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O VIH e os ODS

04-01-2019 - Christine Stegling

Há trinta anos, quando a comunidade internacional assinalou o primeiro Dia Mundial da Luta contra a SIDA, pensávamos que nunca conseguiríamos vencer a maré do VIH. Mas hoje, depois de milhões de mortes e de anos de medo, dispomos de estratégias eficazes para evitar a transmissão e levar testes e tratamento a quem deles necessita.

Contudo, apesar da evolução notável das três últimas décadas – ou talvez precisamente por isso – devemos evitar a tentação de declararmos quase concluída a luta contra a SIDA. Em muitas regiões do mundo, o trabalho mais difícil ainda mal começou.

Desde o virar do século, muitos dos avanços contra o VIH foram possibilitados pelos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), um roteiro de políticas a 15 anos que fez do combate à propagação do vírus uma prioridade principal. Isto originou uma expansão sem precedentes dos serviços de prevenção e tratamento, especialmente nos países em desenvolvimento. A evolução foi rápida, e quando os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sucederam aos ODM em 2015, acabar com a SIDA deixara de ser um objectivo autónomo. Mais propriamente, a continuidade da evolução tornara-se uma das 169 metas que os ODS se propõem atingir até 2030.

Mas a transição de “objectivo” para “meta”, combinada com as quedas acentuadas nas mortes devidas à SIDA, embalou-nos numa falsa sensação de realização. Hoje, muitos defendem que a SIDA está perto do seu fim. Infelizmente, nada poderia estar mais longe da verdade.

O VIH é uma questão complexa. As respostas biomédicas são cruciais para o controlo da doença, mas se as pessoas não tiverem acesso a medicamentos ou a serviços de prevenção, até as iniciativas mais bem concebidas falharão. Além disso, os obstáculos ao tratamento não têm frequentemente qualquer relação com os cuidados de saúde, mas são antes relacionados com a marginalização política, económica e social. Por exemplo, poderá ser difícil diminuir a taxa de infecções em países onde as desigualdades entre os géneros impeçam as mulheres de tomarem decisões sobre quando, onde e com quem têm relações sexuais.

Na verdade, em muitas partes do mundo, o VIH é hoje considerado uma doença crónica, controlável com medicamentos e alterações no modo de vida; por si só, esse facto é merecedor de comemoração. Mesmo assim, milhões de pessoas ainda  não conhecem o seu estado quanto ao VIH ou não conseguem os apoios de que precisam quando os resultados do teste são positivos. Para que o mundo vença o VIH/SIDA, precisamos de encontrar modos de suprir estas falhas.

Acima de tudo, isso significa integrar mais amplamente a luta contra o VIH no planeamento do desenvolvimento sustentável. Quando os governos agirem para implementar os ODS em áreas como a protecção social, a segurança alimentar, e a violência de género, as respostas ao VIH também devem estar presentes nos seus planos. Apenas relacionando as estratégias contra o VIH com as questões que predispõem as pessoas à infecção – como a pobreza, a educação, e o preconceito de género – poderemos esperar um futuro livre de SIDA para todos, em qualquer lugar.

Teremos de percorrer um longo caminho antes que isso aconteça. Por exemplo, ainda no mês passado, na Tanzânia, centenas de pessoas lésbicas, gay, bissexuais e transgénero (LGBT) foram forçadas à clandestinidade, depois de um responsável municipal de Dar es Salaam ter anunciado a criação de um grupo de missão para identificar e punir os homossexuais. Como os grupos LGBT estão na linha da frente dos esforços de prevenção contra o VIH na Tanzânia, qualquer ameaça aos direitos humanos dos seus membros é também uma ameaça à resposta contra o VIH.

E a Tanzânia não é um caso único. Pelo contrário, como sublinha um relatório recente da minha organização, a situação é especialmente difícil no Médio Oriente e no Norte de África, onde os contactos sexuais forçados, dentro e fora do casamento, são generalizados. Estes encontros coercivos e frequentemente violentos aumentam o risco de exposição das mulheres ao VIH.

Os que estão na linha da frente da resposta contra a SIDA sempre reconheceram que a doença não pode ser vencida de forma isolada; em vez disso, tem de ser enfrentada através de um conjunto interligado de desafios sociais, culturais, económicos e jurídicos. É por isso que os activistas gastaram anos a lutar pela revogação de legislação discriminatória, a desenvolver programas de ensino para melhoramento da saúde sexual e reprodutora, e a construir redes de apoiantes que compreendem que o VIH não diferencia nacionalidades, sexualidades, ou situação económica. Para continuarmos a enfrentar a doença, não podemos esquecer a abordagem inclusiva que nos trouxe até aqui.

O mantra dos ODS é “ninguém fica para trás”. De momento, porém, muitas das pessoas mais vulneráveis ao VIH estão a ser esquecidas e   ficarão   para trás. Hoje, as taxas de infecção por VIH são mais elevadas entre as populações pobres e socialmente marginalizadas, sublinhando o facto de que, enquanto os ODS não forem cumpridos, o “objectivo” de acabar com o flagelo do VIH/SIDA permanecerá fora do nosso alcance.

CHRISTINE STEGLING

Christine Stegling é directora executiva da International HIV/AIDS Alliance.

 

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