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Regulamentar o discurso na nova praça pública

15-02-2019 - Madeleine de Cock Buning, Miguel P. Maduro

Actualmente, os debates sobre questões públicas são divulgados nas redes sociais, as pessoas recebem as suas notícias através de plataformas digitais e os políticos lançam as suas políticas através destes mesmos meios de comunicação. A internet é a nossa nova praça pública.

Nas antigas praças públicas, os jornalistas e as editoras serviam como guardiões e actuavam como árbitros. Os agregadores de notícias humanos definiam a agenda e forneciam ao público informações credíveis e com uma diversidade de pontos de vista. Confiávamos neles devido ao profissionalismo e à integridade dos seus processos editoriais.

Na nova esfera pública, este modelo de jornalismo - e do papel do jornalismo na sustentação da democracia - tornou-se obsoleto. A comunicação social tradicional já não desempenha o papel de guardião dominante e de definidor da agenda. As notícias falsas podem alcançar várias jurisdições ao mesmo tempo.

Porém, da mesma forma o podem fazer as medidas públicas e privadas que censuram o discurso. O desafio é redefinir os parâmetros do discurso civil na nova esfera pública sem restringir o pluralismo. Exemplos recentes destacam o risco de mandar o bebé fora com a água do banho.

Apesar das manchetes nefastas, a influência das notícias falsas sobre a tomada de decisões políticas parece ser limitada. De acordo com o Instituto para o Estudo do Jornalismo da Reuters da Universidade de Oxford, o alcance de tal conteúdo é, em grande parte, restrito a grupos de crentes que procuram reforçar as suas próprias opiniões e os seus próprios preconceitos. Contudo, isso não torna o logro digital menos perigoso. As notícias falsas alimentam - e são alimentadas por - a polarização, e, paradoxalmente, quanto mais são discutidas, mais se tornam disruptivas.

Isto porque as notícias falsas minam a confiança em todas as formas de comunicação social e reforçam a ideia de que é impossível discernir a realidade da ficção. Quando as pessoas não sabem em que é que podem acreditar, a capacidade dos jornalistas de controlar o poderoso fica debilitada. Esta tendência só piorará à medida que as "notícias deep-fake" - imagens e vídeos fraudulentos que parecem reais - se tornam cada vez mais omnipresentes.

Claramente, as vulnerabilidades da esfera pública digital devem ser abordadas. Alguns argumentam que a solução reside em bloquear sítios questionáveis ou diminuir os resultados da pesquisa. O Facebook, por exemplo, censura publicações ambíguas e criou uma "sala de guerra” das eleições para combater a desinformação.   Outras plataformas globais, como o Google e o Twitter, consideraram etapas semelhantes e todas as três estão a ser pressionadas para conceder às autoridades o acesso aos dados privados de utilizadores que publicam notícias falsas ou fazem declarações difamatórias. No entanto, acreditamos que estas etapas, embora aparentemente prudentes, são profundamente falaciosas.

No coração de qualquer democracia forte residem um consenso e uma arbitragem políticos que dependem da capacidade do público para debater e discordar. Não cabe a entidades privadas - ou a instituições públicas, para essa matéria - censurar este processo. Em vez disso, devemos trabalhar para garantir que os cidadãos tenham acesso a uma ampla gama de opiniões e ideias e compreender o que estão a ler, a ver ou a ouvir. A liberdade de expressão inclui o direito de receber e transmitir informações sem interferência, o que implica valores corolários de liberdade e de pluralismo dos meios de comunicação social, tal como consagrado na  dos Direitos Fundamentais Carta da UE. Estudos demonstram que a maioria das pessoas prefere fontes de notícias confiáveis e pluralistas; o trabalho dos decisores políticos é permitir-lhes concretizar essa preferência.

Um relatório de Março de 2018 para a Comissão Europeia efectuado pelo Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Notícias Falsas e Desinformação em Linha, o qual um de nós (de Cock Buning) presidiu, ofereceu um roteiro e o Plano de Acção da Comissão Europeia recente fornece um bom ponto de partida. Porém, é necessário fazer muito mais.

Não existe nenhuma bala de prata para combater a desinformação. Apenas as abordagens de diferentes partes interessadas que espalhem responsabilidade em todo o ecossistema de notícias e tenham em conta os direitos fundamentais envolvidos, podem fornecer defesas adequadas contra a desinformação.

Por exemplo, os profissionais da comunicação social devem esforçar-se mais para garantir a veracidade da sua cobertura. A tecnologia para verificação dos factos pode ajudar, desde que seja mantida livre da influência política e económica. O Google, o Facebook e o Twitter devem ficar fora da matéria da verificação dos factos.

A Big Tech está a começar a assumir a responsabilidade ao comprometer-se com um Código de Conduta com base em dez princípios-chave do Relatório de Alto Nível. No entanto, a "Big Tech" pode contribuir de outras formas, como por exemplo, fornecendo interfaces baseadas em clientes para a curadoria de notícias legítimas, garantindo a diversidade em cronologias das redes sociais e tornando uma grande prioridade a republicação de informações de factos verificados. As plataformas podem também melhorar a transparência na forma como utilizam os dados e os algoritmos de código. Idealmente, estes algoritmos devem permitir aos consumidores mais controlo sobre as preferências editoriais e integrar a edição e as aplicações de verificação de factos desenvolvidas por organizações de comunicação social confiáveis.

As plataformas devem também identificar claramente as fontes das notícias, especialmente os conteúdos políticos ou comerciais pagos. Muitas destas medidas mais imediatas podem e devem ser implementadas antes da eleição do Parlamento Europeu, em Maio de 2019.

Precisamos também de nova colaboração internacional e melhores regras jurisdicionais para garantir que as leis e os regulamentos protegem as vítimas de notícias falsas e ofensivas, sem restringir a liberdade de expressão ou prejudicar os direitos dos delatores. Em particular, estes conflitos não devem ser legalmente estabelecidos onde apenas uma das partes tem um acesso efectivo à justiça. Por último, as empresas das plataformas devem cooperar com as escolas, com os grupos da sociedade civil e com as organizações de notícias para reforçar a educação do público sobre a comunicação social. Os dados mostram que os consumidores de alguns mercados ainda têm dificuldade em distinguir notícias falsas de notícias reais.

Os esforços bem-intencionados para limpar a nova praça pública de desinformação vão, certamente, ter um efeito contrário; apenas os consumidores podem marginalizar as notícias falsas. Não podemos permitir que as empresas privadas ou os governos possam decidir o que as pessoas devem saber. A história da democracia é clara neste ponto: o pluralismo, e não a censura privada ou pública, constitui a melhor garantia da verdade.

MADELEINE DE COCK BUNING

Madeleine de Cock Buning, professora de Política Digital, Economia e Sociedades na Escola de Governança Transnacional do Instituto Universitário Europeu, foi Presidente do Grupo de Alto Nível da Comissão Europeia sobre Notícias Falsas e Desinformação Online.

MIGUEL POIARES MADURO

Miguel Poiares Maduro, Director da Escola de Governança Transnacional do Instituto Universitário Europeu, foi membro do Grupo de Alto Nível da Comissão Europeia sobre Liberdade de Mídia e Pluralismo.

 

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