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Reescrever o futuro do trabalho

18-01-2019 - Bruno Dobrusin

Muito se escreveu sobre o “futuro do trabalho”, e a maior parte proporciona uma leitura sombria. Estudos consecutivos prevêem que a automação alterará indústrias inteiras e deixará milhões no desemprego. Um artigo de 2013 escrito por dois professores de Oxford sugeriu que as máquinas poderiam substituir 47% dos empregos nos Estados Unidos dentro de “uma década ou duas”.

As conclusões deste tipo sustentam a narrativa de que o futuro será inevitavelmente de desemprego. Porém, esta perspectiva é preferida principalmente pelo sector empresarial, e apoiada pelas tendências negativas na chamada   gig economy   (NdT: termo usado no original que descreve actividades principalmente temporárias); os trabalhadores e os sindicatos não participaram muito no debate. Se isto mudasse, o futuro do trabalho poderia ter um aspecto muito diferente.

Três pressupostos comuns enviesam as previsões do impacto da automação sobre o emprego. É essencial que se aborde cada um deles para que se protejam os direitos dos trabalhadores e se altere o roteiro fatalista da narrativa predominante.

O primeiro pressuposto é que os empregos inteiramente automatizados substituirão os trabalhadores num futuro próximo. Esta perspectiva não vai muito além da conjectura, e podem retirar-se diferentes conclusões a partir dos mesmos dados. Por exemplo, um estudo da McKinsey de 2017, utilizando conjuntos de dados semelhantes aos usados na investigação de Oxford em 2013, concluiu que apenas 5% dos empregos nos EUA poderiam ser inteiramente automatizados, mas que cerca de 60% dos empregos americanos poderiam ser parcialmente automatizados. Por outras palavras, a automação não significa que o trabalho humano   tenha de desaparecer, mas apenas que pode tornar-se mais produtivo.

No máximo, as tendências actuais sublinham por que razão é importante democratizar o modo como a tecnologia é incorporada nos processos de negócio. Quando as grandes empresas implementam inovações para acelerar a produção – como os dispositivos para registar o tempo usados pelos empregados de armazém nas instalações da Amazon – a consequência indesejada poderá ser um decréscimo da produtividade. Para muitos trabalhadores, o modo como a tecnologia é adoptada poderá ser mais relevante que a própria tecnologia.

O segundo pressuposto é que a automação não beneficiará a maioria dos trabalhadores. Mas serão as pessoas e os políticos – e não as máquinas – quem determinarão o que sucederá aos trabalhadores. Se aceitarmos a perspectiva de que a tecnologia aumentará a produtividade global (um ponto que ainda permanece por provar, dados os baixos níveis de crescimento da produtividade nos países da OCDE durante a última década), os trabalhadores e líderes políticos poderiam concentrar-se na defesa de um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. A luta pela jornada de oito horas foi travada há mais de um século, e os espaços criados pelo debate actual permitem negociar uma semana de trabalho mais curta. Alguns sindicatos já fazem isto; mais deveriam seguir-lhes o exemplo.

Finalmente, apesar da propaganda, a automação não é a questão mais premente para o trabalho. A tecnologia pode ser disruptiva, mas as maiores preocupações para os trabalhadores de hoje são as que estes sentem mais directamente: subemprego, emprego precário e salários estagnados. Segundo as “Perspectivas sociais e do emprego no mundo”, publicadas pela Organização Internacional do Trabalho em 2018, 1400 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com “formas vulneráveis de emprego” no sector informal, comparativamente a 192 milhões que não têm emprego.

É verdade que as novas tecnologias de hoje afectam os trabalhadores de várias maneiras. Isso foi sempre verdade, e as pessoas continuarão a ser deslocadas de um sector económico para outro. Mas embora a inovação tecnológica crie novas oportunidades, a   gig economy   de hoje, em especial, reflecte o modo como também pode enfraquecer os direitos dos trabalhadores e aumentar a insegurança económica. Os receios dos trabalhadores são reais, e é por isso que o movimento laboral tem lutado para defender os trabalhadores em situações vulneráveis. A expansão do conceito de Transição Justa, usado actualmente em deslocações laborais relacionadas com as mudanças climáticas, para deslocações relacionadas com a tecnologia, seria uma inovação valiosa para garantir que a automação não deixa ninguém para trás.

Mas não devemos aceitar a narrativa ansiosa de um mundo sem trabalho. A tecnologia e o desenvolvimento económico são domínios disputados, e os sindicatos devem concentrar-se na melhoria das condições de trabalho, na organização dos trabalhadores dos novos sectores, e em desafiar os modelos de negócio autoritários que conferem aos empregados pouco poder sobre o modo como as suas empresas funcionam.

Começam a aparecer sinais positivos. A organização laboral  está a crescer no sector dos serviços. Os empregados começam a pressionar para melhores salários em algumas das maiores corporações do mundo. E os trabalhadores dos EUA estão a exigir –  e frequentemente recebem  – um salário digno. O próximo passo consiste em garantir que os efeitos da automação ocupem um lugar mais destacado na organização de sindicatos. O futuro do trabalho não está predeterminado; a história ainda está a ser escrita. A pergunta mais importante, como sempre, é saber quem acabará por empunhar a pena.

BRUNO DOBRUSIN

Bruno Dobrusin é coordenador da campanha One Million Climate Jobs na Green Economy Network.

 

 

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