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Prevenir a próxima pandemia

01-11-2019 - Gro Harlem Brundtland, Elhadj As Sy

Imaginem o cenário seguinte. Numa questão de dias, uma pandemia mortífera de gripe espalha-se pelo mundo, suspendendo o comércio e as viagens, desencadeando o caos social, esgotando a economia global e colocando em perigo dezenas de milhões de vidas. Um surto de doença em tão larga escala é uma perspectiva alarmante, mas perfeitamente realista. Para atenuar os riscos, o mundo tem de tomar já medidas para se preparar.

Nos últimos anos, eclodiram vários surtos, de febre-amarela a Ébola, nomeadamente em zonas densamente povoadas. Agora, um novo relatório do Conselho de Monitorização da Prontidão Global adverte que a humanidade está a movimentar-se no sentido do equivalente para o século XXI da pandemia de gripe de 1918, que afectou um terço da população mundial e matou aproximadamente 50 milhões de pessoas.

Actualmente, um surto semelhante espalhar-se-ia de forma muito mais rápida e extensiva, e poderia afectar gravemente economias por todo o mundo, resultando potencialmente numa perda de 5% para a economia global. E contudo, apesar da ameaça que esta e outras emergências sanitárias representam para a segurança global, a preparação a que obrigam é raramente prioritária para os responsáveis políticos. Até hoje, nenhum governo financiou ou implementou integralmente o Regulamento Sanitário Internacional, o principal tratado internacional sobre segurança sanitária, com o qual todos os países se comprometeram. Não admira, portanto, que o mundo esteja lamentavelmente despreparado para uma pandemia que se espalhe rapidamente por via aérea.

Na verdade, já desenvolvemos muitas das ferramentas de que necessitamos para prevenir, tratar e conter doenças, nomeadamente vacinas, meios de diagnóstico e medicamentos. Mas os líderes mundiais não estão a fazer o suficiente para o alargamento da sua disponibilidade. E se uma pandemia eclodir, será demasiado tarde para evitar graves danos sobre as comunidades. É por isso que é urgentemente necessário investimento para distribuir tecnologias da saúde que salvem vidas às comunidades que mais delas necessitem.

Mas a prontidão para surtos é uma questão tão social, política e de segurança como uma questão médica, em que as medidas eficazes são travadas por factores como a pouca confiança nas instituições e a propagação deliberada de desinformação. Podemos ver isto no actual surto de Ébola da República Democrática do Congo.

De muitas maneiras, a Organização Mundial da Saúde e os seus parceiros melhoraram significativamente a sua capacidade de resposta desde o surto de Ébola de 2014-2016 na África Ocidental, nomeadamente através do emprego de vacinas, medicamentos e tecnologias inovadoras. Mas o surto actual na República Democrática do Congo desenrola-se num ambiente muito mais complexo, caracterizado pela politização e pela falta de confiança nas autoridades e nos profissionais de saúde, e está a afectar comunidades que sofrem de inseguranças graves e de longa data. Num contexto como este, as soluções descendentes não são suficientes.

Os surtos iniciam-se e terminam nas comunidades; porém, as autoridades nacionais e internacionais raramente dispõem de tempo ou realizam os investimentos necessários para envolvê-las. Uma melhor abordagem reconheceria as necessidades de cada comunidade e garantiria que as populações locais são plenamente envolvidas nos mecanismos de planeamento e responsabilização.

Claro que a protecção contra surtos de doenças custará dinheiro. Mas não tanto quanto se poderia pensar: segundo os dados do Banco Mundial, a maioria dos países só precisaria de gastar entre 1 e 2 dólares por pessoa por ano para alcançar um nível aceitável de prontidão face a emergências sanitárias. Isto significa um retorno do investimento de dez para um, ou mesmo mais.

E o retorno do investimento não considera os benefícios externos à saúde para a economia ou para a estabilidade social. No actual mundo intensamente interligado, se uma comunidade não conseguir prevenir ou impedir surtos de doenças, todos estão em risco. Portanto, todos os sectores da sociedade, incluindo o sector da segurança, têm de estar envolvidos na prevenção e no planeamento, e os países mais ricos precisam de investir mais na ajuda a países de baixos rendimentos para alcançar níveis adequados de prontidão.

Isso inclui não apenas iniciativas direccionadas, mas também investimentos mais generalizados que melhorem a qualidade, o alcance e a sustentabilidade dos sistemas de saúde públicos e o pleno envolvimento das comunidades. De qualquer forma, era isso que o mundo deveria estar a fazer: o Objectivo de Desenvolvimento Global das Nações Unidas nº 3 visa  concretizar “a cobertura universal de saúde, incluindo a protecção para riscos financeiros, o acesso a serviços essenciais de saúde de qualidade, e o acesso a medicamentos e vacinas seguros, eficazes, de qualidade e baratos para todos” até 2030.

Há demasiado tempo que as emergências sanitárias são recebidas por um ciclo de pânico e negligência – uma abordagem que é altamente ineficaz e dispendiosa – e isso está a colocar-nos a todos perante um risco crescente. Os governos de todo o mundo têm de começar a pensar no futuro e a aumentar o financiamento aos níveis comunitário, nacional e internacional para reforçar os sistemas de saúde, melhorar a nossa capacidade de resposta a emergências sanitárias, e impedir o alastramento dos surtos, independentemente de se tratarem de agentes patogénicos conhecidos como o Ébola, ou desconhecidos, como os que são transmitidos pelos animais aos humanos.

Temos o conhecimento e as ferramentas. Não há desculpa para sermos apanhados desprevenidos.

GRO HARLEM BRUNDTLAND

Gro Harlem Brundtland, ex-primeiro ministro da Noruega e ex-director geral da Organização Mundial da Saúde, é co-presidente do Conselho de Monitorização da Preparação Global.

ELHADJ AS SY

Elhadj As Sy, Secretário-geral da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, é co-presidente do Conselho de Monitorização da Preparação Global.

 

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