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Tancos. Fugas de informação "minaram" e "descredibilizaram" a investigação da PJ

18-10-2019 - Valentina Marcelino

A Polícia Judiciária reuniu dezenas de recortes de imprensa com informações sobre a investigação ao furto de Tancos - cuja origem atribui à Polícia Judiciária Militar - que tiveram impacto negativo no processo: descredibilizaram a investigação e "minaram irremediavelmente as diligências".

Fugas de informação para os jornais que "possibilitaram aos suspeitos ter acesso às linhas de trabalho da investigação, bem como às diligências que iam sendo realizadas", causaram "o descrédito na investigação" e "minaram todas as diligências de forma irremediável, conduzindo a uma constante alteração de procedimentos e estratégias de investigação".

São estas as principais conclusões da Polícia Judiciária (PJ) num relatório que desenvolveu no âmbito do processo de Tancos, que o DN consultou no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

A PJ reuniu dezenas de artigos e cronologicamente estabeleceu uma relação entre as informações partilhadas com a Polícia Judiciária Militar (PJM), ainda numa fase inicial do inquérito, e as notícias que foram publicadas, apontando o dedo aos militares pelas "sucessivas fugas".

No documento designado "Informação", datado de 14 de setembro de 2019 (cerca de uma semana antes de ser deduzida a acusação), a PJ considera "essencial" para o inquérito "compreender os problemas levantados pela PJM e as quebras sistemáticas do segredo de justiça" que aconteceram durante esta investigação.

O primeiro exemplo dado refere-se a uma reunião logo no dia 6 de julho de 2017 em que a PJM foi informada de que a PJ tinha pedido informações às operadoras sobre os metadados dos telemóveis e às gestoras de autoestradas dados sobre o tráfego rodoviário.

No dia a seguir de manhã, um jornal noticiava a diligência: "Telemóveis e câmaras ajudam a polícia."

"Este é somente um exemplo, a par dos inúmeros comentadores e entendidos que todos os dias enchem a televisão e os jornais, que de forma irresponsável, pensando apenas no protagonismo pessoal, dissertam sobre elementos a coberto do segredo de justiça, totalmente imunes a qualquer procedimento criminal, sem se preocuparem se estão a fornecer elementos aos autores do furto, levando-os a destruir eventuais elementos de prova que ainda se encontrem na sua posse", escrevem os investigadores num outro texto do processo intitulado "Da violação do segredo de justiça", recordando este artigo.

Vários outros artigos "que demonstram o conhecimento de pormenores da investigação" seguem-se neste pequeno dossiê. Quer publicados logo a seguir ao furto quer a seguir à encenação da recuperação do material.

Ao mesmo tempo que, de acordo com o que é relatado pela PJ, nos bastidores da investigação a PJM dificultava ao máximo o progresso do inquérito.

Suspeitos informados pelas notícias

"Tornaram-se constantes os atrasos na entrega das informações solicitadas à PJM e, simultaneamente, começaram a ser difundidas na comunicação social diversas notícias que relatavam pormenorizadamente diversos elementos da investigação, nomeadamente a informação que deu origem aos autos, ainda antes de ter ocorrido o furto" - uma referência à denúncia anónima que tinha chegado ao Ministério Público, no Porto, em março de 2017, sobre a preparação de um assalto a paióis na zona centro, na qual era indicado não só o principal suspeito, João Paulino, o cabecilha do furto, como também o informador do MP, Paulo Lemos, conhecido por Fechaduras.

Foram vários os detalhes do processo e diligências que vieram a público: "A recolha de elementos de prova em Espanha (um saca-cilindros que Paulino foi comprar àquele país)", a "recolha de informação junto das concessionárias de auto-estradas"; a "utilização de intercepções telefónicas"; e, claro, "a identificação dos suspeitos" são outros exemplos apresentados no relatório.

Estas fugas de informação, assinala a PJ, "possibilitaram aos suspeitos ter acesso às linhas do trabalho da investigação, bem como às diligências que iam sendo efetuadas".

Não foi por isso "surpresa" para a equipa da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo (UNCT) da PJ, que liderava a investigação, os assaltantes "terem adotado uma atitude de desconfiança no seu dia-a-dia, que se traduziu na opção pela utilização de aplicativos de chat para falar com outros suspeitos, em detrimento das chamadas de voz, na não utilização do telemóvel em determinados momentos para impedir a sua localização celular, ou mesmo na realização de manobras de contravigilância observáveis em sede de diligências de vigilância".

Garante a PJ que "a divulgação destes elementos na imprensa teve como resultado o descrédito da investigação, minando igualmente todas as diligências de forma irremediável e conduzindo a uma constante alteração de procedimentos e estratégias de

investigação".

Notícias debatidas pelos assaltantes

Num outro capítulo designado "Após o furto: pressão da investigação criminal e da comunicação social", a PJ sublinha que "alguns pormenores veiculados na comunicação social vieram fomentar a desconfiança de que alguém no seio do grupo, já em data anterior aos factos, estaria a passar a informação à polícia".

Recordam, mais uma vez, o impacto negativo das fugas sobre a denúncia anónima, as notícias de dia 5 de julho de 2017, seis dias depois do assalto (divulgado a 29 de junho) em que é escrito que o Ministério Público estava a investigar a tal denúncia sem que o Exército tivesse sido alertado para a iminência do assalto. Paulino e Fechaduras eram suspeitos, diziam os jornais.

