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Governo aprovou “imigrantes empilhados em contentores” (e a pandemia destapou o que ninguém queria ver)

07-05-2021 - Susana Valente

A pandemia pôs a nu a situação de desumanidade em que vivem muitos trabalhadores agrícolas imigrantes no concelho de Odemira. Um problema antigo que se tornou premente a meio de um surto de coronavírus. Entre a polémica com o resort Zmar e as denúncias de tráfico de pessoas, todas as balas atingem o Governo.

O presidente da Câmara Municipal de Odemira, José Alberto Guerreiro, anunciou que, “no mínimo, seis mil” dos 13 mil trabalhadores agrícolas do concelho “não têm condições de habitabilidade”.

Até agora, foram detectados 22 alojamentos sem condições para acolher estes imigrantes que são essenciais às produções agrícolas no Alentejo.

A meios com uma cerca sanitária em duas freguesias do concelho, devido a surtos de covid-19, o Governo anunciou a colocação de imigrantes infectados e de pessoas em isolamento profilático no resort turístico Zmar, em plena Zambujeira do Mar.

Uma decisão por requisição civil em nome da Saúde Pública, justificada pela falta de condições dos locais onde estes imigrantes vivem, que merece duros protestos dos proprietários das habitações do Zmar.

“Situação criada pelo próprio Estado”

O Bastonário dos Advogados, Luís Menezes Leitão, considera mesmo que a requisição civil do Governo viola a Constituição e o “direito humano” consagrado à “inviolabilidade do domicílio”.

Em declarações à RTP1, Menezes Leitão repara que no Zmar há, além de habitações turísticas, espaços que são usados como residência permanente por várias pessoas.

Assim, o Bastonário entende que a requisição do Governo é “atentatória dos direitos humanos”, notando que as pessoas serão “postas na rua”, “expulsas de suas casas”, com “estranhos” a ficarem nelas, usando os seus “pertences” pessoais.

Menezes Leitão também refere que o problema “tem origem” numa resolução do Conselho de Ministros de Outubro de 2019, tomada também pelo actual Governo, que deu às explorações agrícolas “poder para construírem alojamentos temporários até 400 trabalhadores, com uma lotação de 16 trabalhadores por cada unidade de alojamento, 4 por cada quarto”.

Portanto, trata-se de uma “situação criada pelo próprio Estado [antes da pandemia] em que se prevê uma sobrelotação de trabalhadores”, atesta Menezes Leitão.

Iniciativa Liberal afasta culpas dos empresários

Também o Iniciativa Liberal de Odemira imputa responsabilidades ao Governo de António Costa, reportando-se para a mesma decisão do Governo sobre o “regime transitório de habitação aplicável ao Aproveitamento Agrícola do Mira, vulgarmente designado por Perímetro de Rega do Mira (PRM)”.

Esse regime pretendia “melhorar as condições de habitação de alguns migrantes no PRM”, mas “criou um conjunto de regras de cumprimento obrigatório por parte dos titulares de explorações agrícolas” e acabou por “complicar” a situação, pois “veio exigir o compromisso de um número infindável de entidades distintas, algumas das quais com interesses antagónicos”, atesta o IL.

Assim, a secção do partido em Odemira destaca a “responsabilidade da Câmara Municipal de Odemira e do Governo nas condições de vida” dos imigrantes do concelho, retirando responsabilidades das costas dos empresários agrícolas.

“A solução deste problema passa por permitir que os empresários agrícolas forneçam condições de habitabilidade digna aos seus trabalhadores, com regras claras e com fiscalização, à lupa, do seu cumprimento e por tornar mais célere o processo de licenciamento para habitação no Concelho de Odemira”, frisa ainda o IL.

O partido também critica a requisição civil do Zmar, considerando que é “violadora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

“Não terão os proprietários do empreendimento Zmar direito a ser protegidos contra intervenções arbitrárias do Estado na sua propriedade e no seu domicilio familiar?”, questiona ainda o IL.

“Há quanto tempo vivem em cima uns dos outros?”

A ceramista Anna Westerlund, viúva do actor Pedro Lima, é uma das proprietárias de casas no Zmar que está contra a requisição civil do Governo. Ela queixa-se de sentir que está “a viver numa ditadura”.

