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É inevitável que o capitalismo produza desigualdades?

11-07-2014 - Ann Robertson e Bill Leumer, do CounterPunch

No coração do capitalismo há um incentivo que conduz ao aumento das desigualdades: o princípio da competição, que favorece os mais ricos.

Recentemente, em um artigo do New York Times, o economista prémio nobel Joseph Stiglitz teorizou que o capitalismo não produz inevitavelmente desigualdades de riqueza. Ao invés disso, ele argumentou que as desigualdades de hoje são o resultado de decisões políticas que afetam a renda das pessoas: a estrutura de impostos que favorece os ricos, o resgate dos bancos durante a Grande Recessão, subsídios aos agricultores mais ricos, corte nos vales-refeição, etc. Na verdade, ele conclui, hoje não há “leis fundamentais do capitalismo.” Graças à democracia, as pessoas podem guiar a economia em várias direções e nenhum resultado é inevitável.

No livro de 2010 “A política dos ganham-tudo: como Washington tornou os ricos mais ricos e voltou as costas à classe média,” o professor de Yale Jacob Hacker e o professor de Berkeley Paul Pierson pareciam dar um suporte adicional à conclusão de Stiglitz. Como foi relatado por Bob Herbert no New York Times, eles argumentaram que “as lutas económicas das classes média e trabalhadora nos EUA desde o final dos anos 1970 não eram, primeiramente, o resultado da globalização e das mudanças tecnológicas, mas sim contra uma série de mudanças políticas no governo que favoreceram os mais ricos.”

Apesar do argumento de Stiglitz ter substância — decisões políticas podem ter um impacto profundo nos resultados económicos — ainda assim o capitalismo em si é o verdadeiro responsável pelas desigualdades económicas devido à sua natureza e ao alcance que ele tem nas esferas de decisões políticas que Stiglitz cita.

Para começar, na sociedade capitalista, é muito mais fácil ganhar dinheiro se você já tem dinheiro, e mais difícil se você for pobre. Então, por exemplo, uma pessoa rica pode comprar um certo número de casas hipotecadas e alugá-las para inquilinos desesperados sob alugueres ridiculamente altos. E então, cada vez que o aluguer é pago, o proprietário fica mais rico e o inquilino mais pobre, e as desigualdades aumentam.

Mais importante que isso, no coração do capitalismo há um incentivo que conduz ao aumento das desigualdades. O capitalismo se baseia no princípio da competição, e negócios devem competir uns com os outros para que sobrevivam. Cada companhia se esforça para maximizar seus lucros com o intuito de alcançar uma vantagem competitiva. Por exemplo, eles podem usar ganhos extras para compensar a baixa de preços de seus produtos, fazendo com que seus oponentes vendam menos e sejam empurrados para fora do mercado.

No intuito de maximizar seus ganhos, os negócios devem manter seus custos produtivos mínimos. Uma boa parte dos custos produtivos incluem o trabalho. Logo, os custos com o trabalho devem ser mantidos no nível mais baixo possível. Esta é a razão pela qual tantos negócios migram dos EUA e se realocam em países como a China, o Vietname, o México e Bangladesh, onde os salários são uma ninharia.

Esta tendência inerente de maximizar lucros enquanto se minimiza os custos com o trabalho resulta diretamente no crescimento das desigualdades. Stiglitz mesmo diz que os CEOs hoje “têm de um rendimento 295 vezes maiores do que de trabalhadores comuns, uma razão muito mais alta do que no passado.” Na verdade, em 1970, esta razão era de mais ou menos 40 vezes. Os C.E.Os que têm sucesso na supressão de salários são rotineiramente recompensados por seus esforços. Não há apenas um incentivo para manter os salários baixos para a sobrevivência da empresa, mas também para mantê-los altos em outros níveis.

Stiglitz está correto em argumentar que os políticos podem influenciar os resultados económicos por decisões políticas, mas o que ele não reconhece é que estas decisões são pesadamente influenciadas por relações económicas estabelecidas pelo capitalismo. Não há uma barreira entre economia e política. Aqueles que ganharam dinheiro do setor económico podem depois colocar este dinheiro para trabalhar no setor político fazendo lobby e bombardeando os políticos com contribuições de campanha. Ainda que os políticos neguem que estas contribuições tenham alguma influência em suas decisões, é inconcebível que negócios — sempre obcecados com suas contas — continuariam a dar estas contribuições sem um “retorno de seus investimentos”.

