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Reforçar a cooperação num mundo conturbado

31-01-2020 - Børge Brende

O mundo encontra-se num ponto de viragem, com o poder a ser transferido e dispersado de modos que assinalam a emergência de uma nova era multipolar. No resultante e conturbado ambiente global, aumentam as oportunidades para concorrer ou cooperar em vários domínios. Em áreas como a economia, a tecnologia e o ambiente, a questão reside em saber se os intervenientes procurarão progredir no sentido de objectivos comuns, ou se pretenderão obter vantagens estratégicas sobre os seus concorrentes.

Durante a maior parte da era pós-Guerra Fria, as questões comerciais, da investigação científica e das alterações climáticas estiveram em grande parte isoladas das considerações da concorrência global. Por exemplo, as economias dos EUA e da China prosperaram conjuntamente durante 20 anos, estimulando oportunidades de mercado e investimento para outros, através de um sistema financeiro e comercial global e aberto.

De modo semelhante, o boom da Internet dos primeiros anos deste século só foi possível graças a uma plataforma comum e facilmente acessível, que permaneceu em grande medida à margem de rivalidades nacionais. Como consequência, o número de pessoas que usam a Internet em todo o mundo aumentou exponencialmente, de pouco mais de 400 milhões em 2000 para aproximadamente dois mil milhões em 2010.

E mesmo durante a Guerra Fria, os governos e outros intervenientes conseguiram deixar de lado a concorrência estratégica para enfrentarem questões globais, como o ambiente. Particularmente, o crescente buraco na camada de ozono motivou uma acção climática colectiva. A partir do Protocolo de Montreal de 1987, e durante as décadas seguintes, os estados reduziram a sua utilização de clorofluorcarbonetos, até ao ponto presente, em que se espera que a atmosfera venha a recuperar.

Hoje, porém, assuntos que antes pertenciam ao campo das parcerias arriscam tornar-se frentes de conflito. Espera-se que o crescimento económico global perca vigor no curto prazo – uma situação agravada pelo facto do comércio estar a ser usado como instrumento para conseguir vantagens geopolíticas, em vez de prosperidade conjunta. Além disso, ao contrário da diminuição da camada de ozono, o degelo da calota polar do Árctico não serviu de toque para reunir acções climáticas mais ambiciosas. Pelo contrário, os estados vêem nele uma oportunidade de concorrer pelos recursos naturais e pelas rotas comerciais que se abrem a norte. E quanto à tecnologia, o benefício de uma plataforma global e comum para as comunicações encontra-se hoje em risco, devido à possibilidade de sistemas de comunicações “dissociados” entre os EUA e a China para operação de redes 5G distintas.

Mas estes desenvolvimentos não significam necessariamente que devamos resignar-nos a um período de concorrência e não de cooperação geopolítica. A natureza em expansão da geopolítica, com dinâmicas de poder a funcionar em novos domínios, também significa que os novos intervenientes estão a exercer influência. Como consequência, o curso das relações internacionais pode ser moldado por um conjunto diversificado de intervenientes.

Para começar, as potências emergentes e de média dimensão estão a responder à possibilidade de uma ordem global fracturada através da reafirmação da necessidade do multilateralismo. A França e a Alemanha estão a colaborar com outros países que partilham da mesma visão para criar uma Aliança para o Multilateralismo, que pretende reforçar a cooperação internacional em áreas como a digitalização e as alterações climáticas. Em África, os estados estão a fortalecer os seus laços económicos através do Acordo de Livre Comércio para a Área Continental Africana, que reunirá  54 estados-membros da União Africana e englobará mais de 2 biliões de dólares de PIB. Entretanto, na Ásia do Sudeste, os estados-membros da ASEAN estão a tomar medidas para fortalecerem as parcerias e a integração regional, e pretendem assinar a Parceria Económica Regional Abrangente ainda este ano. Este acordo comercial, que também incluirá a China, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia, cobrirá perto de 45% da população mundial e criará o maior bloco comercial do mundo.

Os intervenientes não-estatais também estão em posição de exercer uma influência crescente. Hoje, as empresas globais são responsáveis  por uma parte importante da produção económica mundial, e os líderes do sector privado comprometem-se cada vez mais a olhar para além dos lucros no curto prazo. No ano passado, por exemplo, 87 grandes empresas anunciaram que colaborariam para ajudar a limitar o aquecimento global em 1,5 °C. E muitos CEO pronunciam-se hoje sobre os perigos potenciais de uma “guerra fria” tecnológica entre a China e os Estados Unidos, ou da dissociação entre as economias  dos dois países.

Embora a natureza mutável do poder global possa tentar alguns intervenientes a procurarem obter vantagens através do confronto, a expansão do campo dos intervenientes oferece a possibilidade de uma correcção de rumo. Com a actual mutação da geopolítica da nova era, ainda existe uma oportunidade para conduzir o mundo no sentido da cooperação, e para longe de uma concorrência potencialmente prejudicial.

BØRGE BRENDE

Børge Brende, Presidente do Fórum Económico Mundial, é autor do novo relatório Shaping a World Multiconceptual.

 

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