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Como restabelecer a confiança na comunicação social – e como não fazê-lo

12-07-2019 - Alexandra Borchardt

Na maioria das indústrias, é fácil identificar um produto de qualidade, graças a indicadores como o preço, a marca e as avaliações. Mas no jornalismo é cada vez mais difícil discernir a qualidade, nomeadamente porque, na era digital, marcas de confiança como a BBCou   The New York Times , das quais se pode esperar que cumpram padrões jornalísticos há muito estabelecidos, são largamente ultrapassadas em número por publicações arrivistas, blogues e relatórios comunitários.

Não surpreende, portanto, à medida que as alegações de “notícias falsas” têm vindo a proliferar nos últimos anos, que a confiança na comunicação social – consagrada ou não – tenha caído a pique. De acordo com o Digital News Report 2017 do Reuters Institute, as pessoas que consomem notícias com regularidade fazem-no com um cepticismo significativo. Só cerca de 50% dos utilizadores confiam nas marcas da comunicação social que escolhem consumir; muito menos confiam em meios de comunicação que não utilizam. Com demasiadas opções e tão pouca confiança nos meios de comunicação, perto de um terço das pessoas já desistiu de seguir as notícias.

Mas o jornalismo não é um luxo dispensável. É um bem público crítico, que possibilita que os cidadãos tomem decisões informadas, ao mesmo tempo que responsabiliza os que ocupam o poder. Só poderá cumprir essa função se for um produto de qualidade – e as pessoas sabem isso. Porém, distribuir um produto com uma tal qualidade não é uma tarefa simples.

O primeiro problema é que não existe uma definição clara do que constitui o jornalismo de qualidade, e isso aumenta o risco de que o padrão da “qualidade” se torne numa ferramenta de censura. Quando Adolf Hitler queria que um livro fosse queimado, bastava-lhe afirmar que não cumpria os “padrões” da ideologia nazi. De modo semelhante, um governo actual poderia citar problemas de qualidade para atacar a credibilidade dos seus críticos ou para justificar negar-lhes a cedência de credenciais jornalísticas.

Algumas organizações, preocupadas com o futuro da comunicação social, estão a tentar contornar este perigo, através da criação de indicadores de confiança. De forma mais notável, a Journalism Trust Initiative, liderada pelos Repórteres sem Fronteiras, está a criar directrizes voluntárias e um enquadramento de melhores práticas que evoluirá para um processo oficial de certificação. Algumas organizações promovem indicadores de fácil reconhecimento visual, como os usados na rotulagem de alimentos, enquanto outras defendem um sistema ISO 9000 que evoca a gestão da qualidade industrial.

Mas o que certificariam exactamente estes sistemas? Poderá parecer que a resposta mais lógica seja as organizações de comunicação social. Mas até as redacções de primeira categoria produzem uma grande quantidade de conteúdos de classe inferior, devido a factores que vão da falta de fontes disponíveis ao simples erro humano. Isto implica que não se pode confiar da mesma maneira em todos os conteúdos produzidos por uma dada organização.

É claro que algumas organizações possuem uma reputação comprovada de seguir determinados procedimentos para minimizar falhas, e de corrigir os erros que escapam. Mas, com toda a probabilidade, estas organizações são as mesmas que já desfrutam da confiança significativa do público. Qualquer confiança que tenham perdido nos últimos anos não será compensada por um novo rótulo que confirme a sua qualidade.

Quanto às publicações que beneficiariam com um tal rótulo, com maior probabilidade serão mais pequenas, mais recentes, e por conseguinte estarão menos equipadas para lidarem com a camada adicional de burocracia associada a um procedimento de certificação. As certificações de qualidade ao nível da organização poderiam assim prejudicar os novos entrantes, ao mesmo tempo que ajudariam as organizações já estabelecidas.

A alternativa à certificação ao nível da organização seria a sua aplicação a conteúdos individuais. Mas esta seria uma tarefa hercúlea em termos de volume; pior, poderia criar incentivos perversos, fazendo com que os jornalistas perseguissem certificações do mesmo modo que hoje perseguem prémios, por vezes em detrimento do seu trabalho. O repórter alemão Claas Relotius ganhou vários prémios pelas suas narrativas brilhantes, antes de ter sido revelado que as histórias que contava não eram verdadeiras.

De qualquer forma, permanece a questão do que define exactamente a qualidade de um conteúdo. Terá este de ser simplesmente baseado em factos? Será apenas aplicável a notícias políticas e empresariais sérias, ou inclui as peças sobre estilos de vida, entretenimento ou de interesse humano? Estas perguntas complicam-se ainda mais no ecossistema digital: algumas publicações em blogues podem contar como peças jornalísticas, mas esse não será certamente o caso para a totalidade das mesmas.

O jornalismo nunca será, digamos, como a indústria do transporte aéreo, onde se aplicam normas e procedimentos rigorosos a cada acção e a cada produto. Mas, até recentemente, isso não era necessário: os jornalistas aderiam aos códigos de conduta ética e profissional, e eram supervisionados por organismos que agiam em caso de violação. Fazer as coisas da maneira certa era a norma – mesmo que o conceito de “certo” tenha sido sempre passível de várias interpretações.

É assim que as sociedades funcionam. Uma pessoa não precisa de uma “certificação de confiança” para participar numa família ou numa comunidade (embora o governo da China gostasse de mudar isso). O contrato social estabelece determinadas normas de comportamento que as pessoas cumprem na generalidade; os rótulos só são necessários quando a confiança é abalada.

É a este   status quo   que o jornalismo deve regressar. Isso significa, antes de mais, que as organizações individuais se responsabilizem pela qualidade dos seus conteúdos, e que adiram a um conjunto de regras, nomeadamente de supervisão e de revisão, para a garantirem. Quando isso não pudesse ser assegurado pela própria organização – por exemplo, quando um cidadão jornalista exerce actividade num ambiente antidemocrático – a tarefa poderia ser assegurada por organismos externos.

Na definição destes sistemas, poderiam ser aproveitadas lições aprendidas em projectos de informação colaborativos, como o que cobriu os Panama Papers, onde os investigadores gozam de liberdade individual, garantindo desse modo uma pluralidade de opiniões e uma concorrência saudável, mas têm de cumprir determinadas normas. Com a evolução da tecnologia, também poderia ser introduzida a verificação automática de factos, especialmente nas redacções com menos recursos.

Numa era de acesso sem precedentes à informação, verdadeira ou não, as pessoas de todas as idades têm de melhorar a sua literacia comunicacional. Mas isso não isenta as organizações da comunicação social da sua responsabilidade. Ajudadas por um público consciente e crítico, têm de monitorizar-se a si próprias e umas às outras, como fizeram no passado.

ALEXANDRA BORCHARDT

Alexandra Borchardt é investigadora associada sénior do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo na Universidade de Oxford.

 

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