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PERDER O PANORAMA GERAL DA REDUÇÃO DA POBREZA

22-11-2019 - Yuen Yuen Ang

O Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel deste ano foi atribuído a Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer pela sua abordagem experimental para a redução da pobreza. Na perspetiva do Comité Nobel, o uso de estudos controlados randomizados (ECR) por parte dos economistas, um método adaptado das ciências médicas, para testar se o funcionamento das intervenções específicas “melhorou consideravelmente a nossa capacidade de combater a pobreza global”.

Mas, enquanto alguns comemoram o reconhecimento de uma nova maneira de lidar com um problema antigo, outros duvidam que “dividir esta questão em questões mais pequenas e mais fáceis de gerir”, tal como o Comité Nobel expõe a questão, pode realmente reduzir a pobreza em larga escala. Manifestamente ausente desse debate está a experiência da China, que é responsável por mais de 70% da redução da pobreza global desde a década de 1980, sendo o caso de maior sucesso na história moderna.

Nas últimas quatro décadas, mais de 850 milhões de pessoas na China fugiram da pobreza. No entanto, tal como Yao Yang da Universidade de Pequim constata, isso não teve “nada a ver com os ECR”, nem consistiu em oferecer apoio aos pobres – em vez disso, foi o resultado de um rápido desenvolvimento nacional.

Desde que Deng Xiaoping lançou a “reforma e abertura” em 1978, a China tem defendido a industrialização orientada para a exportação, liberalizado o setor privado, acolhido o investimento estrangeiro e adotado o comércio global. À medida que milhões de agricultores trocavam os campos pelas fábricas, eles ganhavam salários, economizavam e mandavam os seus filhos para a escola. Isto, juntamente com a vaga de empreendedorismo privado, ajudou a criar a maior classe média do mundo.

O que Yao não consegue reconhecer, no entanto, é que o impressionante recorde de redução da pobreza na China foi acompanhado por dois problemas graves – a desigualdade e a corrupção. Quando o presidente Xi Jinping assumiu o cargo em 2012, o coeficiente de Gini (a medida padrão da desigualdade do rendimento, com o zero a representar a máxima igualdade e o um a representar a máxima desigualdade) da China ficou nos 0,47, superior ao do Reino Unido ou ao dos Estados Unidos. Um inquérito às famílias chinesas denunciou um coeficiente ainda mais alto de 0,61, quase ao mesmo nível do da África do Sul.

Uma maré alta levanta muitos barcos, mas alguns sobem muito mais alto do que outros. Assim, enquanto milhões de chineses subiram logo acima do limiar da pobreza, alguns indivíduos foram catapultados para as alturas da opulência. Isso não era apenas uma questão de sorte ou mesmo de espírito empreendedor: embora alguns dos ricos da China acumulassem as suas fortunas através de muito trabalho e correndo riscos, muitos outros fizeram-no ao aconchegarem-se a funcionários do governo dispostos a trocar privilégios lucrativos por subornos. SUBSCRIBE

Reconhecendo os riscos impostos pela alta desigualdade e pelo compadrio generalizado, Xi lançou duas campanhas simultâneas. Uma promete eliminar a pobreza rural até 2020, usando medidas “direcionadas” ao alívio da pobreza, como colocações em empregos e subsídios de assistência social. A outra visa erradicar a corrupção. Sob a liderança de Xi, mais de 1,5 milhões de funcionários, incluindo alguns dos mais altos funcionários do Partido Comunista da China (PCC), foram alvo de medidas disciplinares.

A experiência da China dá lições importantes à economia do desenvolvimento. Para começar, enquanto os ECR e os programas-alvo que eles avaliam podem desempenhar um papel na redução da pobreza, o meio mais poderoso de fazê-lo em escala é o crescimento económico. Tal como Lant Pritchett de Oxford demonstra, nenhum país chegou ao ponto em que mais de 75% de todas as famílias vivia com mais de 5,50 dólares por dia sem que o rendimento médio ultrapassasse os 1,045 dólares anualmente.

Perante isto, qualquer pessoa interessada em reduzir a pobreza em larga escala deveria procurar entender o que impulsiona o crescimento económico sustentado, ao estudar história, economia política, comércio internacional e pensamento sistémico (ligar partes de uma estratégia de desenvolvimento). Se os ECR são equivalentes à “canalização”, tal como Duflo e Banerjee descrevem, então o pensamento sistémico é o trabalho de fazer o levantamento e reformar toda a rede de drenagem. Simplificando, não podemos perder de vista o panorama geral.

A segunda lição que se tira da experiência de desenvolvimento da China é que o crescimento nem sempre é equitativo. Os programas de bem-estar e a prestação de serviços públicos, como educação e cuidados de saúde, são necessários para distribuir amplamente os ganhos provenientes do crescimento económico. Aqui, o trabalho dos premiados com o Nobel deste ano pode ajudar, com os ECR a serem usados para avaliar o desempenho das intervenções específicas.

Por fim, a governação adaptativa é essencial. Ao contrário do argumento de Yao de que a China deve o seu sucesso económico por seguir “o conselho dos economistas clássicos”, o país realmente desafiou muitas prescrições de políticas padrão – sobretudo a crença de que a democratização ao estilo ocidental é necessária para o desenvolvimento.

Isso não significa que o regime autoritário tenha permitido a prosperidade chinesa, como muitos acreditam. Sob a ditadura de Mao, a China sofreu resultados desastrosos, incluindo fome em massa durante o Grande Salto em Frente. O verdadeiro segredo por trás do dinamismo económico da China era a “improvisação direcionada”: experimentação de políticas locais guiadas por diretrizes do governo central.

Em suma, a chave para a erradicação da pobreza é o crescimento inclusivo. Para alcançá-lo, é necessária uma combinação de medidas macropolíticas para promover o desenvolvimento nacional e microprogramas que abordem fragilidades específicas. As economias emergentes também têm de adaptar as suas estratégias de desenvolvimento aos desafios do século XXI, principalmente a transformação tecnológica e as ameaças climáticas. Isso exige uma panóplia de investigações e ferramentas. Não existe uma solução milagrosa.

YUEN YUEN ANG

Yuen Yuen Ang é professor de Ciência Política na Universidade de Michigan, Ann Arbor. Ela é autora de Como a China escapou da armadilha da pobreza e a próxima era dourada da China.

 

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