusive para o centro de detenção do aeroporto de Lisboa, onde Ihor morreu, sendo a renovação mais recente datada de janeiro de 2021. A duração desses contratos, no entanto, não era discernível nos elementos constantes no portal.

Ora, como o SEF agora admite ao DN, não chegou a ser lançado o concurso anunciado e também ainda não terão sido ainda incorporados os 21 novos efetivos na carreira de segurança: "O procedimento concursal para a Carreira de Vigilante e Segurança está a ser desenvolvido, decorre dentro do quadro legal vigente aplicável."

Assim, ao contrário do que fora afirmado, a Prestibel não continuou a assegurar "os serviços de vigilância humana nas instalações do SEF até à conclusão de todo o processo" - este está longe de concluído. E já não o será pelo SEF, pois  esta polícia vai ser, se tudo correr como anunciado, extinta e as suas atribuições distribuídas por várias entidades a tutela dos centros de detenção como o do aeroporto de Lisboa, onde Ihor morreu, vai passar, de acordo com os diplomas nos quais o governo propõe a extinção e transferência das competências do SEF, para a PSP e GNR (consoante a localização geográfica). Não há referências a formação específica a que devam ser submetidos os agentes da PSP e militares da GNR para esta nova função.

"Legalidade duvidosa", acusa IGAI

O que fez mudar o rumo previsto em fevereiro pelo SEF - a mudança de ideias parece ter ocorrido logo a seguir às respostas dadas ao DN - este, desde dezembro de 2020, após a  demissão da diretora nacional Cristina Gatões , dirigido pelo ex-comandante-geral da GNR Botelho Miguel, não explica.

Também não esclarece se algo se alterou no que respeita à formação dos vigilantes das empresas de segurança privada que exercem funções nas instalações do SEF, e nomeadamente naquelas em que lidam com detidos - no mencionado relatório, a IGAI, além de frisar que colocar funcionários de empresas privadas em "funções de autoridade pública" a lidar com detidos é "de legalidade duvidosa", diz que os vigilantes da Prestibel padeciam de "ausência de perfil definido e de formação específica".

Sobre essa questão, o SEF limita-se a responder ao DN que "o pessoal, incluindo os elementos responsáveis pela segurança, a exercer funções nos CIT ou EECIT [os centros de detenção do SEF, a que são dados os nomes de "Centro de Instalação Temporária" e "Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária"], tem formação específica multidisciplinar, designadamente no domínio de línguas estrangeiras". E não subscreve as dúvidas da IGAI sobre a legalidade da segurança privada nestas circunstâncias, assegurando: "O SEF pode contratualizar serviços de segurança privada para proteção dos bens e das pessoas instaladas [leia-se detidas]."

A renitência do SEF nesta posição é tanto mais relevante quando as críticas à atuação dos vigilantes da Prestibel e ao facto de serem usados em funções que os colocavam no papel de "autoridade pública" são muito anteriores à análise das circunstâncias da morte de Ihor.

Como o DN  noticiou em janeiro,  já em 2015 uma investigação da IGAI, a propósito de uma denúncia de agressões, à Unidade Habitacional de Santo António, centro de detenção do SEF para estrangeiros não admitidos e requerentes de asilo situado no Porto,  alertara  para a duvidosa legalidade de se colocarem  "funcionários sem qualquer vínculo com o Estado e, consequentemente, sem subordinação ao regime disciplinar próprio dos funcionários públicos, não podendo, neste contexto, ser responsabilizados ou sancionados por eventuais condutas irregulares praticadas no exercício das suas funções", como "os principais intervenientes no domínio da manutenção da ordem interna" em locais onde se encontravam detidos, considerando que disso resultavam "efeitos potencialmente perniciosos".

Alertas sobre impunidade foram ignorados; PSP não age

Traduzindo,  o inspetor da IGAI que assinou o relatório chamava a atenção para uma situação em que eram criadas as condições ideais para a impunidade, já que os vigilantes, como funcionários de uma empresa privada, não estavam integrados na cadeia hierárquica do SEF, só podendo ser punidos, em caso de falta disciplinar, pela própria empresa. A propósito, refira-se que os vigilantes da Prestibel que assumiram, quer perante a investigação criminal quer perante a IGAI, e  depois também no seu depoimento em julgamento, ter manietado Ihor com fita adesiva , disseram em tribunal, ao serem ouvidos como testemunhas, que  não haviam sido alvo de qualquer procedimento disciplinar por parte da empresa  - e que continuavam ao seu serviço, colocados num hospital público lisboeta .

Como é sabido, os alertas de 2015 da IGAI em nada contribuíram para mudar a situação: em março de 2020, quando Ihor morreu, os vigilantes da Prestibel colocados no centro de detenção do aeroporto de Lisboa estavam sozinhos com os detidos todo o dia: não havia qualquer inspetor do SEF em permanência naquele local.

Após a tragédia ser tornada pública, a 29 de março, o centro de detenção do aeroporto de Lisboa foi fechado (já não havia voos nessa altura; o confinamento geral foi decretado a 19 desse mês), sujeito a obras e  o seu regulamento alterado para a reabertura , passando a haver sempre ali pessoal do SEF para enquadrar os seguranças privados.

Até ao momento, a entidade reguladora e fiscalizadora da atividade de segurança privada no país,  a PSP, não abriu qualquer investigação à Prestibel ou aos oito seguranças que contactaram com Ihor no centro de detenção do SEF.  Várias vezes questionada pelo DN sobre isso, diz "aguardar a decisão judicial que determinará os procedimentos em termos de futuro quer sobre a atuação da empresa (Prestibel), quer sobre a atuação dos seus funcionários."

Escuda-se na  Lei de Segurança Privada , segundo a qual o exercício da atividade de segurança privada é interditado a quem tenha "sido condenado por sentença transitada em julgado" por "qualquer crime doloso punnível com pena de prisão superior a três anos".  Mas esta lei, que proíbe aos seguranças "ameaçar, inibir ou restringir o exercício de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos fundamentais", e os obriga a "prestar assistência a pessoas em perigo", permite à PSP, "a todo o tempo e com caráter subsidiário, proceder à verificação da idoneidade" de qualquer pessoa que esteja a exercer a atividade.

A Prestibel nunca respondeu a qualquer pergunta enviada pelo DN. Em março de 2021, justificava-se assim: "Cumpre informar que a atividade de segurança privada se trata de uma atividade abrangida pelo sigilo profissional, pelo que nunca poderíamos prestar declarações sem o prévio consentimento do nosso Cliente. (...) Qualquer questão relativa ao assunto deverá ser colocada directamente ao SEF. Sem prejuízo, tratando-se de um processo em curso na justiça, encontramo-nos igualmente impedidos de prestar declarações."

Fonte: DN.pt

 

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