Diversos estudos confirmaram a influência do dinheiro nas decisões políticas. O San Francisco Chronicle relata, por exemplo, que “em um estado com 38 milhões de pessoas, poucos possuem tanta influência quanto os 100 maiores doadores para as campanhas da Califórnia — um clube poderoso que contribuiu pesadamente com os democratas e gastou 1.25 bilhões para influenciar as votações nos últimos 12 anos. Estes grandes investidores representam uma pequena fração das centenas de milhares de indivíduos e grupos que fizeram doações de 2001 até 2011. Mas eles forneceram cerca de um terço dos 3.67 bilhões de dólares dados a campanhas estaduais durante este tempo. Com poucas exceções, estas elites da campanha fizeram seu dinheiro valer a pena, de acordo com a análise de dados de campanha do Observatório da Califórnia”

Mesmo para além de contribuições de campanha, decisões políticas não são feitas em um vácuo distante do capitalismo. O capitalismo é um modo de vida, e por essa razão ele gera sua própria cultura e visão de mundo, que encobrem todas as outras esferas sociais — cultura que inclui a competição, o individualismo, o materialismo na forma do consumismo sempre segundo interesses individuais e não em consideração das necessidades dos outros, e assim por diante. Esta cultura infecta todos em algum grau; é como um éter que todos que estão próximos a ele inalam. Ela encoraja as pessoas a avaliarem as outras de acordo com seu grau de riqueza e poder. Ela recompensa aqueles que perseguem obstinadamente seus próprios interesses em detrimento dos outros.

A cultura do capitalismo, por causa do seu hiper-individualismo, também produz uma visão estreita do mundo. Ao enxergá-lo de um ponto de vista isolado, os indivíduos tendem a assumir que eles são pessoas que se fazem por si sós, e não que são um produto de seu redor e de suas relações sociais. Logo, os ricos presumem que sua riqueza foi adquirida através somente de seus talentos pessoais, enquanto enxergam aqueles que estão na pobreza como pobres de ambição e força de vontade para trabalhar. As pessoas são incapazes de enxergarem as complexidades subjacentes ao comportamento humano por causa da atomização da vida social. Mas as disciplinas de psicologia, sociologia e antropologia concordam que os indivíduos são em grande medida produtos do meio social em que vivem.

Em 1947, por exemplo, a American Anthropological Association argumentou em sua Declaração sobre os Direitos Humanos: “se começamos nossa análise pelo indivíduo, nós percebemos que a partir do momento de seu nascimento, não só seu comportamento, como seus próprios pensamentos, suas esperanças, suas aspirações, seus valores morais que direcionam sua ação, justificam e dão significado a sua vida perante si e os outros, tudo isso é formatado pelo corpo de costumes do grupo que ele se tornou membro.”

É desta maneira mais subtil que o capitalismo induz um crescimento das desigualdades. Por causa de seu ambiente competitivo, políticos estão mais vulneráveis a esta cultura capitalista do que as outras pessoas. A cultura capitalista engendra a mentalidade entre os políticos e os conduz a trabalhar em favor dos ricos e poderosos, enquanto voltam suas costas aos mais pobres ou os punem com o encarceramento em massa. Eles acham que é inteiramente natural aceitar dinheiro dos mais ricos para financiar suas campanhas de reeleição. E o quanto mais crescem as desigualdades, mais esta mentalidade os torna cego em relação às implicações destas decisões “naturais”.

Em 2011, Stiglitz escreveu um artigo constrangedor, “Dos 1%, pelos 1%, para os 1%,” onde ele argumentou vigorosamente que as grandes desigualdades de riqueza não interessam a ninguém. Mas os políticos ainda têm aceitado continuamente contribuições de campanha dos mais ricos, socializado com eles e feito as suas jogadas. Eles denunciam ritualmente os vergonhosos baixos impostos sobre os 1%, mas não fazem nada para alterar isso. A cultura do capitalismo triunfa sobre argumentos lógicos, e as desigualdades de riqueza continuam a se expandir. O capitalismo possui um punho de ferro no processo político.

Stiglitz concluiu seu artigo com uma declaração profética: “Os 1% mais ricos possuem as melhores casas, a melhor educação, os melhores médicos, o melhor estilo de vida, mas há uma coisa que o dinheiro parece não comprar: a compreensão de que seus destinos estão ligados a como os outros 99% vivem. Ao longo da história, isso é uma coisa que os 1% mais ricos eventualmente aprendem. Tarde demais.”

Enquanto os argumentos de Stiglitz não tiveram nenhum impacto contra o crescimento das desigualdades, o capitalismo produz a força capaz de colocar um ponto final nestas tendências destrutivas: a classe trabalhadora. Como argumentou Karl Marx, o capitalismo produz seus próprios “coveiros.” Nos anos 1930, trabalhadores organizaram sindicatos e lutaram batalhas para defender seus direitos de sindicalização e a salários justos. Estes sindicatos, que Stiglitz não menciona, tiveram um papel decisivo no controle das desigualdades e na deflagração de um período em que a classe média esteve em crescimento.

Como Marx notou em seu texto Contribuição para uma Crítica da Filosofia do Direito de Hegel: "A força material deve ser derrubada pela força material; mas a teoria também se torna uma força material assim que estiver entre as massas.”

A crítica de Stiglitz em relação às crescentes desigualdades terá um pequeno impacto nas decisões políticas até que elas sejam abraçadas pelas massas, pela classe trabalhadora, aqueles que o capitalismo explora cruelmente e que são facilmente descartados pelos políticos e académicos. Neste ponto a classe trabalhadora finalmente se levantará coletivamente e dará um basta neste sistema.

 

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