“Diz o primeiro ministro que eles têm direito a viver em condições dignas (obviamente, mas esse direito não começou ontem!)”, escreve Ana Westerlund no seu perfil do Instagram.

“Há quanto tempo é que eles não vivem em cima uns dos outros enfiados em casas sabe-se lá em que condições. Não é desde o tempo do covid“, acrescenta a ceramista, questionando se “não são os empresários que os contratam que são responsáveis por eles?”

“Não é o governo que fecha os olhos à quantidade deles que devem estar ilegais que cuida deles? Sou eu que sou obrigada a ceder a minha casa para os receber”, aponta ainda a ceramista.

Anna Westerlund nota também a “situação financeira difícil” do Zmar que está em risco de insolvência e questiona “quem é que se vai preocupar com os 200 trabalhadores” do empreendimento que “vão ficar sem trabalho?”.

Entretanto, o advogado dos proprietários das casas do Zmar, Nuno Silva Vieira, volta a reforçar que os seus clientes não vão “aceitar” a requisição civil.

“Nós não vamos aceitar, mas o Zmar tem 80 hectares e não podemos tapar todas as entradas”, destaca em declarações à Rádio Observador.

“Compreendemos que o Governo queira agir com força, mas isso será um segundo atentado“, refere ainda o advogado, notando que vai “agir em conformidade”.

“Quem lucrou com exploração, tem responsabilidades”

Entretanto, pelas redes sociais, surgem críticas à “falta de humanidade” dos proprietários do Zmar. E há até quem note que “o problema” está no facto de se “estar a fazer a requisição do espaço para os serviçais usufruírem”, uma vez que muitos dos trabalhadores do resort serão de origem estrangeira, designadamente oriundos do Nepal.

Também há quem reforce que as más condições de habitação dos trabalhadores agrícolas imigrantes do concelho não são novas.

“Não podemos permitir trabalho em condições de escravatura moderna“, escreve o enfermeiro Mário Macedo no Twitter, considerando que “quem lucrou com a hiper exploração do trabalho, tem de assumir responsabilidades”.

Outro utilizador do Twitter também sustenta que é preciso punir “seriamente as empresas responsáveis pelas condições de trabalho de que tanto se fala”. “Isto não pode passar impune. Comportamentos destes não são indeléveis“, reforça.

A Polícia Judiciária já está a investigar denúncias de tráfico de pessoas, de auxílio à imigração ilegal e de escravatura em Odemira.

Porém, este tipo de denúncias não são novas. Nos últimos anos, várias notícias saíram sobre o assunto, nomeadamente denunciando a alegada existência de máfias que exploram estes imigrantes que chegam como mão-de-obra para a agricultura portuguesa.

A directora da Obra Católica Portuguesa das Migrações, Eugénia Quaresma, destaca, em declarações à Rádio Renascença, que “a situação de exploração não surpreende” e que “a condição de sobrelotação do alojamento também não surpreende”.

“Há alguns anos, o bispo de Beja era D. António Vitalino que já denunciava este tipo de situação”, realça Eugénia Quaresma, sublinhando que “a pandemia tirou o véu a algo que permanecia oculto”.

“Agora é necessário actuar rapidamente e de forma transversal”, acrescenta.

Governo permitiu “imigrantes empilhados”

Entretanto, o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, pediu ao Governo para “revogar, de imediato”, a requisição civil do Zmar, “substituindo-a” por outra solução que “seja proporcionada e adequada a assegurar a saúde pública” e a “garantir condições dignas” às pessoas e “o respeito pela propriedade privada”.

Rodrigues dos Santos também realça que o Governo “tinha a obrigação de saber” da situação de “centenas de trabalhadores estrangeiros a viver em condições desumanas”, apontando que deveria ter tomado medidas para evitar “níveis de pobreza” que deveriam “envergonhar todos” os governantes.

A jornalista Raquel Abecasis, ex-candidata independente pelo CDS nas eleições autárquicas e legislativas, reforça as responsabilidades do Governo, num texto no Observador, onde se reporta para a resolução de 2019, concluindo que foi o Executivo de Costa que “permitiu o alojamento destes imigrantes “empilhados” em contentores“.

Fonte:Zap.pt

 

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