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Saúde mundial contra trolls online

08-02-2019 - Junaid Nabi

A parte mais frustrante do meu trabalho, como cientista de saúde pública, é a disseminação de informações falsas - geralmente online - que se sobrepõem a anos de investigação empírica. Já é difícil o suficiente para os médicos refutarem falsidades médicas em conversas cara-a-cara com os pacientes. Torna-se ainda mais difícil fazê-lo quando essas falsidades são transmitidas pela Internet.

Recentemente, testemunhei esse padrão em primeira mão em Caxemira, onde fui criado. Lá, pais de crianças pequenas confiaram em vídeos e mensagens publicados no Facebook, YouTube ou WhatsApp que espalharam rumores falsos de que os medicamentos e as vacinas modernas eram prejudiciais ou até mesmo que eram financiados por estrangeiros com motivos ocultos. Conversas com colegas locais de pediatria revelaram como um único vídeo ou mensagem instantânea com informações falsas foi suficiente para dissuadir os pais de acreditarem em terapias médicas.

Médicos de outras zonas da Índia e Paquistão relataram numerosos casos em que pais, muitos deles com um bom nível de instrução, recusam dar a vacina contra a poliomielite aos seus filhos. Relatórios de que a CIA, em tempos, organizou uma campanha de vacinação falsa para espiar militantes no Paquistão aumentaram a desconfiança na região. Devido aos altos riscos envolvidos, os estados às vezes recorrem a medidas extremas, tais como prender pais que não cooperam, para garantir que as comunidades vulneráveis são vacinadas.

Este é apenas um exemplo regional da ameaça global que a desinformação online representa para a saúde pública. Nos Estados Unidos da América, um estudo recente publicado na American Journal of Public Health divulgou como é que os bots [contas automatizadas nas redes sociais executadas por um algoritmo sem intervenção humana] no Twitter e os trolls [pessoas que iniciam intencionalmente conflitos online] russos distorceram o debate público sobre a eficácia da vacinação. Depois de examinar 1,8 milhão de tweets durante um período de três anos, de 2014 a 2017, o estudo concluiu que o objetivo dessas contas automatizadas era criar conteúdos online suficientes contra a vacinação para desenvolver uma equivalência falsa no debate sobre a vacinação.

Esses programas de desinformação têm sucesso por uma razão. Em março de 2018, investigadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts relataram que no Twitter as notícias falsas espalham-se significativamente mais depressa do que as notícias verdadeiras. A análise que realizaram revelou como é que necessidade humana pela novidade, e a capacidade de a informação evocar uma resposta emocional, são vitais na divulgação de notícias falsas.

A Internet amplifica os danos causados por esses “factos alternativos”, porque pode disseminá-los em grande escala e velocidade - algumas contas falsas ou alguns trolls são suficientes para espalhar desinformação a milhões de pessoas. E a partir do momento em que se espalha, é praticamente impossível retirá-la.

O papel dos bots no Twitter e dos trolls nas eleições dos EUA em 2016 e na votação no Reino Unido para o Brexit é claro. Agora, também afetaram a saúde mundial. Se não tomarmos medidas sólidas e coordenadas para lidar com esta tendência alarmante, poderemos perder o mérito de um século de sucessos em comunicação sobre saúde e vacinação, que dependem da confiança do público.

Podemos tomar várias medidas para começar a reverter os danos. Para começar, as autoridades e os peritos de saúde, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, têm de perceber como é que esta desinformação online está a minar a confiança do público nos programas de saúde. Também precisam de se envolver ativamente com os gigantes mundiais das redes sociais, como o Facebook, Twitter e Google, bem como os grandes atores regionais, incluindo o WeChat e o Viber. Isso significa trabalhar em conjunto para criar diretrizes e protocolos sobre como as informações de interesse público podem ser disseminadas com segurança.

Além disso, as empresas de redes sociais podem trabalhar com os cientistas para identificar padrões e comportamentos de contas spam que tentam disseminar informações falsas sobre questões importantes de saúde pública. O Twitter, por exemplo, já começou a utilizar tecnologia de aprendizagem automática para limitar atividades provenientes de contas spam, bots e trolls.

Uma verificação mais rigorosa das contas, desde o momento da inscrição, também será um poderoso impedimento para a expansão de contas automatizadas. A autenticação de dois fatores, utilizando um endereço eletrónico ou um número de telefone ao inscreverem-se, é um começo prudente. A tecnologia CAPTCHA que exige que os utilizadores identifiquem imagens de carros ou sinais de trânsito - algo que os seres humanos podem fazer melhor do que as máquinas (pelo menos por enquanto) - também pode limitar as inscrições automatizadas e a atividade de bots.

É improvável que essas precauções violem o direito de qualquer pessoa de expressar uma opinião. As autoridades de saúde pública devem pecar por excesso de zelo quando avaliam os direitos de liberdade de expressão contra as falsidades que ameaçam o bem-estar público. Ao abusarem do anonimato fornecido pela Internet, as contas spam, os bots e os trolls servem para desestabilizar e poluir as informações disponíveis, e confundir as pessoas. Tomar medidas prudentes para evitar situações em que vidas estão em jogo é um imperativo moral.

A saúde pública mundial avançou grandes passos durante o século XX. No século XXI mais progressos virão, não apenas através de investigações pioneiras e trabalho comunitário, mas também através do envolvimento online. A próxima batalha pela saúde mundial poderá ser travada na Internet. E ao agirmos com a rapidez suficiente para derrotarmos os trolls, podemos prevenir doenças evitáveis e mortes em todo o mundo.

JUNAID NABI

Junaid Nabi é investigadora de saúde pública no Brigham and Women’s Hospital e na Harvard Medical School, em Boston.

 

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