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Domar o Faroeste da inovação digital na saúde

21-06-2019 - Asha George, Amnesty Lefevre, Rajani Ved

A tecnologia digital está a revolucionar as nossas vidas quotidianas. Dispositivos móveis monitorizam os nossos movimentos, algoritmos de marketing orientam o nosso consumo, e redes sociais moldam as nossas visões do mundo e a nossa política. Embora estas inovações tenham as suas vantagens, também acarretam riscos significativos, incluindo o potencial aumento das desigualdades existentes nas nossas sociedades. Esta perspectiva torna-se especialmente preocupante no que diz respeito à saúde global.

A sustentação e reprodução das inovações digitais na saúde não é um processo simples. Das mais de 600 iniciativas-piloto para saúde móvel que emergiram na última década, muito poucas chegaram à entrega em larga escala, e ainda menos foram sustentadas. Não obstante, algumas iniciativas digitais de saúde de grande importância – como a MomConnect na África do Sul e a Mobile Academy, TeCHO+, e ANMOL na Índia – foram transferidas, pelo menos em parte, do financiamento por doadores para o financiamento pelos governos. Esta transferência faz parte de uma vaga contínua de entusiasmo pelo potencial das novas tecnologias para melhorar os sistemas de saúde e, por sua vez, a saúde. Também reflecte oportunidades cruciais para moldar o sector da saúde digital em modos que beneficiem toda a sociedade.

Na verdade, já estão a ser tomadas medidas para posicionar as tecnologias digitais relacionadas com a saúde como uma força disruptiva para o bem. A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou   recentemente a criação de um Departamento de Saúde Digital, juntamente com orientações para intervenções no campo da saúde digital.

Além disso, já foram lançadas globalmente algumas iniciativas bastante prometedoras. Por exemplo, os governos do Gana, da África do Sul e da Tanzânia, entre outros, estão a aproveitar o acesso quase universal aos telemóveis para complementar interacções limitadas com os prestadores de cuidados de saúde por meio da disponibilização aos beneficiários de informações médicas importantes.

As iniciativas centradas na  distribuição de ferramentas digitais aos prestadores de cuidados de saúde – na Índia, por exemplo – permitem-lhes eliminar os incómodos registos em papel e melhorar o conteúdo clínico da entrega de serviços (com algoritmos para apoio à tomada de decisão, vídeos, e outros conteúdos que podem melhorar as interacções entre os pacientes e os prestadores de cuidados). Também estão a ser desenvolvidos esforços para usar a tecnologia   blockchain   na monitorização dos fluxos de financiamento e na facilitação do pagamento atempado a prestadores de cuidados primários de saúde.

Mas não existem garantias que as inovações digitais na saúde proporcionarão benefícios partilhados. É por isso que, antes de avançar com qualquer nova ferramenta digital, é vital ponderar quem será alcançado pela mesma, quais as motivações dos vários intervenientes envolvidos no seu desenvolvimento e implementação, e quais as implicações e custos de oportunidade tanto para os utilizadores como para os sistemas de saúde.

Comecemos pelo alcance. Se um produto exigir um elevado nível de literacia digital, poderá ser inacessível a pessoas que já têm pouco acesso à educação ou aos cuidados de saúde; consequentemente, a sua adopção potenciaria e reforçaria desigualdades. Para optimizar a concepção, o alcance e a eficácia dos programas de saúde digital, as capacidades dos utilizadores e os requisitos tecnológicos devem estar alinhados. O acolhimento à inovação inclui a humildade sobre os limites da tecnologia e a necessidade premente de fortalecer os sistemas de saúde para garantir que servem todos os membros da sociedade.

Depois existe a questão de quem concebe e distribui as inovações na saúde – e de quem é responsável pelas mesmas. No passado, a inovação envolvia colaborações entre governos, doadores, ONG e organismos de investigação. Na era digital, novos intervenientes – como os operadores de redes móveis e as empresas tecnológicas – aderiram a este processo, cada um com a sua linguagem, agenda e incentivos próprios. Na ausência de mediação, isto pode originar uma dinâmica distorcida do poder, com algumas iniciativas a tornarem-se “demasiado grandes para falhar” e com os governos a debaterem-se para conseguirem supervisioná-las.

Os efeitos potenciais mais amplos sobre os utilizadores também devem ser considerados. Veja-se a questão da privacidade da informação. Os programas de saúde digital podem envolver a recolha de grandes quantidades de dados pessoais. À medida que essas informações são recolhidas, passam através de uma série de canais, o que torna cada vez mais difícil a sua anonimização. Isso pode criar importantes riscos para a privacidade, que são ampliados pela tentação de mercantilizar e vender dados de pacientes. Embora esta possa parecer uma maneira simples de gerar mais receitas que sustentem e expandam os programas de saúde, a venda de dados privados é contrária ao desenvolvimento da confiança nos sistemas de saúde.

Felizmente, alguns governos reconhecem esta realidade, e estão a decorrer esforços para atenuar os riscos associados à privacidade dos dados. A União Europeia assumiu a liderança nesta frente, com o seu recém-adoptado Regulamento Geral para Protecção de Dados. Um conjunto de países de baixos e médios rendimentos está a seguir o seu exemplo com as suas próprias normas para protecção de dados.

Mas a regulamentação das actividades existentes é apenas o primeiro passo. Dada a impossibilidade de prever todos os modos como os dados podem ser usados no futuro, têm de ser implementadas estruturas de governação robustas que promovam a transparência e a responsabilização. De outra forma, a inovação digital poderá tornar-se rapidamente uma espécie de “Faroeste”, um ambiente sem lei onde as pessoas estejam à mercê de qualquer inovador poderoso que apareça no recinto.

O Sexto simpósio global sobre a Investigação dos sistemas de saúde concentrar-se-á na relação entre a administração governamental, a inovação e a responsabilização. Só com uma avaliação lúcida das novas tecnologias – que inclua as pessoas que são responsáveis pelas mesmas, e as pessoas que podem ficar para trás se forem implementadas – poderemos garantir que a revolução digital cumpre a sua promessa de melhorar a saúde global.

ASHA GEORGE

Asha George é presidente da Health Systems Global e professora da Escola de Saúde Pública da Universidade do Cabo Ocidental, na África do Sul.

AMNESTY LEFEVRE

Anistia LeFevre é professora associada da Escola de Saúde Pública e Medicina Familiar da Universidade da Cidade do Cabo.

RAJANI VED

Rajani Ved é director do Centro Nacional de Recursos de Sistemas de Saúde da Índia.

 

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