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Um antídoto popular para o populismo

05-07-2019 - Ismaël Emelien, David Amiel

Os partidos políticos que em tempos dominaram as democracias ocidentais foram sacudidos até ao âmago. Muitos sofreram fracassos eleitorais, principalmente em França, Itália, Grécia, Reino Unido e outros lugares. Outros mudaram tão radicalmente que apenas o seu nome continua o mesmo. O Partido Republicano do presidente dos EUA, Donald Trump, tem pouco em comum com o do ex-presidente Ronald Reagan.

Estes desenvolvimentos são semelhantes em todo o Ocidente. Os líderes dos partidos outrora dominantes oscilam entre a negação e o desespero, enquanto os populistas “roubam” os seus apoiantes tradicionais. Alguns recusam-se a ver qualquer razão legítima para a sua derrota, descartando os defensores dos seus opositores como sendo “deploráveis”, como Hillary Clinton fez pouco antes de perder contra Trump, em 2016; outros estão demasiado petrificados pelo surto populista para prepararem um contra-ataque.

Mas nem a negação nem a complacência vão quebrar o impasse político. Os progressistas devem reconstruir e isso começa com o diagnóstico das falhas dos partidos tradicionais. Parte do problema é que os partidos tradicionais não conseguiram reconhecer os verdadeiros problemas da época. Continuam a combater em antigos campos de batalha ideológicos e fecharam os olhos ao declínio da mobilidade social, às crescentes crises ambientais, ao aumento da desigualdade geográfica, às tensões sobre o multiculturalismo e outras questões que realmente importam aos eleitores. Há algumas décadas, eles eram a vanguarda. Hoje, estão sozinhos na floresta, a questionar-se para onde é que todos foram.

As ciências sociais podem ter uma resposta sobre o porquê de a tendência dominante se ter perdido pelo caminho. A lacuna entre a análise objetiva da realidade e as políticas governamentais tornou-se um abismo. Na maioria dos países ocidentais, por exemplo, os economistas sabem há muito tempo sobre a crescente desigualdade em termos de rendimento e outros indicadores entre algumas cidades afluentes - que beneficiam da globalização - e o resto do país. No entanto, só com a chegada da administração do presidente francês, Emmanuel Macron é que um líder nacional aprovou reduções dos impostos com base no sítio onde se vive. Consequentemente, 1% do PIB de França está a ser redistribuído primeiro entre as zonas mais pobres do país.

Os partidos tradicionais também poderiam aprender alguma coisa se ouvissem diretamente os eleitores, em vez de o fazerem apenas através dos filtros da comunicação social e entrevistadores para estudos de opinião. Em 2016, o movimento de Macron,   En Marche ! , iniciou a maior viagem para se prestar atenção ao que se diz na história de França. O que os eleitores disseram aos agentes eleitorais tornou-se a base da campanha presidencial de Macron.

Por exemplo, mais de um ano antes das revelações dos alegados abusos sexuais de Harvey Weinstein,“La Grande Marche” reuniu inúmeros testemunhos de mulheres sobre assédio e Macron prometeu combater o problema se fosse eleito. Na época, a postura de Macron fez dele o alvo das piadas dos adversários; o riso logo desapareceu com o início da era #MeToo.

Ainda assim, uma compreensão precisa da sociedade não é suficiente. Os partidos tradicionais também sofrem de má organização. Acreditaram durante muito tempo que a política moderna deveria ser organizada em torno das eleições, com ativistas a comparecer periodicamente para distribuir panfletos e aplaudir os candidatos. Isso não era cinismo, mas sim um sintoma de uma estratégia que trata a democracia como um mercado que inclui fornecedores, que são o governo, e consumidores, que são os cidadãos. Nesta perspetiva, apoderar-se e manter o poder é a única   raison dêtre   de um partido.Não é de admirar que os cidadãos e até os membros dos partidos se sintam ignorados entre eleições.

Apesar dessas fraquezas, os partidos estabelecidos tiveram uma série de vantagens que impediram o seu colapso. Nos últimos anos, eles tiveram uma vantagem tecnológica sobre os adversários menos estabelecidos e foram os únicos atores políticos com círculos eleitorais organizados que poderiam mobilizar pessoas para as eleições, organizar protestos e iniciar petições.

Mas esse modelo já não é sustentável. Os cidadãos, hoje em dia, recusam-se a ser meros consumidores de políticas públicas. Com o aumento dos níveis de educação, surgiram novas exigências para o empoderamento. Os eleitores querem ser tratados como atores políticos por direito próprio, não como peões no jogo de terceiros.

Além disso, os próprios governos já não são os únicos fornecedores de políticas. Esta é uma das duras lições que aprendemos durante dois anos a trabalhar ao lado de Macron no Palais de l’Élysée. Os principais desafios políticos atuais - alterações climáticas, extremismo religioso, rutura digital, igualdade de género - não admitem soluções apenas dos governos nacionais. Tais desafios exigem profundas mudanças culturais e, na maioria dos casos, ações a nível sub e supranacional.

Finalmente, a tecnologia reduziu as barreiras de entrada à participação política, de modo que os partidos tradicionais não podem mais contar com uma vantagem habitual e redes de apoio enraizadas. Depois de se dominar o Google, o Twitter e o Facebook, já não se precisa de uma máquina partidária centenária.

Os movimentos políticos devem ser reconstruídos em conformidade. O foco deve estar em ações específicas, não apenas nas eleições. A estrutura da gestão formal de um partido deve servir como a “área de apoio” administrativo; a área operacional deve ser constituída por pessoas no terreno. No movimento   La République En Marche ! , referimo-nos a eles como projetos de cidadania locais. Eles podem incluir qualquer coisa, desde cursos de leitura depois das aulas e programas de integração de migrantes até hortas cooperativas e sessões de formação digital para cidadãos da terceira idade. Em cada caso, o objetivo é oferecer soluções adaptadas aos problemas locais, fortalecendo assim as comunidades. Tais projetos devem agora ser considerados como complementos essenciais às políticas públicas.

No futuro, a capacidade de um partido oferecer oportunidades gratificantes pelo envolvimento político e comunitário será essencial para a sua atratividade E ao demonstrarem o progressismo em ação diariamente, os partidos já terão lançado as bases para o sucesso na chegada das eleições.

Quando os eleitores se recusam a ouvir o que alguém tem a dizer, gritar mais alto não é a solução. Esta é a dura lição que os partidos tradicionais aprenderam. Somente demonstrando um empenho para melhorar vidas, em vez de simplesmente ganhar eleições, se pode convencer as pessoas a tomar partido. Restabelecer a ligação com as preocupações dos eleitores caminha, portanto, lado a lado com a adaptação das organizações partidárias. Para uma alternativa vencedora ao populismo, precisamos de progressismo popular.

DAVID AMIEL

David Amiel coordenou a concepção da plataforma de campanha do Presidente francês Emmanuel Macron e foi consultor político do presidente de 2017 a 2019. É co-autor de Le Progres Tombe Pas du Ciel: Manifeste.

ISMAËL EMELIEN

Ismaël Emelien, co-fundador da En Marche!, é diretor de estratégia do presidente francês Emmanuel Macron desde 2014 e foi conselheiro especial de Macron para estratégia e comunicação de 2017 a 2019. Ele é co-autor de Le progrès ne tombe pas du ciel: Manifeste.

 

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