Na véspera, o Presidente da República visitou os paióis e, numa reunião à porta fechada em que participaram altas patentes militares - incluindo os então chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Pina Monteiro, e o ministro da Defesa Nacional, o então diretor da PJM, coronel Luís Vieira - tinha partilhado esta informação em segredo de justiça.

Nesse mesmo dia à noite, o comentador José Miguel Júdice afirmou na TVI que um "político de nível muito elevado" o informou de que os responsáveis pelo furto em Tancos estavam "sob suspeita" e vigilância para serem apanhados "em flagrante delito".

Quando inquirido pelo MP, o major Pinto da Costa acabou por assumir que era da PJM que saíam as fugas para a comunicação social, designadamente a de entregar Fechaduras. "Quem é que tinha interesse em queimar o Fechaduras na comunicação social?, perguntaram os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). "Era, era... éramos nós", respondeu Pinto da Costa.

Uma testemunha da investigação que trabalhava no bar onde o gangue se reunia, em Ansião, terra de João Paulino, confirmou que "todos debatiam as notícias que estavam a ser difundidas sobre o processo de Tancos". Ao mesmo tempo, esta testemunha, referida no relatório da PJ, "apercebeu-se de uma alteração no comportamento do arguido João Paulino no verão de 2017. Começou a mostrar sinais de andar preocupado, o que se refletiu num comportamento mais irritável com os amigos e os clientes do bar".

Paulino passou a saber que era suspeito do assalto e que havia um traidor no grupo, sendo Fechaduras aquele de quem mais desconfiava, pois tinha participado no crime e não pertencia ao seu núcleo duro de Ansião. Chegou a ordenar a outro dos elementos do grupo para vigiar Paulo Lemos.

A partir daqui, notaram os investigadores, quase nada conseguiram apanhar nas escutas e nas vigilâncias, pois o ex-fuzileiro não era propriamente amador nas manobras de fuga às atenções das autoridades.

Investigação "esventrada"

Quando foi ouvido na Assembleia da República no âmbito da comissão de inquérito ao furto de Tancos, o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, foi muito duro nos adjetivos que usou para caracterizar o impacto das fugas de informação neste inquérito.

A investigação da PJ "foi destruída e esventrada" com sucessivas fugas de informação para a comunicação social, afirmou Luís Neves, responsabilizando a Judiciária Militar.

A informação revelada por Luís Vieira na reunião de Tancos foi um dos exemplos dados pelo diretor da PJ como exemplo. "A partir daí os próprios suspeitos ficaram a saber que eram suspeitos e acabou com o efeito surpresa da investigação", sublinhou.

Neves revelou ainda que "tudo o que era dito" nas reuniões com a PJM (que o MP tinha também colocado na equipa para apoiar a PJ), em que eram definidas estratégias de investigação, "era replicado nos jornais". Um dos casos referidos é uma tentativa de simular um comprador (antigo combatente do IRA) para o material de guerra, o que Paulino, já desconfiado, não deu qualquer hipótese.

Meias verdades manipuladas

A análise da PJ debruçou-se também sobre as notícias que foram publicadas já depois de as armas terem sido devolvidas - em conluio com João Paulino e através da encenação da PJM e da GNR de Loulé.

Por um lado, é registado que o ex-fuzileiro começa a enervar-se com a atenção mediática que o caso continuava a ter. "A entrega negociada do material dos Paióis Nacionais de Tancos, solução encontrada pelo arguido João Paulino, não veio resolver a situação. O arguido foi tomando consciência, através das notícias transmitidas pela comunicação social (...), de que a investigação ao caso Tancos não tinha abrandado e que a mesma estava entregue à Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo da PJ. Esta realidade implicava que a responsabilidade da investigação não estava nas mãos das pessoas que fizeram o acordo com o arguido", sublinha a Judiciária neste relatório integrado no processo do MP.

Por outro lado, é assinalado na análise da PJ: "Resulta claro (...) a percepção de que as fugas de informação para a comunicação social acerca de aspectos específicos da investigação criminal relacionada com o furto e o 'achamento' do material de guerra de Tancos tinham como fonte o arguido Vasco Brazão, que, para 'reagir onde a PJ é mais forte - nos órgãos de comunicação social' (citação de um memorando escrito por Brazão que foi apreendido nas buscas) - foi manipulando e vazando meias verdades (...), inverdades e mentiras completas (...), tudo com o propósito de descredibilizar a capacidade de investigação da PJ em processos que assumiam algum mediatismo e de, em contrapartida, enaltecer as competências e a imagem da PJM (...) criando assim uma poluição no espaço público onde nada era esclarecido e apenas era dado a conhecer pelos media situações que afinal não existiam."

Além dos crimes por que está acusado no âmbito do inquérito ao furto e à encenação da recuperação do material (associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário), o MP extraiu uma certidão deste processo principal para instaurar um outro inquérito contra Vasco Brazão por violação de segredo de justiça.

O MP acusou 23 pessoas neste inquérito, os nove assaltantes, 13 militares da PJM e da GNR e o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes.

Fonte: DN.pt

 

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