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Retomar verdadeiramente o controlo

29-03-2019 - Raghuram G. Rajan

A Grã-Bretanha está à beira do Brexit. Ninguém sabe o que acontecerá nos próximos meses. Porém, cerca de um terço dos eleitores britânicos apoiam uma saída “sem acordo" da União Europeia, que arrisca causar um desastre económico no país.

Muitos destes apoiantes de um Brexit “sem acordo” são mais velhos e têm pouca instrução, e vivem em comunidades semi-urbanas e pequenas localidades economicamente deprimidas, que tendem a concentrar-se no norte de Inglaterra. Embora estejam preocupados com a deterioração constante da sua situação económica, existem estudos que sugerem que o comércio ou mesmo a imigração não sejam as suas únicas preocupações. Os apoiantes do Brexit também se ressentem com a sua perda de controlo sobre a política, primeiramente para uma distante capital nacional cheia de elites globais bem-pensantes, e nos últimos anos para uma ainda mais remota UE.

As regras emanadas pela UE em matéria de imigração são apenas o sinal mais óbvio da sua impotência. Os apoiantes do Brexit votaram para sair da UE para poderem “retomar o controlo”. Infelizmente, o Brexit, independente da forma que se revestir, poderá não conseguir dar-lhes o que pretendem, incitando ainda mais ressentimentos. Poderá ser feito algo para apaziguar a sua fúria?

A fragilização das comunidades não é um fenómeno unicamente britânico. À medida que os mercados se alargam para além das fronteiras políticas, os participantes preferem uma estrutura de governação comum que elimine diferenças regulamentares e custos de transacção incómodos. À medida que aumentaram o comércio e os fluxos de capital inter-regionais, a procura de fronteiras regionais integradas e regulamentos nacionais harmonizados tornou-se mais evidente. Por conseguinte, os governos nacionais aumentaram os seus poderes e funções à custa das regiões e das comunidades locais.

Por sua vez, enquanto a globalização acelerou nas últimas décadas, os governos nacionais aderiram a acordos e tratados internacionais que limitaram os seus poderes de soberania. Também cederam alguns poderes a organismos internacionais. Por exemplo, a harmonização de regulamentos económicos promovida pela Comissão Europeia na UE limita o critério regulamentar dos estados-membros individuais. Isto catalisou movimentos que procuram reclamar a soberania nacional, como o dos apoiantes do Brexit.

Contudo, apesar de o poder (e, frequentemente, o financiamento) se ter transferido do nível local para o nacional, e seguidamente para o nível internacional, os efeitos dos mercados globalizados e da mudança tecnológica variaram grandemente. De forma evidente, as mega-cidades prosperaram, enquanto as comunidades semi-rurais registaram uma diminuição da actividade e das oportunidades económicas. A Grande Recessão iniciada em 2008 acentuou esta tendência, com as cidades a recuperarem rapidamente, ao passo que as áreas semi-rurais definharam. Este impacto desigual exige respostas que sejam adequadas às necessidades e condições locais. Mas a formulação destas respostas é muito mais difícil quando as comunidades estão fragilizadas.

A fragilização causa danos colaterais adicionais. Quando as oportunidades abandonam as comunidades economicamente marginalizadas, instalam-se normalmente o desespero e a disfunção social. O número de famílias desfeitas aumenta, bem como os índices do abuso de substâncias e da criminalidade. Longe de ser uma fonte de orgulho e de coesão social, a comunidade transforma-se num repositório de tristeza, ou mesmo de vergonha colectiva. E os seus membros viram-se para fontes alternativas de identidade e de solidariedade social, como o nacionalismo.

Os líderes nacionalistas e populistas comprometem-se a “restituir a grandeza” aos seus países, libertando-os das restrições impostas por acordos e órgãos internacionais. Evidentemente, à medida que recuperam o poder da arena internacional, esses líderes são tentados a resistir à devolução do poder e do financiamento às regiões e comunidades. Em vez disso, os nacionalistas populistas podem virar-se ainda mais contra o sistema internacional, presenteando os seus apoiantes com um desfile contínuo de vilões externos para serem culpados das suas dificuldades. Esse é um caminho que não leva a nada de bom.

É certo que existem muitos outros tipos de nacionalismo; muitos apoiantes do Brexit pretendem que a Grã-Bretanha permaneça aberta à actividade comercial ao mesmo tempo que restrinja grandemente a imigração, por exemplo. Mas à medida que o crescimento abranda e as suas populações envelhecem, os países desenvolvidos necessitarão simultaneamente de mercados para exportação e de alguma imigração – os primeiros para sustentar a procura, e a segunda para pagar as pensões e os cuidados de saúde das populações envelhecidas. A balcanização do mundo, através da criação de barreiras, é um caminho garantido para converter a prosperidade desigual de hoje na pobreza colectiva de amanhã.

Contudo, os nacionalistas têm razão em dizer que caminhámos demasiado no sentido da padronização e da harmonização de legislação e regulamentos entre países. Nesta era de inteligência artificial, certamente que as empresas e os operadores conseguirão lidar com algumas diferenças regulamentares nacionais. Não poderíamos devolver alguns poderes ao nível nacional, desde que os mercados globais permaneçam abertos? Porque têm de ser tecnocratas não-eleitos a decidir as regras em salas fechadas e longínquas? A globalização da governação poderá ser demasiado para o próprio bem da globalização.

Mas os apoiantes do Brexit devem prestar atenção: a devolução do poder não se deterá no nível nacional – como sugerem os rumores na Escócia e em Gales. As comunidades locais em declínio necessitam desesperadamente de um relançamento da actividade económica, e os seus membros têm de tornar-se mais adaptáveis à globalização e à mudança tecnológica. Isso necessita frequentemente de envolvimento e de soluções locais, que devem ser apoiados pelos governos nacionais sempre que necessário. Os partidos políticos poderiam desempenhar um papel construtivo na restauração dos poderes, do financiamento e muitas vezes na saúde de muitas comunidades.

A reconstrução de um forte sentimento de identidade comunitária positiva tornaria o nacionalismo antagonista menos atraente. Quanto mais não seja, quando as pessoas conseguem moldar melhor os seus futuros, são menos permeáveis a serem convencidas de que outros são responsáveis pelos seus problemas. Na medida em que enfraquece o apoio ao nacionalismo virulento, essa devolução pode tornar o mundo um pouco mais próspero – e muito mais seguro.

RAGHURAM G. RAJAN

Raghuram G. Rajan, Governador do Reserve Bank of India de 2013 a 2016, é professor de Finanças na Booth School of Business da Universidade de Chicago e o autor, mais recentemente, de The Third Pillar: How Markets and the State Leave the Community Behind .

 

 

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