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Como a Europa pode negociar com o Irão e evitar as sanções dos EUA

22-03-2019 - Barry Eichengreen

O abandono unilateral pelo presidente dos EUA, Donald Trump, do acordo nuclear sobre o Irão de 2015 – formalmente conhecido como Plano Abrangente de Acção Conjunta – levou a Europa a um beco sem saída. Os seus governos continuam empenhados no envolvimento económico com o Irão, como maneira de encorajar o cumprimento do PAAC, o que implica conceder não apenas ajuda humanitária, mas também outras mercadorias. As empresas que fornecerem estas exportações, contudo, arriscam-se a incorrer em sanções provindas da administração Trump.

Pelo mesmo motivo, os bancos europeus estão relutantes em fornecer euros para financiar o comércio com o Irão. E os bancos dos EUA, por seu lado, estão proibidos de fornecer dólares. No seu conjunto, estes obstáculos formam uma barreira gigantesca ao tão procurado envolvimento.

Em resposta, a França, a Alemanha e o Reino Unido, os três signatários europeus do acordo nuclear, criaram um mecanismo para negociarem com o Irão independentemente dos Estados Unidos. Esse mecanismo, o Instrumento de Apoio às Trocas Comerciais, ou Instex, foi registado em França e reporta a um conselho de fiscalização composto por diplomatas dos três países.

Mas no mês que decorreu desde a sua criação, o Instex financiou zero operações comerciais. Só tem um funcionário, o antigo gestor do Commerzbank, Per Fischer. Há menos informações do que confusão sobre o seu modo de funcionamento.

Felizmente, existe um precedente para esta iniciativa: a União Europeia de Pagamentos (UEP), que funcionou entre 1950 e 1958.

No rescaldo da II Guerra Mundial, não era possível converter as moedas da Europa por dólares ou entre si, devido às dificuldades financeiras do continente. Consequentemente, não podiam ser usadas para financiar ou liquidar transacções internacionais. Nem existiam substitutos. Em particular, os países europeus tinham pouco ouro e poucos dólares com que pudessem fazer pagamentos internacionais.

Para poderem negociar, os países europeus tinham, por conseguinte, de recorrer a acordos bilaterais. Tinham de saldar a sua balança comercial país a país, reduzindo essencialmente as suas transacções à troca simples. Este não seria um modo muito eficiente para reconstruir o comércio e os pagamentos do continente, para não dizer mais.

Em 1950, tornara-se claro que estas dificuldades impediam a recuperação da economia europeia, levando 18 governos europeus a criar a UEP. A nova organização reuniu os défices e excedentes comerciais dos seus membros, e ao compensar os défices entre um país e um conjunto de parceiros com os excedentes existentes junto de outros, permitiu que a Europa liquidasse multilateralmente as suas operações comerciais sem ter de assegurar a convertibilidade das suas moedas.

A analogia com o Instex é directa. O Irão poderá compensar os défices que mantém com um conjunto de países europeus usando os excedentes que mantém com outros. Conseguirá fazer isso sem recorrer a créditos em dólares e sem ter de efectuar pagamentos através do SWIFT, a Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Globais, através da qual as liquidações transfronteiriças convencionais são realizadas, e que foi igualmente ameaçada com sanções dos EUA.

Adicionalmente, a UEP recebeu uma dotação de 600 milhões de dólares para emprestar a membros que apresentassem défices comerciais junto do grupo como um todo. O Conselho da UEP estava compreensivelmente preocupado com o reembolso desses créditos. Quando, em 1950, a Alemanha Ocidental mostrou sinais de esgotar o seu crédito, o Conselho enviou uma pequena equipa de especialistas para diagnosticar o problema. A equipa recomendou um aumento na taxa de juro do banco central alemão, um aumento nas reservas mínimas dos bancos comerciais e um tecto para o crédito. Com a adopção destas medidas monetárias restritivas, a balança comercial alemã voltou ao equilíbrio. A UEP sobreviveu para lutar mais um dia.

Novamente, as implicações para o Instex são evidentes. Não existem motivos para esperar que a balança comercial entre o Irão e a Europa esteja equilibrada ao minuto. Terão de existir créditos que compensem as empresas que exportam para o Irão nos períodos em que o país compre mais à Europa do que venda. Terá de existir supervisão e ajuste de políticas para assegurar o rápido reembolso desses créditos.

Antes de 1950, o governo dos EUA opôs-se vigorosamente à criação da UEP, tal como agora se opõe vigorosamente ao Instex. A preocupação de então residia na discriminação: receava-se que os países europeus considerassem mais simples realizar importações entre si, mas, na ausência de dólares, ainda recusassem importar da América. Além disso, os responsáveis dos EUA preocupavam-se com o facto de que a UEP duplicaria e enfraqueceria as funções do recém-criado Fundo Monetário Internacional.

Neste ponto, porém, as duas narrativas divergem. Com o advento da Guerra Fria, a administração do presidente Harry S. Truman e o Congresso dos EUA reconheceram a urgência da reconstrução europeia. Para esse fim, autorizaram a utilização, pela UEP, de 350 milhões de dólares dos fundos do Plano Marshall.

Desta vez, os EUA não estão prestes a ajudar a Europa com o seu projecto de liquidação de operações comerciais, independentemente de existir ou não uma nova Guerra Fria. Mas, ao contrário de 1950, os actuais governos europeus conseguem fazer funcionar este mecanismo sozinhos. Têm o dinheiro. Conseguem gerir a compensação. E a história fornece orientações para fazê-lo.

BARRY EICHENGREEN

Barry Eichengreen é professor de economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e ex-conselheiro sénior de política do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é The Temptation Populist: Economic Grievance and Political Reaction in the Modern Era.

 

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