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A crise do multilateralismo é uma oportunidade

19-04-2019 - Liu Zhenmin

Quando o ciclone Idai atingiu Moçambique, Malawi, Zimbabué e Madagascar no mês passado, originou a morte de quase mil pessoas e deixou outras centenas de milhares desabrigadas, a passar fome e ameaçadas por doenças. De acordo com uma estimativa, perderam-se infraestruturas no valor de mais de mil milhões de dólares.

Essas catástrofes tornaram-se deprimentemente familiares. Idai foi o último de uma série de eventos climáticos extremos que nos mostra que os efeitos devastadores das alterações climáticas não estão num futuro distante, mas no presente. E o pior é que as comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo estão a ser as mais afetadas. Moçambique - o país que sofreu mais prejuízos com o Idai - terá de reconstruir com as duas mãos atadas, porque atualmente está preso em negociações para reestruturar a sua dívida insustentável.

Para enfrentar esses desafios, em 2015, a comunidade internacional adotou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que traçou um caminho para a prosperidade e a sustentabilidade partilhadas. Mas os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) não serão alcançados, a menos que revejamos os nossos sistemas financeiros de acordo com a   Agenda de Ação de Adis Abeba das Nações Unidas. Precisamos de uma arquitetura financeira mundial que nos permita financiar os investimentos necessários (inclusive em infraestruturas resilientes), reagir rapidamente a choques e colocar bases financeiramente sólidas nos países em dificuldades.

Houve algum progresso. Uma nova   avaliação   da ONU sobre o financiamento do desenvolvimento sustentável mundial, realizada em colaboração com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a OCDE, constata que o interesse do setor privado pelas finanças sustentáveis está a crescer. Além disso, os ODS estão cada vez mais a ser incorporados nos orçamentos públicos e nos esforços de cooperação para o desenvolvimento.

Mas essas mudanças não estão a acontecer rápido o suficiente nem tampouco estão perto da escala requerida. Por exemplo, em   43 mil milhões de dólares   no primeiro semestre de 2018, o investimento total do setor privado em infraestruturas nos países em desenvolvimento é menor hoje do que no mesmo período de 2012. Para atingir a meta de fornecer educação primária universal até 2030, os gastos anuais com a educação nos países mais pobres do mundo terão de ser mais do que triplicados.

Ao mesmo tempo, os riscos sistémicos subjacentes precisam de ser analisados para evitar crises futuras. Aqui, o cenário não é promissor. O crescimento da economia mundial atingiu o pico de 3%, o que está muito abaixo do necessário para erradicar a pobreza em muitos países. Em 2017, os salários reais (ajustados pela inflação)   aumentaram apenas 1,8%, a taxa mais baixa numa década. A maioria das pessoas do mundo agora vive em países com níveis crescentes de desigualdade de rendimentos. Embora a globalização tenha aumentado substancialmente a riqueza e permitido um progresso significativo no combate à pobreza, os ganhos não foram partilhados equitativamente. Muitas famílias, comunidades e países foram excluídos da crescente prosperidade.

Perante este cenário, não é de surpreender que a confiança no multilateralismo tenha se desgastado em muitas partes do mundo. No entanto, embora a ordem multilateral esteja a sofrer uma crise de legitimidade, também lhe está a ser oferecida uma oportunidade. As mudanças rápidas - na geopolítica e na tecnologia, além do clima da Terra - concentraram a nossa atenção coletiva nos desafios referentes a acordos existentes no sistema financeiro mundial, no comércio, na dívida, na cooperação fiscal e noutras áreas. Agora que estamos a rever esses acordos, podemos redirecioná-los para o desenvolvimento sustentável.

Por exemplo, a necessidade urgente de investimentos a longo prazo para combater as alterações climáticas destacou a orientação a curto prazo dos mercados de capitais e ressaltou a importância de realinhar os incentivos que impulsionam o comportamento dos atores no sistema financeiro. Da mesma forma, o facto de mais de 588 mil milhões de dólares de bens terem estado sujeitos a restrições comerciais em meados de outubro de 2018 - um   aumento de sete vezes mais   em relação ao ano anterior - representa uma crise do sistema multilateral de comércio, mas também uma oportunidade de promover uma abordagem à globalização.

Tal como Moçambique, existem agora pelo menos 30 outros países em desenvolvimento e de baixo rendimento com elevado risco de sobre-endividamento. Mas os crescentes riscos da dívida soberana, que coincidem com o panorama variável dos credores, sensibilizaram a comunidade internacional para falhas na arquitetura existente para a sustentabilidade da dívida soberana.

Finalmente, a digitalização alimentou o debate sobre a projeto do sistema fiscal internacional e o seu impacto na desigualdade. E a crescente concentração do mercado, particularmente na economia digital, destacou a necessidade de abordar as implicações distribucionais das novas tecnologias - tanto dentro como entre países.

São necessárias políticas nacionais para aumentar impostos, atrair investimentos e alinhar sistemas financeiros nacionais com os ODS, para iniciar a transformação de que precisamos. Mas os problemas mais prementes do mundo não podem ser resolvidos por países que agem por conta própria. Em vez de se retirar do multilateralismo, a comunidade internacional tem de fortalecer a ação coletiva. Somente trabalhando juntos podemos alcançar grandes feitos para o bem de todas as pessoas. Se não conseguirmos fazê-lo, não conseguiremos fornecer um desenvolvimento sustentável a todos. Com o futuro do planeta e a nossa prosperidade partilhada em jogo, não há desculpa para a inação.

LIU ZHENMIN

Liu Zhenmin é subsecretário-geral das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais

 

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