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Três lições a retirar dos protestos de Hong Kong

05-07-2019 - Steve Tsang

Os enormes protestos das últimas semanas em Hong Kong demonstraram a intensidade da determinação dos seus cidadãos em manterem o seu estilo de vida democrático – algo que lhes teria sido supostamente garantido quando o Reino Unido devolveu a soberania da cidade à China, em 1997. Além disso, destes protestos podem retirar-se três grandes lições: para a chefe do governo de Hong Kong, Carrie Lam, para os próprios manifestantes, e para os governantes da China.

Durante os últimos anos, as autoridades chinesas têm aumentado paulatinamente a sua interferência nos assuntos de Hong Kong, desgastando gradualmente o princípio de “um país, dois sistemas” que deveria garantir um “elevado grau de autonomia” à cidade depois de 1997. A crise actual deriva do desejo da China por um enquadramento legal para a devolução de fugitivos do continente que tenham alegadamente usado a cidade como porto seguro para ganhos ilícitos. Em muitos aspectos, a lei de extradição introduzida por Lam representava uma extensão para Hong Kong da campanha anticorrupção do presidente chinês Xi Jinping, e destinava-se a evitar outros incidentes como o sequestro na cidade do magnata Xiao Jianhua por forças de segurança chinesas em 2017.

Não existem provas de que a China tenha dado instruções detalhadas a Lam sobre a promulgação da lei. Em vez disso, ela parece ter assumido a sua introdução. Porém, Lam excedeu o seu mandato ao tornar a proposta de lei de extradição aplicável não apenas a fugitivos chineses do continente, mas também a todos os cidadãos normais de Hong Kong, e ainda a estrangeiros que residam temporariamente na cidade ou que a visitem.

A legislação proposta era tão abrangente que os activistas democratas, tal como os empresários caídos em desgraça perante os seus parceiros do continente, recearam que pudessem ser legalmente extraditados para a China, para serem julgados pelo seu sistema jurídico controlado pelo partido. As empresas também se preocuparam com a possibilidade dos seus bens serem confiscados.

Como evidenciaram as faixas e as palavras de ordem nas manifestações, o alvo dos manifestantes não era o Partido Comunista da China (PCC) nem Xi. Nem foi a percepção popular de Lam como marioneta de Beijing que acabou por trazer dois milhões de residentes em Hong Kong – quase 30% da população da cidade – para as ruas. Mais propriamente, os enormes protestos reflectiram a preocupação generalizada dos cidadãos quanto ao seu modo de vida, e a raiva perante a flagrante má gestão de Lam.

A chefe do governo demonstrou uma espantosa inépcia política. Para começar, Lam tentou apressar a controversa legislação através da legislatura da cidade, em vez de seguir os procedimentos normais. Para piorar, ordenou a seguir que a polícia respondesse com força à manifestação de 9 de Junho, que mobilizou um milhão de manifestantes. Ocorrendo pouco depois do sensível 30º aniversário do massacre da Praça Tiananmen, em 1989, e logo quando Xi se preparava para reunir com o presidente dos EUA, Donald Trump, para procurar uma suspensão da guerra comercial sino-americana, a resposta policial em Hong Kong foi embaraçosa, e não correspondeu às intenções da China.

Ao ordenar a repressão, Lam ignorou as normas de policiamento de grandes manifestações que existiam em Hong Kong desde a década de 1980. Os agentes monitorizavam as manifestações usando chapéus normais e armados com água engarrafada, e ofereciam apoio a qualquer manifestante que precisasse de assistência. No passado, esta abordagem garantira invariavelmente a colaboração dos manifestantes. Mas a mobilização de polícias envergando equipamento antimotins, e a sua utilização de gás pimenta, de gás lacrimogénio e de balas de borracha, fomentaram a ira do público e levaram inevitavelmente a surtos de violência.

A resposta inicial de Lam consistiu em apresentar uma desculpa pouco convicta e uma promessa de suspensão da legislação, ao mesmo tempo que insistia que as pessoas que tinham sido presas eram agitadores. Isto agravou ainda mais a ira dos cidadãos, e levou a que a China lhe retirasse o apoio. O pedido subsequente de desculpas de Lam, mais franco, e a sua promessa de que a lei não seria reintroduzida num futuro previsível, conseguiram desde então diminuir a indignação pública, e as grandes manifestações pararam por agora. Mas o sentimento popular continua inflamado.

A primeira e mais óbvia lição a retirar dos acontecimentos recentes é que Lam representa um risco como chefe de governo, e que desbaratou toda e qualquer credibilidade. Foi um embaraço para a China e uma líder regional ineficaz. Xi e o seu governo mantê-la-ão no cargo por agora, tanto para evitar entregar um escalpe aos manifestantes como para encontrar um substituto adequado. Mas a perspectiva de Lam cumprir o seu mandato até ao fim é remota. A melhor coisa que ela pode fazer por Hong Kong será demitir-se antes que a China a despeça. Ela descobrirá rapidamente que o PCC não esquece nem perdoa.

Em segundo lugar, os manifestantes e activistas de Hong Kong foram até agora bem-sucedidos porque não desafiaram directamente Xi ou o PCC, mas porque se focaram em vez disso nas falhas de LAM e porque exigiram a retirada da legislação sobre a extradição. Xi pôde retirar o apoio à chefe do governo, em grande parte por ela não ter feito o que este lhe pediu. Caso Lam estivesse apenas a fazer o que lhe mandavam, Xi não poderia ter recuado sem parecer fraco.

Em terceiro lugar, a China deveria reconhecer que o seu processo para selecção do chefe do governo de Hong Kong é profundamente deficiente. Lam é politicamente inepta, em grande parte porque lhe falta a sabedoria adquirida por todos os políticos eleitos através da agitação do processo eleitoral. Escolhido por um “eleitorado seleccionado” (NdT: “selectorate”, no original), o líder de Hong Kong não possui as aptidões políticas necessárias ao devido desempenho das suas funções – um problema que afectou todos os antecessores de Lam desde 1997.

Se os líderes da China não podem apoiar eleições directas genuínas para o chefe do governo, devem pelo menos voltar ao seu plano anterior de organizar um sufrágio popular depois de afastados os candidatos mais questionáveis. Os democratas de Hong Kong devem aceitar esta solução de compromisso. É do interesse de todos que seja minimizado o risco de protestos substanciais que fujam ao controlo e que se transformem num confronto directo entre a cidade e o PCC.

STEVE TSANG

Steve Tsang é director do SOAS China Institute na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e autor de A Modern History of Hong Kong.

 

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