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Capacitar a União Africana

15-02-2019 - Donald P. Kaberuka

Quando a Organização da Unidade Africana (OUA) foi fundada em 1963, o imperador Hailé Selassié da Etiópia, o primeiro presidente do bloco, lançou uma chamada de alerta: “Aquilo de que precisamos é de uma única organização africana, através da qual a voz única de África possa ser ouvida, e dentro da qual os problemas de África possam ser estudados e resolvidos. Precisamos de uma organização que viabilize soluções aceitáveis para os litígios entre africanos e que promova o estudo e a adopção de medidas para a defesa comum e de programas para a cooperação nos campos económico e social”.

Ao promover a integração económica de África, salvaguardando a sua soberania e integridade, e projectando a sua voz e defendendo os seus interesses a nível mundial, a OUA – e a sua sucessora, a União Africana – tentou concretizar a libertação e capacitação completas do continente. Mas, para poder cumprir esta missão, a UA precisa de recursos próprios fiáveis.

Isto será principalmente um problema de mentalidades, e não de meios. Felizmente, as mentalidades estão a começar a mudar.

Em 2016, na cimeira da UA em Kigali, os líderes africanos reconheceram que, apesar das conquistas da UA, esta continuava desprovida de meios e ineficiente, a funcionar abaixo do seu potencial, e sem conseguir implementar muitas decisões. Para a redinamização da UA, encarregaram o presidente ruandês, Paul Kagame, de liderar um processo em que todos estariam profundamente envolvidos.

Menos de três anos depois, está a ser implementado um conjunto de recomendações reformistas elaborado por Kagame e pelo comité pan-africano de especialistas que nomeou – através de um processo de consultas inclusivo, que envolveu líderes africanos e outras partes interessadas. As reformas são relativas ao financiamento da UA; à harmonização entre instituições da UA; à divisão do trabalho entre a UA, os órgãos regionais, e os estados-membros; e à responsabilização dos estados-membros e à relevância do trabalho da UA para os cidadãos normais.

Garantir o financiamento “adequado, previsível e sustentável” para a UA era uma prioridade essencial. Historicamente, as finanças da UA têm sido altamente erráticas, com muitos países-membros – frequentemente assolados por despesas crescentes e uma deficiente gestão financeira – a não conseguirem efectuar os seus pagamentos. Isto deixou a UA excessivamente dependente de apenas seis estados-membros que asseguravam 55% do orçamento e, cada vez mais, de parceiros externos. Para piorar a situação, as operações de paz e de segurança estão a tornar-se mais caras, devido às complexidades dos conflitos híbridos modernos, como os que decorrem no Sahel e no Corno de África.

Para enfrentar estes problemas, acordou-se que uma taxa de 0,2% sobre determinadas importações permitiria à UA financiar-se no longo prazo. Além disso, adoptou-se um modelo de financiamento fiável e previsível para iniciativas continentais de paz e segurança: o Fundo para a Paz disporá brevemente de 100 milhões de dólares – o suficiente para permitir que a UA resolva conflitos através da prevenção e da mediação.

Reformar uma organização intergovernamental nunca é tarefa fácil. Isso é tão verdadeiro para a UA como é para as Nações Unidas ou para as instituições de Bretton Woords. Conseguir o equilíbrio entre os imperativos de alto nível das reformas e as pressões políticas nacionais, frequentemente divergentes entre si, é uma tarefa delicada.

Alguns defendem que as reformas não vão suficientemente longe. Outros receiam que possam ir demasiado longe e demasiado depressa. Também existe uma pequena minoria que permanece convencida de que a mudança não é necessária, porque a UA deveria ser um órgão político, e não um órgão tecnocrático como a ONU, embora esta perspectiva não reconheça a ligação entre legitimidade política e eficácia.

Mas, quando decidirem os próximos passos, os africanos deverão recordar a experiência da crise financeira global de 2008. No auge da crise, a opinião popular era que, sem ajuda externa em larga escala, as economias de África correriam perigos graves. Posteriormente, a UA e o Banco de Desenvolvimento Africano (que eu presidia) convocaram uma reunião de emergência dos ministros das finanças e dos governadores dos bancos centrais para delinearem uma resposta política.

Parcialmente graças a esta resposta desenvolvida internamente, a maioria dos países africanos emergiu da crise com apenas danos limitados, embora alguns deles tenham sido mais tarde atingido por efeitos de segunda geração sobre a economia real, tais como o abaixamento do preço das mercadorias e o abrandamento nos fluxos de investimento.

O mesmo tipo de coordenação com liderança interna é hoje urgentemente necessário, em temas que vão do clima à segurança, porque a ordem multilateral global demonstra sinais de fadiga. Menos de quatro anos depois do mundo se ter unido para adoptar a pioneira Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, emergem guerras comerciais e reviravoltas em compromissos relativos às alterações climáticas, e o populismo, o proteccionismo e o isolacionismo estão em ascensão, nomeadamente em países que historicamente se encontram entre os maiores doadores externos de África.

Neste contexto, os acordos regionais são mais importantes que nunca. Isto inclui a UA, bem como a Área Continental de Livre Comércio de África, que entrará em vigor dentro de alguns meses, com a participação de 50 dos 55 membros da UA. A ACLC africana não prevê apenas a redução das tarifas aduaneiras para impulsionar o comércio intracontinental: é também uma oportunidade para aprofundar e desbloquear o potencial de investimento de África.

Este é um momento de perigo, mas é também uma oportunidade preciosa para que os africanos tracem o seu próprio rumo. Embora a reforma institucional em curso na UA não resolva todos os desafios do continente, oferece um alicerce sólido sobre o qual se pode consolidar uma UA eficaz e auto-suficiente, em que os africanos possam confiar para estar à altura dos desafios actuais e futuros.

DONALD P. KABERUKA

Donald P. Kaberuka, ex-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, é Alto Representante do Fundo de Paz da União Africana e Distinguished Visiting Fellow no Centre for Global Development.

 

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