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Um kit de sobrevivência para a cidade de Londres

22-02-2019 - Barry Eichengreen

Só agora, ao aproximarmo-nos do terceiro aniversário do referendo do Reino Unido sobre a adesão à União Europeia, as implicações de deixar o bloco estão finalmente a afundar-se. Uma evidência, cómica para quem gosta de humor negro, é o êxito comercial dos Kits de sobrevivência do Brexit, que incluem um filtro de água, equipamentos para fazer lume e comida liofilizada suficiente para 30 dias.

Outra evidência é o lançamento, no final de Janeiro, de um inquérito parlamentar sobre as perspectivas de Londres enquanto centro financeiro. Esta investigação é uma resposta às instituições financeiras proeminentes que votam com os pés. A Goldman Sachs, a JPMorgan, a Morgan Stanley e o Citigroup movimentaram quase 300 mil milhões de dólares de activos patrimoniais de Londres para Frankfurt, e o Barclays obteve aprovação para movimentar outros 215 mil milhões de dólares para Dublin. O BNP Paribas, o Crédit Agricole e a Société Général transferiram 500 funcionários de Londres para Paris. O HSBC transferiu a propriedade de muitas de suas subsidiárias europeias do Reino Unido para a França.

O nível de ansiedade aumenta devido à incerteza sobre o regime pós-Brexit. O governo da Primeira-Ministra Theresa May encetou negociações confiante de que obteria direitos de passaporte — autorização para prestar serviços em toda a UE sem a aprovação adicional das entidades reguladoras do país anfitrião — para os bancos do Reino Unido. Mas se tivesse olhado mais de perto, o seu governo teria visto que a UE apenas concede direitos de passaporte a países terceiros se estes — a Noruega, por exemplo — pertencerem ao Espaço Económico Europeu.

A adesão ao EEE confere não só direitos, mas também obrigações. Os membros comprometem-se a aceitar o regulamento financeiro da UE. Em caso de litígio, os membros do EEE aceitam a decisão do Tribunal de Justiça Europeu (TJE). Tecnicamente, têm o seu próprio Tribunal da EFTA (tem esta designação dado que tem jurisdição não só na Noruega, Listenstaine e Islândia — que são membros do EEE — mas também na Suíça). Na prática, contudo, o Tribunal da EFTA está mais ou menos em sintonia com o TJE. Tal é o resultado previsível quando existe um desacordo sobre o acesso ao mercado entre dois blocos económicos, sendo um deles muito maior do que o outro. Este acordo não é propriamente favorável aos defensores do Brexit.

Este facto deixa o acordo mais parcelado conhecido como equivalência: o regulamentos individuais na UE e um país terceiro são ainda considerados, à falta de uma palavra mais adequada, como sendo equivalentes” entre si. Os bancos que não são membros podem fornecer os produtos abrangidos por esses regulamentos a clientes na UE.

A equivalência é determinada caso a caso e aplica-se apenas aos produtos ou serviços abrangidos por esse regulamento. O regime de equivalência UE-EUA, por exemplo, rege apenas os derivados do mercado de balcão e um número limitado de outros produtos. Quando um produto não é abrangido pela equivalência, um banco dos EUA apenas poderá fornecê-lo na Europa se estabelecer uma filial capitalizada separadamente, o que constitui uma proposta extremamente dispendiosa.

O facto de os regimes de equivalência serem menos do que abrangentes terá implicações negativas para a City. São as economias de gama — a capacidade de fornecer uma ampla gama de serviços financeiros diferentes — que fazem os centros financeiros. O fato de as instituições financeiras globais já estarem a transferir empresas e funcionários para fora de Londres indica que consideram haver aqui um problema.

Na verdade, os pontos fortes de Londres não devem ser subestimados. A cidade adquiriu sua a preeminência financeira internacional durante o século XVIII. Ao longo do tempo, um vasto ecossistema de serviços de apoio — contabilistas, advogados, consultores e outros — cresceu em torno dos bancos. Sobre estes alicerces, Londres tornou-se o centro do mercado entre o euro e o dólar. Com o advento do comércio informatizado, passou a alojar os servidores da Thomson Reuters e da Electronic Broking Services e tornou-se um nós dos cabos de fibra óptica através dos quais fluem as transacções eletrónicas. Após 1999, tornou-se o principal centro de transacção de activos denominados em euro.

Recentemente Edouard-François de Lencquesaing, presidente do Instituto Europeu de Regulamentação Financeira, rejeitou as perspectivas de Londres com o argumento de que a sua ascensão enquanto centro financeiro global "foi um mero acidente da história". Lencquesaing esquece o essencial. Alguns acidentes têm consequências duradouras e, neste caso, as consequências não desaparecerão. Alguns grandes bancos estão a transferir efectivamente funcionários para Paris e Frankfurt, mas serão necessários anos para que esses centros desenvolvam um ecossistema de serviços de apoio capaz de concorrer com o de Londres.

Em consequência, Londres continuará a ser um importante centro financeiro, embora o nível de importância dependa dos progressos afectuados nas negociações no âmbito das equivalências. Se o Reino Unido sair abrutpamente da UE, o ambiente de negociação será venenoso e os acordos escassos. Se o Parlamento aprovar o acordo de Primeira-Ministra Theresa May, os negociadores da UE terão mais motivos para acreditar que o Reino Unido está preparado para cumprir seus compromissos. Nesse caso, é provável que sejam adoptados acordos de equivalência adicionais.

É certo que existe um outro cenário com implicações mais favoráveis para a City, nomeadamente a anulação do Brexit. Dado que Londres ainda tem esse rico ecossistema de serviços de apoio, não será inconcebível que os bancos que estão actualmente a mudar-se para o continente acabem por  transferir de volta os postos de trabalho e os activos.

BARRY EICHENGREEN

Barry Eichengreen is Professor of Economics at the University of California, Berkeley, and a former senior policy adviser at the International Monetary Fund. His latest book is The Populist Temptation: Economic Grievance and Political Reaction in the Modern Era.

 

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