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A proibição de viajar de Trump só beneficia a China

21-02-2020 - Cobus Van Staden

Saturados pelo pânico do coronavírus, pelo folhetim da destituição do presidente dos EUA, Donald Trump, e pelas caóticas convenções do Partido Democrata no Iowa, poucos notaram o anúncio da administração Trump sobre o alargamento da sua controversa proibição de viajar de 2017 a mais seis países, incluindo quatro países em África. Esta é uma medida politicamente conveniente, que não contribuirá em nada para melhorar a segurança dos americanos, e que beneficiará um país que a própria Casa Branca de Trump descreve como “concorrente estratégico”.

A política original de Trump, anunciada em 2017, vedava a entrada nos Estados Unidos aos viajantes oriundos do Irão, Líbia, Coreia do Norte, Somália, Síria, Venezuela e Iémen. A versão alargada proíbe as pessoas da Eritreia, do Quirguistão, de Myanmar e da Nigéria de se candidatarem para viver e trabalhar nos EUA, e impede os sudaneses e tanzanianos de participar no Programa para a Diversidade dos Vistos, a lotaria anual de “green cards” criada para reforçar a imigração oriunda de países sub-representados.

A administração Trump afirmou que a proibição de 2017 foi necessária para proteger os americanos do terrorismo islâmico. A sua justificação para o alargamento da proibição reside em “deficiências na partilha de informações e em factores de risco para a segurança nacional”, tais como lapsos no rastreamento de suspeitos de terrorismo.

Mas, tal como o muro fronteiriço de Trump tem poucas probabilidades de impedir as entradas de migrantes ilegais provenientes da América Central e do Sul, a proibição de viajar nunca teve muito potencial para melhorar a segurança dos americanos. Nenhum dos 14 ataques ou tentativas de ataque terroristas em território dos EUA com maior significado no último quarto de século teria sido evitado por esta proibição.

O alargamento da proibição de viajar tem razões políticas, e não securitárias. Aproximam-se eleições, e Trump pretende reforçar os seus índices de aprovação. O alargamento da proibição de viajar, com as suas flagrantes influências racistas, é um excelente isco para a base republicana de Trump.

O desprezo de Trump pelos países africanos está bem documentado. Em 2018, ter-se-á referido a estes países, assim como ao Haiti e a El Salvador, como “países de latrina” (NdT: no original, shithole countries), sugerindo que os EUA deveriam atrair imigrantes de países como a Noruega. No ano anterior,  comentara que, assim que os nigerianos entrassem nos EUA, nunca “voltariam às suas palhotas” em África.

Desde então, a administração Trump tem-se esforçado por restringir a imigração oriunda da Nigéria. Em 2018, os EUA recusaram 57% dos pedidos nigerianos para vistos de curto prazo – uma das maiores taxas de recusa para qualquer país. A renovação da proibição de viajar confere a este padrão uma natureza permanente, tornando quase impossível a emigração de nigerianos para viver ou trabalhar nos EUA.

A inclusão da Nigéria nesta proibição é desconcertante. Estatisticamente, os nigerianos são imigrantes-modelo: 59% dos imigrantes nigerianos nos EUA  possuem bacharelatos ou qualificações superiores (comparativamente a 31% da população total dos EUA); os nigerianos contribuíram no ano passado com mais de 500 milhões de dólares para o sistema de ensino dos EUA; e as empresas nigerianas investiram 75 milhões de dólares nos EUA em 2018.

Além disso, a diáspora nigeriana nos EUA levou a um fortalecimento dos laços diplomáticos entre os dois países. A Nigéria também está entre os principais parceiros africanos da América na luta contra o terrorismo. E sendo o país mais populoso e a maior economia de África, a Nigéria desempenha um papel crucial na iniciativa “Prosper Africa” da administração Trump, que visa desenvolver oportunidades comerciais no continente.

Ao impedir os nigerianos de conseguirem vistos de trabalho e residência, a administração Trump comprometerá a prosperidade da Nigéria. O sector tecnológico do país será especialmente atingido. Previa-se que seria um poderoso motor do crescimento e desenvolvimento nigerianos: no ano passado, o investimento em capital de risco no sector tecnológico de África ultrapassou pela primeira vez os 1000 milhões de dólares, cabendo à Nigéria a parte de leão. Mas a continuação desta evolução depende de intercâmbios com os EUA, que serão significativamente dificultados pelas novas regras de Trump.

Prosper Africa nunca teve a ver com aspectos económicos. Como salientou em 2018 o então Conselheiro Nacional para a Segurança, John Bolton, esta iniciativa também pressupunha ajudar a contrariar a influência, em rápida expansão, da China no continente. Em nenhum outro lugar essa influência é mais evidente do que na Nigéria.

No ano passado, duas startups nigerianas de fintech, a OPay e a PalmPay, receberam conjuntamente 210 milhões de dólares em capital de risco chinês. A China também é um dos principais compradores do petróleo nigeriano, e é um importante fornecedor de satélites de comunicaçõesredes 5G e drones militares. A China está a financiar um projecto de caminho-de-ferro de 3,9 mil milhões de dólares entre Abuja e a costa nigeriana, uma ligação ferroviária  entre Lagos e Kano avaliada em 7 mil milhões de dólares, e vários projectos rodoviários, incluindo uma auto-estrada trans-Saariana que liga a Nigéria a outros cinco países.

Os efeitos da ofensiva diplomática da China estendem-se para além dos aspectos económicos. Por exemplo, o governo da Nigéria está a ponderar  propostas de lei que, seguindo o modelo chinês, restringiriam a liberdade de expressão nas redes sociais.

Se os EUA quisessem contrariar a influência chinesa em África, a resposta simples passaria por um maior envolvimento com a Nigéria. Mas isso significaria levar a sério as ambições desenvolvimentistas da Nigéria, e o envolvimento com empresários, estudantes universitários e líderes cívicos da Nigéria. Os EUA podem afirmar que pretendem concentrar-se “no comércio em vez da ajuda” em África, mas o alargamento da proibição de viajar torna muito mais difícil a execução deste tipo de estratégia de longo prazo.

Em vez disso, a proibição perpétua um estereótipo racista de África, como um oneroso caso de beneficência. Para os africanos, a proibição de viajar vem da América, e não de Trump. É a América quem os rejeita.

A China não tem problemas deste tipo com a promessa, o talento e o dinheiro africanos. E fica muito satisfeita por poder entrar em cena e aproveitar aquilo que os EUA abandonaram. Mas isso não ajudará os africanos que esperam trabalhar (ou reunir-se com as suas famílias) nos EUA.

A administração Trump tem despedaçado sistematicamente – e talvez permanentemente – a percepção junto dos africanos dos EUA como uma terra de liberdade, justiça e oportunidades. À medida que os africanos se virarem cada vez mais para o comércio e financiamento da China, não estarão apenas a redireccionar as suas esperanças. Também se lembrarão da rejeição americana para o resto das suas vidas.

COBUS VAN STADEN

Cobus van Staden é investigador sénior de política externa do Instituto de Relações Internacionais da África do Sul.

 

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