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Os donos do capitalismo e o capitalismo dos donos

18-07-2014 - José Carlos Peliano

Os fantasmas do Lehman Brothers e do Bear Stearns, os bancos que faliram na esteira da crise de 2008, continuam provocando arrepios nos investidores.

A crise financeira de 2008 ainda não acabou. O seu epicentro nos Estados Unidos permanece por lá com infiltrações nos caixas fortes dos bancos, rachaduras nos sistemas de crédito e débito e nos tremores de apostas em arriscadas alavancagens financeiras. Os bancos do lado de fora do solo americano igualmente sofreram as consequências assim como as economias dos países sede.

O sistema bancário e financeiro americano que dita as normas de funcionamento do mundo do dinheiro caminha com dois passos à frente e um atrás. O risco eminente é de haver troca nas passadas, vindo duas para atrás e uma à frente. O que já seria o sinal vermelho da derrubada da confiança e da garantia de ampla cobertura das quebras. Sinais visíveis da bola de neve financeira sem tamanho rebolando ladeira abaixo.

A propalada reforma financeira pós crise de 2008 precisa ser terminada se é que foi levada a termo como convém. A única iniciativa visível até então do governo dos Estados Unidos foi a cobertura de muitos mil milhares de dólares para compor a ajuda bancária. Algumas medidas para regular melhor o sistema e impedir práticas financeiras indiscriminadas foram tomadas mas os efeitos ficaram longe de atingir seus objectivos.

Os maiores bancos estão hoje maiores do que eram há 6 anos atrás além de continuarem vários a envolver-se nos mesmos comportamentos de risco que levaram àquele desnorte financeiro. O rastilho do epicentro da crise foi as operações de tomada de crédito de curto prazo no financiamento de aquisições de apólices, certificados e acções de alto risco (especulativas).

Os grandes bancos se juntaram em torno de suas empresas e de bancos menores associados para se defender das tentativas de reformas apresentadas pelo governo federal e das cobranças das agências reguladoras. Pagaram no decorrer das providências administrativas e legais um valor bem menor que o rombo por eles criado, algo no nível de 100 mil milhões de dólares.

Um ou outro executivo foi processado e multado, e até mesmo preso, enquanto todo o resto do grupo do póquer financeiro permaneceu apostando, após o susto, do mesmo jeito que antes. Só que os valores das multas pagas não chegaram aos pés dos totais estimados pelas perdas provocadas ao mercado. Profissionais fora da jogatina consideraram as multas inacreditáveis e tão chocantes quanto indefensáveis.

Os seis maiores bancos americanos, JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs e Morgan Stanley estão hoje com patrimónios maiores do que estiveram antes da crise de 2008. Eles detêm agora entre eles uma posição em activos superior a um terço do total que detinham um ano após a crise. Já em relação ao sistema bancário inteiro, que congrega 7.000 organizações, eles são donos de dois terços dos activos totais.

As medidas adoptadas pela Corporação Federal de Segurança de Depósitos, órgão responsável americano, apontam para novos percentuais que os grandes bancos devem seguir em relação a suas operações de empréstimos, levando em conta o total de activos. Assim, um banco não poderá pedir emprestado mais que US$ 0,95 de cada US$ 1,00 de seus activos (acções, papeis financeiros, empréstimos hipotecários, empréstimos comerciais, entre outros).

Essas medidas seriam cómicas se não fossem de facto duras e sérias. Pois, assim é, até na maior economia do mundo. Elas só deverão entrar em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2018. Se o sistema não teve pernas para andar em 2008, tem vindo tropeçando e tropeçando de lá para cá, como se poderá ele sustentar em pé sem desabar até o último dia de 2017?

Ainda mais porque as manobras contabilísticas tem ajudado aos bancos a manipularem números e percentagens para continuarem a jogar no mercado suas apostas. As fichas estão na mesa e os lances se tornam cada vez mais altos e arriscados. O truque contabilístico mais evidente e usado com certa frequência é o de maquilhar contas de sorte a reduzir a percentagem de “alavancagem” de um banco – a relação entre o que o banco detém e o que ele deve.

Dessa forma, a jogatina no mercado de títulos financeiros de toda ordem fica com volume maior e com mais alternativas de negócios e maiores possibilidades de serem mitigadas perdas e melhoradas as chances de ganhos. Ocorre que o nível de risco sobe no mesmo ritmo do nervosismo, tensão e apreensão dos agentes.

Estimativa feita pelo Wall Street Journal indica que cerca de US$ 500 mil milhões foram maquilhados nos balanços dos grandes bancos americanos e injectados somente no mercado durante o ano passado, fora dos limites legais permitidos, para financiar o volume da jogatina. Aumentando o tamanho e a perigosidade da bolha financeira.

Os fantasmas do Lehman Brothers e do Bear Stearns, os bancos americanos que faliram na esteira da crise de 2008, continuam provocando arrepios nos investidores, nos agentes controladores federais e mesmo nos banqueiros e seus operadores. Afinal estes últimos querem mesmo é navegar nas ondas do risco, mas não querem naufragar na jogada errada da especulação.

O grande jogo financeiro americano, não o único, mas o mais pesado e poderoso do planeta, estampa a corrida pelo ganho rápido e fácil, uma sanha destruidora sem limites que beira as raias do descontrole psicológico.

Embora relativamente estimado, o descontrole convive dia a dia com os altos e baixos dos negócios, das cotações, da incerteza latente. Mas há o padrinho fiel, companheiro inseparável dos jogadores, o sistema de reserva federal, disposto e pronto a garantir uma eventual quebradela sem retorno. Em alguns estados americanos o limite circula por volta de 55% do total da perda. Os estados se associam assim aos jogadores para garantir pouco mais da metade de um possível e cada vez mais provável afundamento.

Os donos do capitalismo na América acabam influindo nas regras do sistema para chegarem a conseguir e ter um capitalismo do jeito que querem, o capitalismo dos donos. Satisfatoriamente sem amarras e impedimentos que prejudiquem a corrida sem barreiras ao lucro.

Há opositores americanos ao sistema de controlo, porém, que combatem não só as percentagens de segurança da alavancagem bancária, mas também o prazo de entrada em vigor das novas regras. O que não altera muito o quadro uma vez que o risco do descontrole geral é crescente e progressivo. E uma nova crise pode não estar muito distante no horizonte.

Enquanto isso milhões de africanos morrem de fome, doenças e violência de mercenários. Palestinianos assassinados por acções terroristas declaradas. Migrantes ilegais fugindo de seus infernos e caindo noutros legalizados. Desempregados levados às ruas pela esteira da crise de 2008. Entre outros contingentes. O mundo de pernas para o ar. Os donos do capitalismo mandam e desmandam e viram as costas para o capitalismo sem dono, por eles criado, onde vegetam e desesperam miseráveis, oprimidos, desempregados e indefesos.

 

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